Combustível do Futuro

Decreto do biometano não valoriza mercado voluntário, diz Abrace

Minuta apresentada pelo MME levanta dúvidas sobre a liquidez dos CGOBs que poderão ser comprados pela indústria

Adrianno Lorenzon, diretor de gás natural da Abrace Energia, participa do painel Regulamentação do Gás para Empregar na gas week 2025 (Foto Claudio Braga/eixos)
Adrianno Lorenzon, diretor de gás natural da Abrace Energia, participa do painel Regulamentação do Gás para Empregar na gas week 2025 (Foto Claudio Braga/eixos)

RIO – A regulamentação do mandato do biometano, proposta pelo Ministério de Minas e Energia, não reconhece devidamente o mercado voluntário já existente do biocombustível. E reforça dúvidas sobre a liquidez dos certificados de garantia de origem (CGOB) que poderão ser comercializados, para fins de cumprimento de metas corporativas de descarbonização.

Essa é a leitura preliminar da Associação Brasileira dos Grandes Consumidores de Energia e Consumidores Livres (Abrace), que representa as indústrias – potenciais compradoras dos certificados e que temem os impactos do programa de incentivo ao biocombustível sobre o custo de aquisição do gás natural.

O mandato do biometano, introduzido pelo Combustível do Futuro (saiba os principais pontos da lei), não é volumétrico – como ocorre, por exemplo, com a adição obrigatória do biodiesel no diesel.

  • é uma meta de descarbonização: o Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) definirá uma meta volumétrica anual de aquisição ou uso de biometano, com base na equivalência entre o gás renovável e a emissão de carbono.
  • cada produtor ou importador de gás (parte obrigada) terá uma meta anual – que poderá ser atingida também pela aposentadoria de CGOB (retirada do crédito de circulação) 

A meta inicial é de 1% de descarbonização do suprimento nacional de gás natural a partir de 2026, o que ainda precisará passar pelo crivo do CNPE.

A minuta do decreto (na íntegra) apresentada pelo MME será objeto de audiência pública nesta quarta (21/5), em Brasília (DF).

Consumidores industrias questionam decreto

O diretor de gás natural da Abrace, Adrianno Lorenzon, destaca que a minuta do decreto regulamentador do mandato, nos termos apresentados, sugere que, para atingir as metas, o produtor de gás terá de, obrigatoriamente, aposentar os CGOBs – na contramão da expectativa inicial de que eles pudessem revender esses papéis, por exemplo, para os consumidores industriais 

“Isso engessa o cumprimento da meta, vira uma taxa cartorial. Vai repassar esse custo para o mercado de gás, comprovando nossa tese de que vai onerar mais o gás natural”.

  • A lei do Combustível do Futuro diz que a aposentadoria do CGOB é facultativa ao produtor e importador de gás natural, que poderá comercializar o certificado livremente até sua aposentadoria (com a condição de que ele seja usado para fins de cumprimento do mandato do biometano uma única vez).
  • A minuta do decreto regulamentador, por sua vez, diz que a “comprovação do atendimento da meta pelos agentes obrigados se dará pela aposentadoria dos CGOBS equivalentes à meta de biometano”, embora também admita a possibilidade de os certificados serem livremente transacionados no mercado secundário.

A preocupação é que, se os produtores forem obrigados a aposentar os certificados, para atingimento do mandato, não haverá estímulo para que o agente revenda os papéis.

Abrace vê problema de credibilidade nos certificados

A Abrace questiona outros pontos da regulamentação. 

  • a minuta diz que o CGOB poderá incluir, de forma voluntária, informação sobre a intensidade de carbono do biometano.

Segundo Lorenzon, sem a devida contabilização da intensidade de carbono no CGOB, o certificado perde credibilidade e não vai despertar o interesse da indústria.

“A lógica do programa era a descarbonização. Como está, a indústria não vai se interessar por esse CGOB.”

Ele também destaca que há riscos de que o mercado voluntário existente de biometano não seja devidamente reconhecido, para efeitos da definição do mandato.

  • a minuta prevê que será descontada da meta de descarbonização a estimativa de CGOBs aposentados pelos agentes do mercado voluntário.

Lorenzon cita que já existe um volume de biometano comercializado, hoje, bilateralmente entre agentes, mas sem a emissão de certificados e que, desconsiderar esse mercado existente pode afetar diretamente o cálculo de molécula/certificados disponíveis no mercado e, por consequência, a própria definição do mandato.

“A maior questão é com o biometano que está sendo comercializado diretamente, especialmente por caminhões, sem certificado, mas com atributo ambiental. Da forma que está sendo previsto no decreto ele não vai ser contabilizado”

Por outro lado, a proposta de regulamentação do mandato prevê a possibilidade de redução da meta por uso de biogás na geração de energia elétrica, por exemplo.

A Abrace defende que a Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), como órgão que autoriza a operação das plantas de biometano e tem acesso aos contratos de comercialização, assuma o papel de mapear os volumes movimentados hoje no mercado voluntário, para fins de abatimento da meta.

“Do que jeito que está o mercado voluntário tende a zero”, disse.

Durante a tramitação do Combustível do Futuro, no Congresso, a Abrace se posicionou de forma contrária ao mandato do biometano. A entidade alegava que o setor já estava se desenvolvendo por meio do mercado voluntário já existente e que, portanto, o mandato seria dispensável. 

Segundo Lorenzon, não está claro, hoje, o cenário de disponibilidade de molécula no mercado, para calibração do mandato.

O decreto diz que o mandato começará em 1% em 2026, caso haja disponibilidade de oferta de biometano

“Mas temos receio de como o CNPE vai conseguir mapear o volume, de fato, disponível, já que hoje [a capacidade instalada] está quase toda contratada”

“Disponibilidade não é produção, mas o biometano produzido e não contratado. Não existe essa avaliação hoje do biometano disponível, a maioria do volume já está contratado. E entendemos que todo o mercado voluntário seja considerado na apuração das metas de descarbonização. Da forma como está, entendemos que não necessariamente vamos conseguir mensurar esse mercado voluntário”

Lorenzon também vê fragilidades no mecanismo de controle da emissão dos CGOBs. A Abrace questiona, em especial, a regra que permite aos produtores de biometano emitirem os certificados com base no autoconsumo do gás renovável, desde que comprovada a substituição de outro energético na operação.

A entidade defende que o certificado só possa ser emitido uma vez lastreado na comercialização, comprovada por meio da apresentação de notas fiscais.

  • a minuta do decreto diz que o agente certificador deve atestar a origem da matéria-prima e os volumes produzidos e comercializados; e que cabe à ANP, periodicamente, fiscalizar o lastro para emissão dos certificados.

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