BRASÍLIA — Mesmo diante de um grande potencial, as usinas fotovoltaicas flutuantes caminham a passos lentos no Brasil, com predomínio de projetos piloto de pequena capacidade, enquanto as iniciativas de grande porte estão longe de se tornar realidade.
Além das limitações regulatórias e de infraestrutura, a modalidade esbarra em questões financeiras.
Os reservatórios de hidrelétricas no Brasil têm potencial para abrigar uma capacidade de 24 gigawatts (GW) em geração solar, com a ocupação de apenas 1% dos espelhos d’água, segundo um estudo da consultoria PSR.
A instalação desses empreendimentos em reservatórios elimina custos com a aquisição de terrenos. Além disso, aproveita a infraestrutura existente, como as subestações que já recebem a energia gerada nas hidrelétricas.
“Na maior parte do tempo as hidrelétricas não estão na potência máxima, mas sim abaixo disso. Então, é possível aproveitar uma infraestrutura que foi construída para as hidrelétricas e injetar mais energia dentro da rede com a solar flutuante”, diz o diretor executivo da PSR, Rafael Kelman.
A seguir, a agência eixos se debruça sobre o tema para buscar entender as dificuldades para os projetos no Brasil:
Por que as solares flutuantes são interessantes?
Apesar da falta de incentivos, há benefícios na adoção das usinas flutuantes.
É, sobretudo, uma forma de modernizar as hidrelétricas do Sistema Interligado Nacional (SIN).
Kelman lembra que as usinas brasileiras têm uma idade média de 50 anos, o que já cria dificuldades na operação.
“Estatisticamente, esses empreendimentos estão produzindo menos. Não é só porque tem chovido menos. É como um carro velho que está lá há 30 anos e não entrega a mesma potência de quando era novo. Faltam incentivos para modernização e começa a ter uma redução da produção sistêmica”, explica.
Segundo ele, a solar flutuante injeta na mesma subestação da hidrelétrica, que está com ociosidade e ajuda a compensar as perdas.
Além disso, nos casos em que as placas solares conseguem ocupar uma grande área do reservatório, a evaporação diminui, o que favorece a conservação da água.
Quanto custa instalar uma solar flutuante?
Os projetos de geração solar fotovoltaica na água têm custos adicionais em relação aos terrestres, devido à necessidade de equipamentos diferentes, como flutuadores.
Em contrapartida, há ganhos operacionais, por conta da menor temperatura nas placas solares, o que cria melhores condições para a operação.
Um mapeamento da Empresa de Pesquisa Energética (EPE) apontou que usinas solares implantadas em terra são a fonte com a instalação mais barata no país, com investimento estimado entre R$ 3 mil e R$ 6 mil por quilowatt (kW). Para projetos flutuantes, essa a conta fica entre R$ 4 mil a R$ 8,5 mil por kW.
Mesmo assim, as solares instaladas sobre a água levam vantagem em relação a outras fontes. Como comparação, o investimento necessário para instalar um projeto eólico offshore no Brasil vai variar entre R$ 10,5 mil e R$ 25 mil por kW, segundo a EPE.
Quais são os projetos em operação no Brasil?
Operada pela Comerc e pela KWP, a maior usina solar flutuante do Brasil é a UFF Araucária, instalada na represa Billings, em São Paulo.
Em agosto de 2024, foi inaugurada a primeira etapa do empreendimento, com 5 MW, mas a intenção é expandir o empreendimento e chegar aos 80 MW.
A primeira fase do projeto foi inaugurada com 100% da energia contratada, sendo 4 MW para as agências do banco Santander.
O maior projeto do Brasil, portanto, está numa represa utilizada na gestão de recursos hídricos, não em uma hidrelétrica.
Apesar disso, Associação Brasileira de Energia Solar Fotovoltaica (Absolar) aponta que a iniciativa na represa Billings foi importante para a maturidade e o ganho de escala das solares flutuantes no Brasil.
De acordo com a diretora técnico-regulatória da Absolar, Talita Porto, a expectativa é de novos empreendimentos surgir nos próximos anos.
“A partir desses primeiros projetos que foram implementados, nós temos conversado com os agentes e a cadeia de suprimentos está muito mais forte. Justamente porque esses primeiros projetos foram como se fosse um divisor de águas para poder preparar a cadeia de suprimentos para um atendimento mais forte”, disse.
Há casos de sucesso na integração com as hidrelétricas?
No caso das hidrelétricas, um dos principais projetos está em construção em Itaipu Binacional (PR), com previsão de início da geração solar em setembro.
Com 1 MW de potência instalada, o empreendimento ocupará menos entre 7 mil e 10 mil metros quadrados, o que representa menos de 1% do reservatório da hidrelétrica.
A usina fotovoltaica será enquadrada como geração distribuída, com a produção destinada ao consumo das áreas administrativas da empresa.
“A gente encara como um projeto piloto. É uma usina pequena, bastante inferior aos 14 GW da hidrelétrica. É mais para entender esse processo, as aquisições, a instalação desse sistema e, se houver, os eventuais impactos ambientais, de qualidade de água, da vida dos animais em volta da unidade”, afirma o superintendente de Energias Renováveis de Itaipu Binacional, Rogério Meneghetti.
Ou seja, pelo menos inicialmente não haverá integração com a produção hidráulica. Para tanto, a questão precisaria ser tratada em uma eventual discussão em torno do Anexo C de Itaipu, que trata da comercialização de energia.
Ainda que as possibilidades estejam distantes, Meneghetti entende que a integração entre as fontes hidráulica e solar poderiam gerar vantagens.
“Seria interessante ter uma usina solar para modularizar a produção de potência hidrelétrica. Economizamos a água meio-dia, quando o solar está gerando alto, e eu compenso em horários quando não tem o solar. Então, pensando numa usina híbrida, que combina dois tipos de geração, é interessante pra você ter uma geração final mais regular, mais constante ao longo do dia”, diz.
Outra grande usina brasileira, Belo Monte (PA) também instalou uma usina solar fotovoltaica flutuante de 1 MW.
Sem a intenção de operação comercial, o sistema off grid é uma ação socioambiental da Norte Energia, controladora de Belo Monte. O projeto é destinado a atender comunidades indígenas e ribeirinhas e foi enquadrado como uma iniciativa de pesquisa e desenvolvimento.
Em 2019, a hidrelétrica de Sobradinho, na Bahia, inaugurou uma planta flutuante também de 1 MW, mas com a intenção de expansão para chegar a 4 MW.
O empreendimento foi apresentado como uma forma de aproveitar o potencial de geração de energia do sistema de transposição do rio São Francisco. O custo, no entanto, foi uma das principais questões levantadas sobre o projeto na época.
Sobradinho é uma usina controlada pela Eletrobras. Consultada, a empresa preferiu não se manifestar sobre projetos de usinas solares flutuantes.
Outras iniciativas da companhia nesse segmento foram alvo de controvérsias.
Em outubro de 2024, a Superintendência-Geral do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) anunciou que analisaria a formação de joint-venture entre a Eletrobras e suas subsidiárias (Chesf, Eletrosul e Eletronorte) e a Gosolar, em projetos de geração distribuída (GD).
A parceria envolvia a implantação de solares flutuantes nos reservatórios do complexo hidrelétrico Anta/Simplício, na divisa dos estados de Minas Gerais e Rio de Janeiro, e na usina de Paulo Afonso, Bahia.
Ainda existem barreiras regulatórias?
Até o momento, as grandes usinas hidrelétricas testaram a tecnologia apenas na modalidade de geração distribuída (GD), na qual a energia gerada é consumida pelo próprio projeto.
A PSR, no entanto, aponta que o potencial é de uma escala muito maior, mas há desafios para a contabilização da energia gerada.
“Um dos gargalos é conseguir fazer com que a empresa hidrelétrica consiga ter uma energia solar flutuante contabilizada como se fosse produção hidrelétrica”, afirma o diretor-executivo da PSR.
Kelman explica que existem vedações para integração das duas fontes.
“Teria que ter um relógio para solar flutuante, diferente do relógio para hidrelétrica, e não pode misturar os elétrons”, diz.
“A gente acha que isso poderia ser flexibilizado, porque é o mesmo operador que está usando aquela subestação e estaria fazendo uso de um recurso que pode ser bom até para compensar a redução da produção da hidrelétrica, que tem acontecido nos últimos tempos”, acrescenta.
As usinas hidrelétricas e fotovoltaicas podem ser enquadradas como projetos híbridos ou associados. Hoje, no Brasil, a maior parte dos empreendimentos nessa modalidade estão ligados à geração fotovoltaica terrestre combinada à geração eólica.
“A legislação e regulação atuais, embora não tratem especificamente da hipótese, são aplicáveis e projetos já foram construídos nesse modelo. Alterações legais ou regulatórias poderão se tornar necessárias conforme surjam situações novas, mas atualmente bastam para a construção e operação das UFVs flutuantes”, diz João Pedro Assis, do escritório Lobo de Rizzo Advogados.
Assis lembra que as licenças ambientais podem ser mais complexas, o que pode se tornar um ponto de atenção para os empreendedores. Para o especialista, é necessário analisar a viabilidade operacional e comercial envolvidas, para que os empreendimentos sejam viáveis.
O que falta para as flutuantes deslancharem no Brasil?
Na visão de Kelman, a falta de interesse dos empreendedores tem relação com o mecanismo de realocação de energia (MRE), que atua como um compensador financeiro entre as hidrelétricas.
O mecanismo prevê que quando uma hidrelétrica gera menos energia do que a garantia física outras usinas cobrem esse déficit. Na prática, desincentiva o aumento da geração em projetos existentes.
O diretor-executivo da PSR entende que as hidrelétricas não têm motivação para buscar a eficiência adicional que as solares poderiam trazer, com uma geração uniforme durante o dia. Por consequência, as flutuantes deixam de ser atrativas.
“A hidrelétrica tem menos incentivo de buscar maior eficiência. Isso vale tanto para a modernização das suas instalações ou recapacitação, como também vale para a instalação de uma solar flutuante no seu reservatório, porque essa energia adicional vai ser dividida com todos os participantes do MRE”, diz.
Além disso, os projetos mais viáveis são aqueles próximos aos centros de consumo, para evitar dificuldades no acesso à infraestrutura de transmissão e distribuição.
Por conta de restrições nas redes, usinas eólicas e solares localizadas no Nordeste estão sofrendo cortes de geração, o chamado curtailment.
Esse cenário restringe as hidrelétricas aptas a se beneficiar da integração com as solares a apenas aquelas usinas perto de grandes capitais e já com boa disponibilidade de linhas de transmissão.
Há ainda necessidade de estudos para apurar se a instalação das placas fotovoltaicas nos espelhos d’água afetam fauna e flora dos reservatórios e geram impactos ambientais negativos.