Desde outubro de 2020, as discussões a respeito do acesso à UPGN Guamaré tomaram um fôlego tão grande, que não nos demos conta de quantos passos inéditos e fundamentais foram tomados.
Em 02/02/21, a ANP disponibilizou a Nota Técnica Conjunta nº 2/21 – ou NT 2 21 – assinada por representantes da Superintendência de Infraestrutura e Movimentação (SIM), Superintendência de Produção de Combustíveis (SPC) e pelo Núcleo de Fiscalização da Medição da produção de Petróleo e Gás Natural (NFP) – e com ela veio a certeza: o assunto evoluiu e, finalmente, estamos mais próximos do novo para o mercado de gás natural no Brasil, caracterizado por mais concorrência, mais transparência, menos verticalização e mais dinamismo.
Com isso, olhando para trás, é possível perceber grandes conquistas nos últimos 4 meses na direção da garantia do acesso a terceiros às infraestruturas essenciais, não apenas de Guamaré, mas de todas as estruturas que, a partir desse caso, serão positivamente impactadas pelos avanços alcançados no Rio Grande do Norte.
Obviamente, o assunto do acesso à infraestrutura não é novo na ANP – há importantes trabalhos disponibilizados nos seu site que corroboram que sempre houve a preocupação de garantir que não houvesse gargalos em pontos fundamentais na cadeia de gás natural.
Mas agora não apenas a ANP, mas há todo um contexto nacional (TCC celebrado entre a Petrobras e o CADE, desinvestimento da Petrobras no País e, em especial no Rio Grande do Norte, Novo Mercado do Gás, apoio do MME, CADE, etc) e internacional que contribuiu para que chegasse o dia de comemorar uma nota técnica que esclarece, de forma objetiva, a inexistência de impedimento para o acesso de terceiros à UPGN Guamaré.
Em primeiro lugar, a NT 2/21 resume o esforço que foi feito – em conjunto com a Petrobras –para ajustar os pontos de medição, de modo a garantir o acesso de múltiplos operadores. Explica-se: como até então a Petrobras era (e ainda é) a proprietária da UPGN e do gás natural que seria processado ali, as medições estavam adequadas a essa realidade. Receber gás de outros agentes requer ajustes e isso deveria ser equacionado.
De início, as adequações pareciam mais complexas, o que, consequentemente, demandaria mais tempo para serem implementadas. Mas, com o trabalho conjunto que envolveu grande parte dos agentes interessados, foi desenhada uma “solução simplificada” em prol da eficiência e da celeridade, de modo a garantir o “interesse maior” que é o acesso à infraestrutura e, com isso, o fluxo do gás no Estado. Por oportuno, transcrevemos conclusão sobre o tema importante extraída da NT 2/21:
6.6. Da análise é possível concluir que nenhum dos atuais sistemas de medição deve constituir impeditivo para o compartilhamento das instalações tendo em vista que os sistemas atuais já podem ser utilizados sem comprometer a operação, enquanto as adequações necessárias nos sistemas de medição são realizadas em prazo negociado com a ANP.
Em segundo lugar, a NT 2/21 esclareceu que as normas tributárias vigentes não representam empecilhos para a contratação de capacidade de transporte por intermédio do modelo de entrada e saída, considerando as premissas contidas no Ajustes Sinief 03/18 e 17/19.
Lembrando que o Ajuste SINIEF nº 3/18 foi o primeiro passo importante para o desenvolvimento do novo modelo do setor de gás natural, ao conceder tratamento diferenciado às operações de circulação e prestações de serviço de transporte de gás natural por meio de gasoduto, separando o fluxo físico do contratual – ou seja, permitindo desvincular o gás que é injetado daquele que é retirado. E o Ajuste SINIEF nº 17/19 regulamentou o modelo de entrada e saída.
Sobre o tema, diz a NT 2 21:
4.8. Não há, portanto, óbice para que os titulares do gás processado possam contratar capacidade nos pontos de entrada (recebimento) de Guamaré I e II junto à Transportadora Associada de Gás S.A. (TAG). Além disso, uma vez o gás ingresso no sistema de transporte este pode ser entregue em quaisquer pontos de entrega situados no Rio Grande do Norte, ou quaisquer pontos da malha de transporte operada pela TAG.
Em terceiro lugar, a NT 2/21 solucionou o problema de acesso à UPGN pelos agentes produtores, ao afastar a incidência da limitação contida no § 2º do art. 22 da Resolução ANP nº 17/10 (que dispõe que “somente poderá contratar serviço de processamento de gás natural outro agente autorizado, central de matéria-prima petroquímica ou um importador de petróleo e derivados ou gás natural com atividades autorizadas pela ANP”, ou seja, não possibilita que o produtor solicite o acesso à UPGN) e indicar que, em razão da importância e relevância do tema e com base no art. 32 da Resolução ANP nº 17/10, a solicitação poderia ser realizada diretamente por meio de encaminhamento do contrato celebrado entre as partes para deliberação da Diretoria da ANP.
Soluções simples para problemas complexos. A ANP conseguiu regular, em tempo razoável, com eficiência e nos limites de sua competência, um assunto de imensa importância, não apenas para o RN. E a NT representa o seu esforço para a criação de um mercado de gás natural realmente competitivo.
Obviamente não basta a NT 2/21. O assunto deverá ser encaminhado ao CADE para desdobramentos importantes em relação à concorrência.
Ademais, ainda resta conhecer e discutir a metodologia de preço para o acesso à UPGN, porque, como é do conhecimento de todos, preço alto impede o acesso tanto quanto limitações tributárias, regulatórias ou técnicas.
Neste sentido, ainda há um caminho importante a ser percorrido no sentido de assegurar transparência em relação à metodologia de preços para acesso às UPGN. Heloisa Borges, da EPE, e Fernanda Delgado, da FGV, recentemente abordaram a importância da transparência, no artigo “Supervisão e Transparência: Lições da experiência norte-americana para o setor de gás natural brasileiro”, usando o mercado de gás norte-americano como modelo.
Segundo as autoras, “o acesso aberto aos gasodutos resultou em um setor de comercialização muito forte, com transações em vários pontos entre vários players. Este acesso, entretanto, depende de regras claras e mecanismos de transparência de preços para ser, de fato, efetivo na construção de um mercado competitivo.”[1].
É fundamental, pois, que tal agenda seja equacionada proximamente, não apenas para garantir o acesso à UPN Guamaré, mas também para sinalizar positivamente para novos investimentos no setor. Inclusive, diante do plano de desinvestimento da Petrobras no País, resta evidente que outras empresas passarão a ser proprietárias de infraestruturas que deverão assegurar acesso à terceiros, o que reforça a necessidade de definições e conceitos claros e objetivos, garantido segurança para todas as partes envolvidas. A NT 2 21 é o novo, um passo fundamental para o Novo Mercado de Gás no Brasil.
Daniela Santos é advogada, mestre pela PUC-Rio e sócia fundadora da SG Advogados. Larissa Dantas é diretora-presidente da Potigás, distribuidora do Rio Grande do Norte.
[1] https://eixos.com.br/supervisao-e-transparencia-licoes-da-experiencia-norte-americana-para-o-setor-de-gas-natural-brasileiro/
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