Foz do Amazonas

Decisão de explorar novas fronteiras de óleo e gás “não é boa notícia para o clima”, diz embaixador da França

O diplomata também ressalta a cooperação entre Brasil e França em áreas como combustíveis verdes, hidrogênio, minerais críticos, energia nuclear, e na agenda comum na COP30

Emmanuel Lenain, embaixador da França no Brasil, durante reunião no Ministério dos Transportes, em abril de 2025 (Foto Marcio Ferreira/Ministério dos Transportes)
Emmanuel Lenain, embaixador da França no Brasil, durante reunião no Ministério dos Transportes, em abril de 2025 (Foto Marcio Ferreira/Ministério dos Transportes)

RIO — A decisão do governo brasileiro de explorar novas fronteiras de petróleo e gás em áreas como a Foz do Amazonas, na Margem Equatorial, “não é uma boa notícia para o clima”, na avaliação do embaixador da França no Brasil, Emmanuel Lenain, em entrevista exclusiva à agência eixos

O embaixador, contudo, ressalta a cooperação entre os países para implementação de um corredor verde marítimo, mapeamento de minerais críticos no Brasil, parcerias com empresas francesas para desenvolvimento da energia nuclear e conclusão de Angra 3, e produção de biocombustíveis.

Além disso, o Lenain também detalha a agenda comum na COP30, que acontecerá em novembro, em Belém, envolvendo financiamento climático e proteção de florestas. 

“Temos todas as evidências, científicas inclusive, de que a indústria fóssil é um dos principais contribuintes para as mudanças climáticas e o aquecimento global. E é muito importante que, coletivamente, comecemos agora a implementar a saída das fontes fósseis, como foi acordado e decidido durante a COP28 em Dubai”, afirma o embaixador.

Lenain lembra o compromisso francês com a eliminação total de combustíveis fósseis nas próximas décadas, com o abandono do carvão até 2030, do petróleo até 2045, e do gás até 2050. 

O embaixador ressalta que a França foi o primeiro país do mundo a proibir a exploração e produção de hidrocarbonetos em seu território, incluindo a Guiana Francesa — que faz fronteira com a Bacia da Foz do Amazonas —, mas reconhece a soberania de cada país na definição da sua política energética. 

“Essa é uma decisão soberana do Brasil. Não cabe a mim comentar. Cada país tem o direito de decidir o que fazer com seu território e seus recursos. Só posso dizer o que meu país faz em seu próprio território. Em 2017, decidimos não conceder mais licenças para exploração e produção de combustíveis fósseis. O que obviamente se aplica também à Guiana Francesa”. 

Pontos em comum na agenda climática

Apesar dessa divergência, França e Brasil vêm aprofundando a cooperação em diversos setores ligados à transição energética e à preparação para a COP30.

Entre eles, o desenvolvimento de novos energéticos sustentáveis, como hidrogênio e biocombustíveis, que, na avaliação de Lenain, seriam capazes de garantir maior resiliência a países dependentes de combustíveis fósseis, em especial diante de conflitos bélicos, como no Oriente Médio, que trazem insegurança na cadeia de fornecimento. 

“Parte dos conflitos está ligada à rivalidade no acesso a combustíveis fósseis.  E o desenvolvimento de novas fontes de energia, além de ser bom para o meio ambiente, também trará mais paz e estabilidade ao mundo. Portanto, é uma proposta muito boa por esse motivo”, avalia Lenain. 

Segundo ele,a parceria entre os dois países ganhou força com a visita do presidente Luiz Inácio Lula da Silva a Paris, no mês passado. “Houve um forte impulso à descarbonização entre os dois países”, pontua.

Entre os acordos anunciados, destaca-se a declaração para implementação de um corredor marítimo verde entre os países, com uso de combustíveis sustentáveis para navegação. 

A ideia, segundo o embaixador, é colaborar na adaptação de terminais portuários e investir na construção de navios movidos por combustíveis renováveis, além de avançar em infraestrutura para abastecimento.

“[A declaração] trata do desenvolvimento de rotas entre os dois países usando embarcações movidas a biocombustíveis. Isso significa adaptar os terminais, desenvolver tanques para combustíveis perto do portos e, obviamente, construir esses navios. Isso é muito importante”, afirmou Lenain.

Também foi firmada uma declaração sobre hidrogênio verde, com metas de cooperação técnica e parcerias econômicas.

“Houve uma declaração marcante sobre hidrogênio, como cooperar, como unir nossas capacidades de pesquisa, como promover parcerias industriais entre nossas empresas e como implementar a certificação do hidrogênio verde, que é muito importante”, diz o embaixador.

No campo dos minerais críticos — matérias-primas essenciais para tecnologias como baterias e turbinas eólicas — França e Brasil assinaram um acordo entre o Serviço Geológico do Brasil (SGB) e o BRGM (Bureau de Recherches Géologiques et Minières). 

O objetivo é mapear reservas brasileiras ainda pouco conhecidas e cooperar no desenvolvimento de cadeias produtivas. 

“A  França tem menos recursos [minerais], mas possui tecnologia muito boa. Ficaríamos felizes em cooperar. É realmente uma parceria que pode beneficiar muito os dois países”, destaca Lenain.

“Um dos grandes desafios, como ouvimos de suas autoridades, não é apenas extrair os recursos, mas transformá-los no território brasileiro”, completa.

Parcerias em combustíveis sustentáveis

Lenain ressalta ainda a relevância dos biocombustíveis na agenda comum, incluindo  combustíveis sustentáveis de aviação (SAF) e marítimo. 

“Temos muitas empresas francesas aqui no Brasil oferecendo serviços, engenharia, para desenvolver esses biocombustíveis. Sabemos que a capacidade de produzir biocombustíveis é enorme no Brasil, e temos boas tecnologias. Então, é uma das áreas com um potencial de parceria muito relevante”.

Angra 3 e SMRs

No campo da energia nuclear — responsável por mais de 80% da geração elétrica da França — o embaixador  também vê espaço para colaboração, desde que o Brasil decida pela conclusão da construção da usina de Angra 3.

“É uma grande vantagem. Temos a energia mais limpa da Europa e não somos dependentes da Rússia ou de qualquer outro país. Estaríamos prontos para compartilhar isso com o Brasil”, disse Lenain, citando a longa parceria entre a francesa EDF e a estatal brasileira Eletronuclear.

“Acreditamos que há espaço no futuro para cooperação. Dependerá da decisão do governo brasileiro. Se o governo decidir continuar as obras de Angra 3, ou se decidir entrar na construção de pequenos reatores nucleares (SMRs)”. 

Liderança climática do Sul Global e Fundo para florestas

A França vê o Brasil em posição estratégica para liderar a agenda climática global nos próximos anos, especialmente como representante do Sul Global.

“O Brasil está em uma posição única para dar mais energia à diplomacia climática, graças à sua posição como grande país do Sul, mas capaz de construir pontes com o Norte”, afirma o embaixador.

Ele espera que o país impulsione uma “coalizão global” para acelerar a transição energética e alcançar os objetivos de triplicar a capacidade global de energias renováveis, melhorar a eficiência energética e eliminar o uso de combustíveis fósseis. 

Lenain também ressalta a importância de combater o desmatamento. 

“Esperamos que o Brasil continue dando o exemplo no combate ao desmatamento, que é fundamental. A Europa vai anunciar uma NDC (Contribuição Nacionalmente Determinada) bastante ambiciosa. E queremos trabalhar juntos, especialmente na proteção das florestas”.

Segundo ele, a França saúda a proposta brasileira na COP30 para criação de um fundo de proteção às florestas tropicais, chamado de The Tropical Forest Forever Facility (TFFF). “Estaremos trabalhando com o Brasil juntos para aprimorar essa agenda”.

Financiamento climático e setor privado

Outro desafio para a COP30 é a criação de uma estratégia para alcançar a meta de US$ 1,3 trilhão de financiamento climático com recursos de países ricos para nações em desenvolvimento, estipulada na COP29, em Baku, Azerbaijão. 

O embaixador afirma que a França já cumpria sua parte nos compromissos de financiamento climático, tendo aportado 7,2 bilhões de euros (US$ 8,4bi) em 2023, considerando o objetivo anterior de disponibilizar US$ 100 bilhões globalmente. 

“Mas novas metas foram definidas, especialmente em Baku, e isso exigirá um esforço ainda maior”, reconhece.

“Vamos trabalhar com a presidência brasileira da COP30 para usar todos os instrumentos à nossa disposição para garantir esse financiamento. Isso significa, primeiro, trabalhar na arquitetura financeira internacional para que mais recursos possam ser mobilizados e beneficiar esses países em desenvolvimento”, completa. 

Para ele, o desafio também envolve a participação mais ativa do setor privado na busca por este financiamento. 

“Para a França, o desafio não se limita apenas a governos ‘ricos’ e países em desenvolvimento. Temos que construir uma coalizão global. Não é apenas governo com governo. E os recursos do setor privado são muitas vezes muito mais poderosos”. 

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