RIO – O secretário de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis do Ministério de Minas e Energia (MME), Pietro Mendes, afirmou nesta quarta-feira (21) que a adoção do CGOB como único instrumento para comprovar a meta de descarbonização do novo programa de incentivo ao biometano, criado pelo Combustível do Futuro, foi o caminho encontrado para assegurar o início do mandato já em 2026, conforme previsto na lei.
Essa foi uma das decisões tomadas pelo MME na proposta de regulamentação do programa. A minuta do decreto (na íntegra) foi apresentada ao mercado na semana passada e debatida nesta quarta (21/5) em audiência pública.
Mendes reconheceu que este é o início do debate com o mercado e outras instâncias do governo e que o texto está sujeito a ajustes. Mas pregou senso de urgência para que a regulamentação seja concluída a tempo de colocar o programa em operação ano que vem e mitigar impactos no preço do gás natural – uma das condições previstas na lei.
“Nada do que está hoje na minuta necessariamente permanecerá dessa forma. Então a nossa ideia realmente é ouvir e fazer os aperfeiçoamentos necessários”, disse.
A lei prevê que a meta também pode ser cumprida a partir da compra de molécula de biometano, mas, segundo o secretário, isso traria uma complexidade ao novo mandato, além de uma preocupação com a dupla contagem – isto é, o risco da descarbonização ser computada mais de uma vez pela mesma molécula.
“Isso geraria uma dificuldade muito grande de colocar o programa rodando no ano que vem, porque é um sistema totalmente diferente que teria que ser desenvolvido”, explicou.
O secretário reconheceu que o texto ainda precisa ser aprimorado e indicou que novos elementos levados à pasta no período de consulta pública já estão sendo considerados.
O que diz a lei do Combustível do Futuro
O mandato do biometano, introduzido pelo Combustível do Futuro (saiba os principais pontos da lei), não é volumétrico – como ocorre, por exemplo, com a adição obrigatória do biodiesel no diesel.
É uma meta de descarbonização: o Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) definirá uma meta volumétrica anual de aquisição ou uso de biometano, com base na equivalência entre o gás renovável e a emissão de carbono.
Cada produtor ou importador de gás (parte obrigada) terá uma meta anual – que poderá ser atingida também pela aposentadoria (retirada do crédito de circulação) dos certificados de origem, o CGOB
A lei do Combustível do Futuro diz que a aposentadoria do CGOB é facultativa ao produtor e importador de gás natural, que poderá comercializar o certificado livremente até sua aposentadoria (com a condição de que ele seja usado para fins de cumprimento do mandato do biometano uma única vez).
Agentes pedem mais liberdade
Mendes defende que o decreto está sendo desenhado para estimular o mercado voluntário.
Este é um ponto de conflito com parte dos agentes do setor de gás. A proposta do MME gerou críticas por parte dos consumidores industriais, os potenciais compradores dos certificados.
Entidades como o IBP (produtores), que representa a parte obrigada do mandato, além da Abrace (consumidores industriais) e Abegás (distribuidoras de gás) são contra a obrigatoriedade prevista no decreto.
Pelos termos da minuta do decreto, o produtor/importador de gás natural terá de, obrigatoriamente, aposentar os CGOBs – isto é, retirar de circulação uma quantidade de créditos equivalente às suas metas anuais – para comprovar sua meta de descarbonização.
A proposta do MME vai na contramão da expectativa inicial de que os produtores de gás pudessem revender esses papéis, por exemplo, para os consumidores industriais interessados no atributo ambiental do biometano.
Os produtores podem ter na venda do CGOB, nesse sentido, uma fonte de receita adicional – o que, na visão dos agentes, poderia ajudar a mitigar o impacto do mandato sobre o preço do gás natural.
O IBP alega que há produtores de gás para os quais a aposentadoria do certificado não faz sentido dentro de suas operações.
E propõe que os CGOBs sejam compostos de um código duplo que permita a comercialização do atributo ambiental (que atesta a renovabilidade do insumo) em separado da função regulatória do certificado (a de comprovação da meta de redução de emissões efetivamente ocorrida com a aquisição daquela molécula certificada).
“Isso dá a possibilidade de o produtor aposentar um e não os dois [códigos]. Pode aposentar os dois ou um deles e vender o atributo ambiental”
“Pode criar um mercado para agentes que, de fato, querem e precisam do atributo ambiental. Consumidores industriais que, de fato, têm nas suas estratégias de descarbonização a compra do biometano. O produtor que não tem vontade nem possibilidade de usar no próprio processo pode revender para o industrial”, sugeriu a diretora de gás natural do IBP, Sylvie D’Apote.
Por outro lado, o modelo previsto na minuta de decreto evita concentrar no produtor de gás a comercialização desses certificados.
“A gente ficou receoso de acabar criando alguma limitação, uma dificuldade para o mercado voluntário, porque em alguma medida acabaríamos forçando a passar tudo pelo produtor de gás natural e limitaremos as comercializações diretas”, comentou Pietro.
O secretário também respondeu às críticas sobre a não obrigatoriedade de inclusão da intensidade de carbono nos certificados – o que, na visão de alguns agentes, como a Abrace, tira a credibilidade dos CGOBs. A opção, segundo Pietro, foi não engessar o modelo.
“A gente ainda vai ter a regulamentação do mercado de carbono. Então pode ser que uma determinada empresa que queira comprar esse biometano vai querer usar uma metodologia que seja reconhecida pelo mercado de carbono, que não necessariamente será a RenovaCalc [metodologia prevista no Renovabio]. Então dá uma liberdade. A grande função do certificado nesse aspecto é dar transparência”.
Agenda intensa de regulação
Na audiência pública, de mais de três horas de duração, em Brasília, Pietro Mendes respondeu parte das críticas levantadas por agentes do mercado sobre a regulamentação proposta – que recebeu mais de 800 contribuições, de 60 participantes. E disse que fazer política pública de transição energética é um desafio.
“Às vezes recebemos críticas por empilhar incentivos, mas sem empilhar incentivos não para de pé. Não dá para competir”, disse.
“É realmente muito difícil qualquer outra fonte ter competitividade se não tiver suporte de políticas públicas e acordos internacionais. Não decola, porque [a indústria de petróleo] já tem toda uma infra estabelecida, veículos já são adequados para rodar com diesel gasolina, já tem postos. É um desafio introduzir uma nova fonte de energia”, disse.
Após a edição do decreto, novas regras precisam ser editadas pela Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP). Para entrar em vigor, o mandato de biometano ainda depende de uma análise de impacto econômico e do crivo do Conselho Nacional de Política Energética (CNPE). Esse trabalho está sendo antecipado.
“O desenho do decreto, a gente tem que andar mais rápido para ter a modelagem. Até porque tem uma regulamentação extensa que a ANP tem que fazer”.