NESTA EDIÇÃO. Documento reúne 100 sugestões da sociedade civil para subsidiar políticas públicas com viés climático e ambiental.
Das 20 propostas relacionadas à mitigação, duas abordam biogás e uma defende modais de transporte mais sustentáveis.
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O que a sociedade civil brasileira considera prioridade no enfrentamento à crise climática? Um documento divulgado nesta sexta-feira (9/5) traz algumas respostas: da reforma no transporte coletivo à taxação dos super-ricos, as demandas por políticas públicas mostram a necessidade de conexão com o dia a dia das pessoas.
Ao longo da semana, cerca de 1,5 mil delegados de todas as regiões do país se reuniram em Brasília para debater aproximadamente 6 mil propostas, reunidas em conferências realizadas em 2.570 municípios. A pergunta era: o que pode — e deve — ser feito na agenda climática e ambiental?
Desse processo participativo, 100 sugestões foram priorizadas e apresentadas no encerramento da 5ª Conferência Nacional do Meio Ambiente (5ª CNMA). As contribuições foram organizadas em cinco eixos temáticos: Mitigação, Adaptação e Preparação para Desastres, Justiça Climática, Transformação Ecológica e Governança e Educação Ambiental.
São 20 propostas priorizadas para cada eixo temático. Veja a íntegra (.pdf)
A promessa é que elas irão subsidiar a formulação de políticas públicas como a atualização da Política Nacional sobre Mudança do Clima e a construção do Plano Clima – este último, precisa ficar pronto antes da COP30, em novembro, pois detalhará como o Brasil pretende cumprir sua Contribuição Nacionalmente Determinada (NDC, em inglês) ao Acordo de Paris.
No eixo de mitigação, a maior parte das sugestões acolhidas mira o campo – onde está a maior concentração das emissões brasileiras.
Mas a transição energética também está na ordem do dia das organizações que contribuíram com o documento.
Empatada em segundo lugar com a implementação de áreas verdes no planejamento urbano, a diversificação dos modais de transporte baseados em combustíveis renováveis é uma das medidas relacionadas ao setor energético selecionadas pela sociedade civil.
A proposta é “diversificar os modais para transporte de carga e mobilidade urbana coletiva, baseado em combustíveis renováveis por meio de criação de políticas públicas para volta do trem de passageiros, estimulando a mobilidade ativa e acessível universal, integrando os diversos modais rumo à tarifa zero, criando as rotas num único aplicativo e orientando os municípios à luz do Plano de Mobilidade Nacional”.
O biogás é um favorito
Pesquisa divulgada pelo Global Methane Hub no final de abril posicionou os brasileiros no topo do ranking dos que apoiam ações para mitigar as emissões de metano na América Latina. No Brasil, 90% dos entrevistados disseram apoiar medidas neste sentido, ante 82% na média da região.
Uma das soluções para evitar que o gás seja lançado na atmosfera contribuindo com a crise climática é transformá-lo em combustível, por meio da destinação dos resíduos a aterros sanitários com biodigestores.
Quando captado em aterros sanitários, o biogás — que tem o metano entre suas moléculas — pode ser tratado e transformado em biometano, um combustível renovável com poder calorífico semelhante ao do gás natural.
Essa preocupação com o metano se refletiu nas contribuições da CNMA.
O incentivo à produção de gás a partir de resíduos aparece como quinta e nona propostas mais votadas:
- “Fortalecer em nível nacional o sistema integrado de gestão de resíduos sólidos, fortalecendo a redução, reutilização e reciclagem (com metas para indústria e municípios), coleta seletiva inclusiva em todo território nacional e destinação adequada para aterros com incentivo de produção de biogás”.
- “Subsidiar e difundir tecnologias limpas e sustentáveis, soluções baseadas na natureza, energias renováveis e saneamento para comunidades vulneráveis, incentivando o aproveitamento de biomassa e biogás para mitigar impactos emissões de GEE, gerar renda e valorizar saberes tradicionais, populares e inovações sociais”.
Justiça climática
Quando o assunto é justiça climática, a proteção aos povos tradicionais – que cuidam da biodiversidade – por meio da regularização fundiária está no topo da lista de prioridades elencadas pelos delegados.
Em segundo lugar está a taxação dos super-ricos.
“Implementar, através da lei, taxação progressiva sobre grandes fortunas, para financiar políticas climáticas, promovendo adaptação, segurança alimentar e redução de desigualdades em comunidades vulnerabilizadas, com foco na preservação ambiental e em projetos de reabilitação dos animais”.
Uma iniciativa do tipo já está em discussão no Congresso Nacional. Em março deste ano, o Ministério da Fazenda entregou sua proposta de ajustes sobre a tributação da renda para poupar quem recebe até R$ 5 mil por mês. A perda de arrecadação seria compensada pela cobrança progressiva de imposto sobre quem ganha mais de R$ 50 mil por mês.
É um tema que também ganhou espaço na agenda internacional, já que é preciso mobilizar US$ 1,3 trilhão anualmente até 2035 para países de renda média e baixa fazerem sua transição.
Em 2024, durante a presidência do G20, o Brasil conseguiu articular o endosso das 20 maiores economias globais à defesa da taxação de super-ricos como uma das principais ferramentas para reduzir as desigualdades. Em todo o mundo, há cerca de três mil pessoas que se enquadram nessa categoria.
Cobrimos por aqui
Curtas
SAF de etanol. Na avaliação do presidente da Axens América Latina, Jean-Louis Beeckmans, o Brasil reúne condições excepcionais para acelerar a transição energética. E uma das apostas da empresa francesa no país é a produção de combustíveis sustentáveis de aviação (SAF, na sigla em inglês) a partir da cana-de-açúcar.
Desmatamento na Amazônia. Uma alta de 55% no desmatamento da Amazônia em abril deste ano em comparação com o mesmo mês do ano passado ligou o alerta no governo federal, já que a proteção da floresta é uma das principais bandeiras do governo Lula (PT) na agenda climática. A Amazônia teve 270 km² devastados em abril de 2025 ante 174 km² no mesmo mês de 2024.
Crédito de carbono para o agro. A Comissão de Agricultura da Câmara dos Deputados aprovou na quinta (8/5) projeto de lei que permite o uso do crédito de carbono para pagamento de impostos relativos à agropecuária. O relator, deputado Tião Medeiros (PP-PR), incluiu a produção de crédito de carbono em propriedades rurais entre as atividades rurais previstas na Lei nº 8.023/90, que trata do Imposto de Renda rural.
Pobreza energética. A energia elétrica impacta em 23% o valor final da cesta básica no Brasil, apontou uma análise da consultoria PSR. A população mais pobre gasta até 18% da renda com eletricidade. A conclusão do estudo é que os subsídios e encargos pesam principalmente entre as famílias carentes.
Desperdício de energia desafia transição. Na América Latina, a infraestrutura elétrica precária, as conexões clandestinas (os “gatos”) e as limitações nos sistemas de transmissão e armazenamento são problemas comuns a todos os países da região. Segundo o Banco Interamericano de Desenvolvimento, a diferença entre a eletricidade produzida e a que de fato chega aos consumidores atingiu, em média, uma taxa de 17% ao ano nas últimas três décadas. (Dialogue Earth)
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