Produtores de biocombustíveis, de diferentes setores do mercado, estão se mobilizando para colocar em pauta um marco legal para inserção dos chamados biocombustíveis avançados no mercado brasileiro.
O tema entrou de vez na agenda do setor esta semana com a definição do grupo de trabalho liderado pelo Ministério de Minas e Energia (MME) e que será responsável pela proposta de inserção do diesel verde no mercado.
O tema dividiu produtores, Petrobras e as áreas técnicas do governo federal – e agora deverá ser definido pelo Conselho Nacional de Política Energética (CNPE).
Paralelamente, associações, empresários e acadêmicos ligados ao setor de biocombustíveis tentam “sensibilizar” parlamentares para a importância do tema, em uma ação conjunta que pode resultar em novas propostas legislativas.
Se prosperar, uma mudança no marco legal do setor no Congresso Nacional retira do governo a liberdade para definir toda a regulação dos novos biocombustíveis, como o HVO e o bioQAV.
Bioquerosene de olho em 2027
Na quarta (25), representantes da União Brasileira do Biodiesel e Bioquerosene (Ubrabio) e da Rede Brasileira de Bioquerosene (RBQAV) foram recebidos pelo vice-presidente do Senado, Veneziano Vital do Rêgo (MDB/PB) e pelo deputado Enrico Misasi (PV/SP), que também é coordenador da Frente Parlamentar do Biodiesel.
O diretor do Departamento de Biocombustíveis do MME, Pietro Mendes, e o coordenador-geral de Estratégias e Negócios do MCTI, Rafael Menezes, participaram do encontro.
Os representantes do setor produtivo também foram recebidos pelo diretor da Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC), Rogério Benevides.
O objetivo é chegar a um projeto de lei para definir a inserção do biocombustível no mercado, de olho nas determinações do Corsia, acordo internacional do qual o Brasil é signatário e prevê abatimento de emissões no setor de aviação.
A principal medida é limitar as emissões, com uma regra de compra obrigatória de créditos de carbono, a partir de 2027. Isto é, os biocombustíveis serão um fator determinante de competitividade para o setor.
O Corsia foi a solução para definir metas climáticas para a aviação comercial internacional, setor que não foi incluído no Acordo de Paris, onde os objetivos são determinados pelos governos nacionais.
O que está em jogo?
- O principal é definir se o diesel renovável da Petrobras (ou outros supridores) poderá competir com o biodiesel no atendimento da mistura obrigatória. Essa política terá repercussão no mercado do ciclo diesel como um todo, com reflexo no biorrefino, diesel verde e bioQAV.
- O governo, via CNPE, pretende regular – tomar uma decisão de política energética infralegal, com repercussão nos ministérios e na ANP.
- O mercado produtor de biodiesel se articula para abrir as portas para um marco legal, via Congresso Nacional.
Como a produção de bioQAV é associada a de diesel verde, a intenção de produtores de biodiesel é tratar os assuntos em paralelo, de olho na obrigação de 2027.
“Tem que ter um prazo, previsibilidade. A articulação é para sensibilizar, porque não existe ainda nenhuma proposta. Tem várias frentes sendo trabalhadas”, explicou uma fonte que participou da reunião.
Para dar força ao projeto, uma ideia é trazer as empresas de aviação para apoiar uma proposta conjunta.
Sem uma lei específica, caberá ao MME e ao CNPE decidir sobre uma eventual política de consumo obrigatório de bioQAV na aviação comercial.
Em um evento virtual na segunda (22), o CEO do ECB Group, Erasmo Battistella, afirmou que 2021 será um ano crítico para os biocombustíveis avançados.
Ele defende que se o caminho escolhido for um mandato para o bioQAV, a obrigação deve começar em 2%, pelos aeroportos com voos internacionais, a partir de 2027.
E acredita que, com o marco adequado, o Brasil poderá ter sua primeira planta de bioquerosene de aviação para atender a esse mandato.
“O governo precisa criar as regras para criar o mercado. É assim no segmento de energia no Brasil e no mundo. Quando nós olhamos o mundo, nós temos duas formas de fazer: ou colocar uma obrigatoriedade de mistura em percentual ou volume, ou um bônus para esse biocombustível, que é rateado entre os consumidores”, completou.
Com investimentos em uma usina de HVO e bioQAV no Paraguai, o ECB fechou recentemente contratos de longo prazo com a BP e Shell para fornecimento de 4,5 bilhões de litros desses biocombustíveis.
A fábrica do Paraguai será voltada à exportação para Europa, EUA e Canadá. Esta semana, a empresa assinou a compra antecipada de 300 mil toneladas anuais de óleo de reflorestamento proveniente de árvores de Pongâmia, da empresa holandesa e paraguaia, Investancia. “O negócio é válido até 2055 e representa um significativo avanço na transição global para o transporte verde”, disse a empresa.
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Petrobras no biorrefino
O GT dá a largada para a definição de como o diesel verde e o diesel renovável (“diesel RX” ou HBIO) produzido pela Petrobras vão compor a mistura com o biodiesel no combustível fóssil.
O setor de biodiesel tem se movimentado para garantir que o diesel verde não entre no mandato da mistura obrigatória – hoje, a legislação brasileira garante um percentual mínimo do diesel seja substituído por biodiesel.
Esse percentual passará a 13% em 1º de março, com previsão de alcançar 15% em 2023. Esse cronograma de aumento do percentual, por sua vez, é definido pelo CNPE e há uma discussão antiga para garantir, em lei, a extensão até 20% (B20).
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Na semana passada, um grupo de 23 pesquisadores ligados ao mercado enviou uma carta aos ministros das pastas que compõem o grupo de trabalho, defendendo a diferenciação entre biodiesel, diesel verde e diesel coprocessado da Petrobras na definição da política para os novos biocombustíveis.
“Em relação ao diesel coprocessado, segundo nossa visão, este não cumpre os requisitos mínimos para enquadramento como biocombustível, visto que, trata-se de um produto de base majoritariamente fóssil”, diz a carta.
A Petrobras e o IBP, associação que representa petroleiras e grandes distribuidoras, vê na posição uma tentativa de reservar o mercado, privando o consumidor de uma alternativa de suprimento.
O Ministério de Minas e Energia (MME) publicou esta semana a portaria que define a composição do GT.
Será coordenado pelo diretor do Departamento de Biocombustíveis do MME, Pietro Mendes, e composto por representantes da Casa Civil, oito ministérios – Casa Civil; Economia; Meio Ambiente; Infraestrutura; Agricultura; Relações Exteriores; Ciência, Tecnologia e Inovações; e Desenvolvimento Regional.
Além da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), Empresa de Pesquisa Energética (EPE), Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE) e do Fórum Nacional de Secretários de Estado de Minas e Energia.
Consulta da ANP antecipou debate
Em setembro do ano passado, a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) realizou uma audiência pública para especificação do diesel verde que dividiu o mercado – e até mesmo o governo – entre os que consideram que o diesel verde pode ser classificado como biodiesel e os que defendem que são produtos diferentes.
A consulta, que a princípio deveria tratar da especificação técnica dos combustíveis, acabou antecipando o debate sobre a inserção dos combustíveis e serviu para dar transparência para as diferentes visões dentro do governo.
Ministérios da Agricultura e Economia, por exemplo, divergiram sobre a especificação do diesel verde.
Após a audiência – uma das mais longas da história da agência, o MME decidiu levar a questão ao CNPE.
“O CNPE, como órgão máximo de política pública energética do país e de assessoramento ao presidente da República, vai endereçar a política para todos esses biocombustíveis do ciclo diesel”, explicou o secretário de Petróleo, Gás e Biocombustíveis, José Mauro, em evento transmitido pela epbr.
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