Componentes essenciais para tecnologias verdes e sustentáveis, os minerais críticos desempenham um papel central nas relações comerciais entre os países e no desenvolvimento das cadeias de valor. Neste contexto, a África do Sul e o Brasil são importantes atores nessa geopolítica da energia que, ao mesmo tempo que expõe, retoma desafios socioeconômicos dos países em desenvolvimento.
O assunto foi tema do evento Critical Minerals: Brazil-South Africa Dialogues for a Just Transition, que realizamos em parceria com a Embaixada Brasileira de Pretória, na África do Sul, no final de abril como parte da programação paralela da T20 Africa Conference.
As duas nações possuem recursos e potenciais significativos para se tornarem algumas das principais beneficiárias da emergente indústria de tecnologias limpas.
Os minerais críticos são ativos essenciais para a produção de tecnologias necessárias em hidrelétricas, painéis solares, turbinas eólicas, baterias e veículos elétricos – e grande parte desses recursos encontra-se no continente africano.
Portanto, não representam apenas ativos para as localidades que os possuem, mas são recursos essenciais para todo o planeta e o futuro da humanidade.
A África do Sul detém a maior reserva mundial de manganês e uma das maiores de crômio, minerais com aplicações importantes na transição energética — seja em certas químicas de baterias ou em ligas metálicas usadas na infraestrutura.
O Brasil, por sua vez, possui grandes reservas de grafite e níquel, empregados, respectivamente, nos ânodos e cátodos de baterias de íon-lítio. O país também possui manganês e reservas potenciais de terras raras, utilizadas em motores elétricos, turbinas e outras aplicações estratégicas, entre outros materiais.
O desafio para os países do Sul Global na conjuntura dos minerais críticos é garantir que, mesmo diante de um contexto histórico de relações econômicas desiguais de caráter extrativista e ascendência colonial, possam utilizar seus ativos estratégicos não só para escalonar o processo de transição energética global, como para promover mudanças estruturais em suas economias.
Para isso, é necessário que uma parte significativa do processamento desses minerais críticos seja realizada próxima de onde estão localizados, com o objetivo de que possam proporcionar benefícios adequados às comunidades locais e estimular seu desenvolvimento socioeconômico.
Como destacou Tracy Ledger, chefe de Pesquisa em Energia e Sociedade do Public Affairs Research Institute (PARI), da África do Sul, no evento, frequentemente concebemos a transição energética apenas como uma jornada do modelo atual para um modelo mais sustentável, com a ideia de que, para ninguém ficar para trás, basta criarmos postos de trabalho para as populações diretamente atingidas pelas mudanças e reduzir seus impactos ambientais.
Evidentemente que esses aspectos são importantes, mas representam uma definição limitada de transição justa: uma concepção mais abrangente considera não apenas o caminho, mas também o destino, e a justiça deve ser contemplada em ambas as dimensões.
O objetivo não é simplesmente descarbonizar os sistemas, mas garantir que essa descarbonização resulte num modelo mais equitativo.
Ou seja, no contexto da transição justa, a exploração dos minerais críticos não pode repetir padrões extrativistas históricos de produção e exportação de matérias-primas, caracterizados por elevados impactos ambientais, processamento industrial local insuficiente e baixo retorno socioeconômico.
Precisamos assegurar que esses recursos utilizados nas tecnologias renováveis contribuam para um sistema de comércio e desenvolvimento verdadeiramente justo.
Isso significa que uma transição justa no contexto dos minerais críticos deve priorizar a maximização da distribuição de benefícios. (“benefit sharing”).
A cadeia de valor das tecnologias renováveis não pode ocorrer às custas de comunidades vulneráveis – a verdadeira oportunidade está em compreender como uma transição justa pode transformar a inclusão em um processo equitativo.
O complexo contexto geopolítico atual, apesar dos desafios, apresenta oportunidades para reorganizar o papel das economias emergentes nas cadeias globais de valor. Pontos nessa direção incluem justamente as preocupações de países como África do Sul e Brasil para que os minerais críticos lhes proporcionem um retorno justo.
Afinal, a transição energética associada a esses materiais constitui um elemento-chave neste sistema em transformação e nas demandas por novos modelos de desenvolvimento. Precisamos ampliar nossa visão sobre esses recursos: eles não são apenas componentes para novas tecnologias ou fontes de renda e emprego, mas ativos estruturais para o futuro que desejamos construir no Sul Global.
Os pontos discutidos nesse texto e no evento Critical Minerals: Brazil-South Africa Dialogues for a Just Transition ressaltam a necessidade da construção de uma estratégia de desenvolvimento nos países do Sul Global que enfatize a criação de cadeias de valor, de modo que a exploração dessas riquezas proporcione benefícios socioeconômicos concretos e duradouros para as sociedades envolvidas.
Luísa Bianchet é analista de relações internacionais do Instituto E+ Transição Energética