Opinião

Infraestrutura de transporte de gás é um pilar estratégico para a segurança energética

Debates sobre LRCAP não podem ignorar os ganhos de escala da malha integrada; térmicas respondem por 40% da capacidade contratada e evitam disparada de custos, analisa Sébastien Lahouste

Sébastien Lahouste, diretor Presidente da Fluxys Brasil (Foto Divulgação)
Sébastien Lahouste, diretor Presidente da Fluxys Brasil (Foto Divulgação)

Ao acompanhar os debates sobre as regras do LRCAP para contratação de usinas termelétricas a gás natural, chama atenção como a visão de sistema energético integrado (elétrico e gás) nacional — que deveria ser o alicerce do planejamento — é frequentemente colocada em xeque.

Em vez de priorizarmos soluções fragmentadas ou localmente convenientes, é essencial reafirmar o compromisso com uma abordagem sistêmica, de longo prazo, que maximize a eficiência e a segurança do abastecimento em todo o país.

É evidente que pode haver exceções, como em alguns estados da região Norte, onde a malha de transporte nacional não está facilmente disponível, sendo a conexão hoje economicamente inviável.

Nesses casos, soluções localizadas podem fazer sentido conjunturalmente. No entanto, essas exceções não podem se tornar regra. O princípio básico deve ser garantir a segurança de suprimento nacional, com elétrons e moléculas ao menor custo sistêmico possível para o país.

Nesse contexto, a espinha dorsal do gás natural no Brasil — a malha de transporte composta por TBG, NTS e TAG — é um ativo estratégico.

Ela permite a ligação entre a oferta e demanda de gás, sendo determinante para a segurança de abastecimento, oferecendo também a flexibilidade 24/7 que o sistema elétrico precisa e proporcionando economia de escala para os consumidores downstream do gás natural transportado: indústria, distribuidoras, GNV, fertilizantes, entre outros.

Ressalta-se que o setor é intensivo em capital e amplamente regulado (pela ANP), onde a Receita Máxima Permitida é definida de forma adequada para os consumidores e transportadores, suficiente cobrir custos e investimentos sem excedentes indevidos.

Possíveis excedentes recebidos, como por exemplo receita de curto prazo, são controlados via Conta Regulatória para serem posteriormente devolvidos ao mercado. Nesse modelo, os custos e benefícios são compartilhados entre todos os usuários, como em um condomínio, favorecendo o acesso e promovendo a eficiência sistêmica.

Portanto, a economia de escala é um elemento central para esse modelo de negócio: o aumento da contratação de capacidade não eleva a rentabilidade do transportador, mas sim reduz a tarifa para todos os usuários, beneficiando o mercado como um todo.

Mesmo que uma térmica precise da infraestrutura por apenas 10 dias ao ano (ou 50 vezes/ano durante uma hora), sua participação é essencial, pois contribui para a viabilidade econômica do sistema integrado, aumentando a utilização dos ativos e colaborando para a redução das tarifas.

Diante disso, é imprescindível considerar o benefício social de longo prazo ao avaliar projetos isolados, iniciativas de bypass ou contratações oportunísticas de curto prazo por térmicas já conectadas.

Estão em estudo, entre outros pela ATGás, iniciativas para a criação de produtos específicos que considerem as particularidades do uso das térmicas, mas contemplando uma repartição tarifária adequada para não prejudicar os demais usuários do sistema.

Com uma visão de longo prazo, é estratégico e determinante que instituições como o Governo (federal), os reguladores Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) e Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) e a Empresa de Pesquisa Energética (EPE) atuem com firmeza na defesa da infraestrutura de transporte de gás natural — um pilar essencial para a segurança energética do país.

É fundamental evitar o bypass da malha nacional e garantir que as térmicas conectadas ao sistema de transporte contratem capacidade firme de longo prazo e que o valor resultante dessa contratação seja reconhecido na arquitetura do leilão.

Essa medida não apenas assegura a confiabilidade do sistema elétrico, como também preserva a viabilidade econômica da estrutura tarifária do transporte, mitigando uma desnecessária volatilidade tarifária, que impactara tanto os transportadores quanto os seus clientes.

Térmicas na malha de gás

Atualmente 40% da contratação da capacidade de transporte é proveniente dos contratos firmes com usinas termelétricas ligadas à malha de transporte.

Permitir uma lógica de contratação oportunista e de curtíssimo prazo — sem exigência de compromisso anual mínimo — pode até beneficiar financeiramente alguns agentes no curto prazo, mas teria como consequência direta um aumento de até 66% nas tarifas de transporte — 1/(1–40%) —, já que o denominador de cálculo da tarifa seria drasticamente reduzido.

Embora o transporte represente, em média, apenas 10% do custo final do gás (contra 66% da produção, escoamento e processamento, 10% da distribuição, e 14% de tributos), esse aumento impactaria diretamente os usuários cativos.

Tais consumidores são justamente o público-alvo do programa “Gás para Empregar”, que busca ampliar o acesso ao gás a preços mais competitivos. Ou seja, enfraquecer a malha de transporte vai na contramão dos objetivos do próprio governo.

O alerta que vem da Europa

A Europa nos oferece um alerta claro. Em fevereiro de 2022, com a invasão da Ucrânia pela Rússia, a infraestrutura existente foi o que permitiu manter o fornecimento de gás, com destaque para o papel da Fluxys na Bélgica.

Seu terminal de Zeebrugge — interligado à malha desde 1976 e assegurando segurança energética para o noroeste europeu — conseguiu entregar até 30% do consumo de gás da Alemanha, salvando indústria e mercado alemão de possíveis cortes. Isso reforça a importância de infraestruturas resilientes e interconectadas.

No Brasil, devemos acelerar a conexão de projetos de GNL ainda não conectados, como o de Porto do Açu. A integração e aproveitamento das infraestruturas existentes é essencial, inclusive para viabilizar a entrada de moléculas renováveis como o biometano.

Por fim, é verdade que infraestrutura sozinha não basta. É preciso garantir a competição e a disponibilidade da molécula (e dos elétrons para o sistema elétrico). Mas vale lembrar: sem infraestrutura de transporte, não há ambiente competitivo possível. E sem escala não há viabilidade de negócios.

O modelo de transporte é regulado, com receita máxima permitida e WACC definido, o que significa que quanto maior a base de usuários contratando capacidade, menor a tarifa média para todos.

Se cada agente busca otimizar apenas sua posição individual, sem regras claras de contratação firme e de longo prazo, o custo médio do sistema inevitavelmente sobe.

Modelos isolados — como térmicas conectadas diretamente a suas fontes de suprimento ou terminais ligados apenas à distribuição — podem parecer atrativos, mas prejudicam o ganho de escala do sistema compartilhado, exceto em casos realmente isolados.

O Brasil precisa de um sistema energético coeso, eficiente e resiliente. E isso começa com uma infraestrutura de transporte robusta, bem planejada e valorizada como ativo estratégico nacional.

Este artigo expressa exclusivamente a posição do autor e não necessariamente da instituição para a qual trabalha ou está vinculado.


Sébastien Lahouste é CEO da Fluxys Brasil, atua no setor midstream de gás (transporte, terminais de GNL, estocagem) há mais de 16 anos. Na Fluxys, é responsável pela gestão da participação na TBG e demais desenvolvimentos de negócio do grupo no Brasil. Ele é também membro do conselho de administração da TBG (Gasbol).

Inscreva-se em nossas newsletters

Fique bem-informado sobre energia todos os dias