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Entenda os impactos das novas regras de classificação de gasodutos sobre o biometano

Agentes temem que regulamentação da ANP  aumente a complexidade regulatória do mandato do Combustível do Futuro

Diretora da ANP, Mariana Cavadinha, lê seu voto na reunião de diretoria de 27/3/2025 (Foto: Transmissão)
Diretora da ANP, Mariana Cavadinha, lê seu voto na reunião de diretoria de 27/3/2025 . Ela é relatora da maioria dos itens da agenda do gás (Foto: Transmissão)

PIPELINE. Setor de biometano teme que regulamentação da ANP sobre os critérios para classificação dos gasodutos aumente a complexidade regulatória do mandato do Combustível do Futuro. E debate entre limites e invasões de competência entre regulações federal e estaduais volta à tona.

MME acena para leilão de gás da União este ano. Brasduto de volta, dessa vez na MP do setor elétrico. Argentina defende protagonismo privado nas discussões sobre integração do mercado do Cone Sul e mais. Confira:


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Os critérios técnicos para classificação dos gasodutos de transporte, recém-propostos pela Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), levantaram dúvidas e preocupações no mercado de biometano.

Agentes do setor temem que a nova regulamentação traga uma complexidade adicional à já desafiante agenda regulatória do mandato do biometano – previsto para começar em 2026 por força da lei do Combustível do Futuro

  • Uma das entregas prioritárias da ANP para este ano, a definição dos critérios para definição de gasodutos de transporte (uma pendência da Lei do Gás de 2021) está em consulta pública até 21 de julho;
     
  • e previsão do regulador é que a resolução seja publicada em outubro – na reta final dos trabalhos de regulamentação do mandato.

E, embora a ANP se proponha a harmonizar os conflitos federativos na regulação do gás, fato é que o assunto é um vespeiro que promete reacender o debate sobre limites de competência com os estados.

E que põe uma interrogação sobre os planos de investimentos das distribuidoras de gás canalizado.

A seguir, a gas week traz uma primeira leitura sobre as novas regras propostas pela ANP e seus desdobramentos não só sobre o mercado de biometano, mas também sobre a indústria do gás natural como um todo. 

O trabalho reflete análises preliminares de agentes de diferentes elos da cadeia do gás e que, portanto, não são conclusivas. Mas  ajudam a dar um termômetro do debate.



A ANP está definindo as diretrizes, procedimentos e limites de diâmetropressão e extensão que devem nortear a classificação dos gasodutos de transporte pela agência.

Na prática, a discussão revela o perfil dos ativos que devem ficar sob a regulação federal.

A Lei do Gás de 2021 elenca os casos em que um gasoduto deve ser classificado como de transporte. Por exemplo: 

  • quando é destinado à importação ou exportação;
  • quando o gasoduto é interestadual;
  • e quando liga um outro gasoduto de transporte a fontes de suprimento como terminais de GNL, unidades de processamento ou instalação de estocagem subterrânea.

Mas e quando o gasoduto parte de uma dessas fontes de suprimento (reguladas pela ANP) e se conecta um gasoduto fora da regulação da agência (como distribuição)?

Para esses casos, a lei atribui à ANP a definição dos limites máximos de diâmetro, pressão e extensão que devem ser respeitados para que um ativo seja enquadrado como de transporte.

A agência decidiu traçar uma régua sobre esses limites, de acordo com a finalidade dos gasodutos.

O regulador sugere que a classificação seja estabelecida independente da extensão, a partir dos critérios de pressão e diâmetro.

  • biometano é a exceção: o regulador definiu que a pressão será o único critério válido na classificação e deve ser sempre quando igual ou superior a 36,5 kgf/cm² para ser enquadrado como de transporte.

Veja os demais casos na íntegra da minuta, em .pdf 


Definir se um gasoduto destinado à movimentação de biometano é de transporte baseado somente na pressão do duto pode dizer pouco.

Primeiro, vale situar que a capacidade de produção de uma planta de biometano não é determinante para a definição da pressão de seu gasoduto.

  • Usinas de pequeno porte podem ser conectadas à malha de transporte, com pressões maiores, a partir da instalação de compressores; 
  • e plantas de grande porte podem se ligar a dutos de baixa pressão.

Também vale mencionar que o universo de gasodutos de distribuição com pressão superior ao limite estipulado compõe uma parcela minoritária (abaixo dos 10%) da rede instalada pelas concessionárias estaduais no país.

Para as transportadoras, isso evidencia que os dutos de biometano tendem a ser classificados como ativos de transporte somente em alguns casos específicos – e não de forma generalizada.

As distribuidoras, representadas pela Abegás, no entanto, veem a proposta da ANP um risco de enrijecimento da dinâmica do mercado – justamente num momento em que o setor vive uma corrida de projetos para atender à nova política de incentivo já a partir de 2026.

“Estamos elevando o nível de incerteza sobre algo que é inovador [o mandato]”, comenta o diretor Econômico e Regulatório da associação, Marcos Lopomo

“A dinâmica de uma distribuidora nunca será alcançada pelo processo, pela rigidez que o transporte possui hoje”, complementou, em referência à velocidade de crescimento da rede de distribuição no país, vis à vis a estagnação da expansão da malha de transporte na última década.

A consultora Leidiane Mariani, diretora-executiva da Amplum Biogás, pontua, por sua vez, que independente do mérito da proposta da ANP, a discussão amplia a complexidade regulatória para projetos de biometano. 

“Estamos tornando o processo mais complexo. A infraestrutura dutoviária é muito importante para o biometano e, quanto menos risco e custo regulatório, mais chance de o biometano se viabilizar”

Aqui vai um exemplo para ilustrar o tamanho dessa complexidade:

  • Uma planta de biometano está situada relativamente próxima da malha de uma distribuidora estadual. 
  • A tubulação mais próxima permite injetar nessa rede em baixa pressão, mas por restrições técnicas (o duto foi construído com diâmetro baixo, em outro contexto, para atender a demanda residencial de uma região), esse ramal não suportaria movimentar toda a produção esperada.
  • Optou-se, então, por se conectar a planta de biometano a um ponto da rede da mesma concessionária, um pouco mais distante, que opera em alta tensão (dentro do alcance da regulamentação da ANP).

Ou seja, o que definiu a pressão do projeto em questão foi menos a capacidade de produção da planta e mais as características da malha de distribuição existente na proximidade. Por uma questão de eficiência

Para o produtor, estar conectado à malha de transporte tem seus benefícios: acesso a um universo mais amplo de clientes, o que lhe dá condições melhores de precificação.

Mas o pleito do setor de biometano, representado pela Abiogás, é que, via de regra, o modelo da conexão (se via transporte ou distribuição) deve ser aquele mais eficiente – que viabilize mais negócios com menos impacto sobre o produtor e consumidor.

Voltando ao exemplo:

  • Esse ramal, para conexão da planta à malha da distribuidora, em alta pressão, seria então classificado como de transporte?
     
  • Mesmo conectando a fonte de suprimento a uma rede que, a poucos metros da usina, já começa a abastecer clientes finais?
     
  • E se esse ramal já foi instalado? Será reclassificado pela ANP?  

São esses tipos de dúvidas que têm circulado no mercado.

Uma das diretrizes da minuta da ANP, para classificação de gasodutos, é o conceito da eficiência global das redes, visando prevalecer o interesse geral (ou seja, a promoção da segurança no abastecimento das redes de transporte de gás e do acesso não discriminatório às infraestruturas de transporte).

primeiro decreto que regulamenta a Lei do Gás, de 2021, abre espaço para flexibilizações: mesmo  atendidos os critérios técnicos de pressão, diâmetro e extensão, a ANP poderá excepcionalmente deixar de classificar um determinado gasoduto como de transporte, desde que, por exemplo, a influência do projeto esteja restrita exclusivamente ao interesse local.

O debate sobre interesse nacional versus local, que dá o tom das discussões prévias entre os agentes, segue um campo aberto.

A coordenação entre os sistemas de transporte e distribuição, aliás, pode ganhar com o planejamento integrado das infraestruturas de gás, nas mãos da Empresa de Pesquisa Energética (EPE).

A Abegás entende que a proposta da ANP eleva o risco de negócios para as distribuidoras – e que isso pode ter reflexos sobre a decisão de investimentos, por exemplo, em reforços de rede em gasodutos com pressão mais elevadas.

Concessionárias como Comgás (SP), Necta (SP) e ES Gás (ES) estão no meio de processos de revisão tarifária e apresentaram projetos para conexão de plantas de biometano. Só em São Paulo são 13 conexões.

Para o diretor técnico comercial da Abegás, Marcelo Mendonça, a regulamentação da ANP pode ter o efeito contrário de aumentar o grau de litígio no setor.

Ele questiona, em especial, o fato de a resolução proposta retroagir e poder contemplar projetos existentes e mexer, assim, no equilíbrio econômico das concessões.

  • O texto da ANP preserva a manutenção da classificação dos gasodutos de transporte que já tenham obtido autorização de construção ou autorização de operação outorgada pela agência somente até a data da publicação da Lei do Gás, em abril de 2021;

“E para as distribuidoras que já têm seus planos de investimento aprovados, qual a segurança jurídica para a realização desses investimentos?“, questiona Mendonça.

Entre os reguladores estaduais, houve um incômodo com o fato de a ANP ter pautado o assunto num momento em que o Ministério de Minas e Energia promove a tomada pública de contribuições sobre harmonização regulatória.

Um dos pontos levantados, na consulta, é justamente quais critérios devem ser considerados para enquadramento dos dutos como de responsabilidade da regulação federal ou estadual.

A nova resolução da ANP era prevista, inicialmente, para 2023, mas atrasou dois anos. O imbróglio sobre o gasoduto Subida da Serra, em certa medida, contaminou os trabalhos. 

Aqui entra o debate sobre limites e invasões de competência.

Um dos pontos mais sensíveis da regulamentação, na visão dos estados, é o artigo que orienta a ANP a, sempre que observar que o projeto de um novo gasoduto possua características técnicas conflitantes com os limites estabelecidos na nova resolução, abra processo administrativo análise da reclassificação do ativo como de transporte.

  • O texto também atribui à ANP a competência de, a qualquer momento, solicitar aos órgãos estaduais competentes, a apresentação de documentos e informações com a fundamentação técnica adotada na classificação de gasodutos com características técnicas conflitantes;
  • E possa participar de fiscalizações das instalações de distribuição realizadas pelos órgãos estaduais competentes, para constatação das informações apresentadas na fundamentação da classificação dos gasodutos realizadas pós-2021
  • Além disso, os limites fixados deverão ser considerados pelos agentes da indústria do gás, visando a harmonização e o aperfeiçoamento das normas, inclusive em relação à regulação do consumidor livre.

A Associação Brasileira de Agências Reguladoras (Abar) pretende abrir o diálogo com representantes da ANP nas próximas semanas, para esclarecer os pontos.

Uma das intenções da nova regulamentação da ANP é, justamente, tentar mitigar possíveis novos conflitos federativos.  

Subida da Serra, da Comgás, é o caso mais emblemático, mas não o único.

  • Regras de estados como Rio Grande do Norte Ceará para classificação de redes de distribuição beberam na fonte do marco de São Paulo e, na visão da ANP, entram em conflito com a Lei do Gás de 2021, federal.  

ANP reconhece que o tema é conflituoso. Na reunião de diretoria que aprovou a abertura da consulta pública sobre a classificação de gasodutos, no dia 29 de maio, o diretor Daniel Maia antecipou que a discussão pode levantar “efetivos conflitos” sobre a natureza de gasodutos e investimentos.

“Tenho certeza que vai ser um debate intenso. Acredito que, também, os novos agentes de mercado, incentivados pela Lei de Combustível do Futuro, por exemplo, produtores de biometano, vão se interessar bastante por esse tema”.

Na mesma ocasião, a diretora Symone Araújo negou que a ANP esteja adentrando nos limites de competência dos estados, com a proposta.

“Nós estamos regulando, especificamente, gasodutos de transporte”.

“No entanto, não se pode deixar de ressaltar que, sim, essa regulação tem reflexos importantes sobre as características técnicas e, sobretudo, o debate das funções [de eventuais gasodutos que possam ser caracterizados como de transporte do ponto de vista da ANP]”, comentou.

Entre os agentes do mercado, há uma percepção de que a ANP avança com uma importante pauta de sua atrasada agenda regulatória – mas que a resolução poderia ser mais abrangente.

Entre as transportadoras, a visão é de que caberia um aprofundamento sobre o conceito de “eficiência global das redes” – que deve ser observada na definição dos limites técnicos da classificação dos gasodutos.

Os consumidores industriais, representados pela Abrace, por sua vez, entendem que falta, na regulamentação proposta,  detalhar alguns pontos:

  • como a interconexão de dutos de distribuição que cruzam estados

A Lei do Gás prevê que gasodutos interestaduais são de transporte, mas que a interconexão de redes de distribuição poderão ter regras específicas.

Bahiagás (BA) e Copergás (PE), por exemplo, avaliam projetos conjuntos para levar gás a regiões fronteiriças e hoje não atendidas pela rede de distribuição entre Bahia e Pernambuco, no Sertão.

“A ANP poderia ter aproveitado a oportunidade para regulamentar isso de uma vez. O  decreto também cita, talvez seja o ponto mais sensível da discussão com distribuidoras, que ela pode deixar de classificar gasodutos de transporte se for considerar interesse local”

“Mas essa definição do que é interesse local e geral poderia ser mais clara, para evitar judicialização”, analisa o diretor de Gás da Abrace, Adrianno Lorenzon.


Gás para Empregar. O Ministério de Minas e Energia anunciou na quarta (11/6), em recado a lideranças do setor industrial, que trabalha numa nova resolução do Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) para colocar de pé o leilão de gás da União ainda este ano. 

  • A Empresa de Pesquisa Energética (EPE) estima ser possível que esse gás chegue abaixo dos US$ 7 o milhão de BTU. Menos da metade do preço do gás pago pelas indústrias, de US$ 16 o milhão de BTU.

Gás argentino. A integração Brasil-Argentina será construída a partir do protagonismo do setor privado, defendeu o subsecretário de Combustíveis do país vizinho, Federico Veller, em entrevista ao estúdio eixos durante o Midstream & Gas Day 2025, em Buenos Aires.

E mais:

  • A chegada do gás argentino, caso se mostre competitiva, pode abrir oportunidades para destravar novas demandas por gás no Brasil, avalia o diretor da Alvarez & Marsal, Rivaldo Moreira Neto;
  • Mas a molécula argentina terá que buscar o seu espaço num mercado aberto e concorrencial e que tem dificuldades de assumir contratos de longo prazo como desejam os investidores do país vizinho, disse a diretora-executiva de Gás Natural do IBP, Sylvie D’Apote;
  • E para que a integração Brasil-Argentina seja bem-sucedida, será preciso uma “coordenação regulatória” entre os países envolvidos, disse o vice-presidente Comercial da Tecpetrol, Leopoldo Macchia.

Brasduto de volta? Emendas à MP 1300/2025 (reforma do setor elétrico) propõem que o gás reinjetado seja considerado na produção total dos campos, para fins de cálculo dos royalties; e que a arrecadação adicional seja destinada a um fundo para financiar novos gasodutos de transporte.

Data centers. As distribuidoras, representadas pela Abegás, e seus acionistas privados saíram em defesa da inclusão do gás natural como combustível de transição na Taxonomia Sustentável Brasileira (TSB); e do uso do gás para geração de energia para os data centers em implementação no país.

Incentivo à indústria química. A Comissão de Indústria, Comércio e Serviços da Câmara dos Deputados aprovou o PL 892/2025, que institui o Presiq. O programa de sustentabilidade da indústria química traz novos estímulos ao setor, incluindo créditos para o uso de gás na produção de fertilizantes. Texto segue para a Comissão de Meio Ambiente.

Mandato do biometano. O resultado da chamada de propostas aberta pela Petrobras levantou dúvidas sobre a capacidade do mercado de atender o mandato inicial previsto na lei do Combustível do Futuro. A estatal defende, nesse sentido, que as metas de descarbonização da política sejam bem calibradas e que haja um regime transitório para o programa.

UTE Brasília. O TJ-DF suspendeu a outorga para uso da água do projeto da Termo Norte a gás natural. O Tribunal acolheu os argumentos de ação movida pelo Instituto Arayara e que apontou irregularidades nos atos administrativos da Agência Reguladora de Águas, Energia e Saneamento Básico do Distrito Federal (Adasa) que autorizaram o uso de recursos hídricos do Rio Melchior.

Contratos legados em debate: Separamos dois artigos de opinião sobre o processo de revisão tarifária das transportadoras de gás natural este ano:

  • O fim dos contratos legados pode não ser o Juízo Final, mas uma grande oportunidade para reescrever o futuro do setor de gás, com racionalidade econômica, justiça tarifária e visão de longo prazo, escreve Marcelo Menezes, o secretário executivo da Sedetec de Sergipe;
  • É difícil saber se o clamor por uma revisão tarifária antecipada ou pela extinção precoce dos contratos de transporte de gás guia-se por ignorância ou má-fé, escreve Mauricio Simões Lopes, gerente geral Institucional da NTS.

E tem também artigo sobre a harmonização regulatória:

Certamente, com a regulação equilibrada e integrada entre entes federais e estaduais, será possível o crescimento do mercado de gás em bases econômicas, escrevem Paulo Campos Fernandes e João Pedro Riff Goulart, advogados do escritório Kincaid Mendes Vianna.

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