RIO — Na avaliação do presidente da Axens América Latina, Jean-Louis Beeckmans, o Brasil reúne condições excepcionais para acelerar a transição energética. E uma das apostas da empresa francesa no país é a produção de combustíveis sustentáveis de aviação (SAF, na sigla em inglês) a partir da cana-de-açúcar.
“Estamos falando muito da rota alcohol-to-jet (ATJ) no Brasil, que faz completamente sentido porque já há um mercado amplo e consolidado de etanol”, afirmou Beeckmans em entrevista à agência eixos.
“Estamos muito confiantes que essa tecnologia funcione, e nossos clientes também. Temos vários projetos no Brasil em andamento. E já temos uma referência no Brasil com a engenharia básica já feita”, disse o executivo, sem revelar os nomes das companhias envolvidas nos projetos.
Segundo ele, a tecnologia de produção de SAF a partir de etanol desenvolvida pela Axens se baseia em três módulos tecnológicos já existentes na indústria.
“Já temos experiência industrial com todos esses blocos. E o importante é que os dois primeiros blocos são para produção de intermediários petroquímicos, ou seja, monômeros para fazer polímeros. Isso nos dá grande confiança na pureza do processo e na viabilidade do SAF”, explicou o executivo.
Beeckmans acredita que o país pode liderar a produção de SAF no mundo, graças à sua experiência com o etanol de cana.
“O SAF justamente entrando como um novo biocombustível, ele vai ajudar ainda mais a descarbonização no Brasil. E o Brasil tem tudo justamente para fazer essa produção de SAF”.
Descarbonização dos combustíveis
Para o executivo, a transição energética deve ser pragmática e gradual, especialmente no setor de óleo e gás, onde ainda há espaço para ganhos de eficiência e redução de emissões.
“É uma transição energética. Então não vai ser uma reviravolta de uma vez só. E existem várias frentes a seguir”, afirmou Beeckmans.
“Ainda teremos que produzir e usar combustíveis fósseis. Quando estamos falando de transição energética, teremos combustíveis provavelmente até 2050 ou mais. Vamos inclusive desenvolver mais exploração e produção. E esses combustíveis renováveis que vão se adicionar à matriz energética, vão substituir talvez uma parte dessa matriz de combustível fósseis”.
Presente no Brasil por meio de parcerias com empresas como Petrobras, Braskem, Acelen, a Axens oferece tecnologias que vão desde a produção de combustíveis menos poluentes até soluções para captura e reutilização de carbono.
Com sede em Paris e operação em sete países, a empresa pertence ao Instituto Francês de Petróleo e Energias Novas (Ifpen), órgão público de pesquisa que desenvolve as tecnologias comercializadas pela Axens, em conformidade com as regulamentações da União Europeia.
Recentemente, a Petrobras, por meio do seu Centro de Pesquisas, Desenvolvimento e Inovação (Cenpes), firmou um acordo de cinco anos renováveis por igual período com o Ifpen para pesquisa, desenvolvimento e inovação (P&DI) voltados a projetos de transição energética e descarbonização.
O acordo permite que a Petrobras estabeleça parcerias com subsidiárias do Ifpen, como o Grupo Axens, Beicip-Franlab, IFP Training e GreenWits.
“O objetivo, claramente, é acelerar a transição energética da Petrobras”, diz Beeckmans.
Ele conta que grande parte da gasolina dessulfurizada produzida hoje no Brasil usa tecnologia da Axens. “Só no Brasil temos dez unidades com a tecnologia Prime-G+”.
A solução permite remover compostos nocivos da gasolina craqueada, reduzindo impactos ambientais como as chuvas ácidas.
Segundo o executivo, o país já avançou significativamente em combustíveis mais limpos – como o diesel S10 e a gasolina com baixo teor de enxofre – mas ainda pode ganhar eficiência e reduzir emissões nos ativos já existentes.
“O Brasil já tem, em termos de combustível fósseis, combustíveis muito limpos, como o [diesel] S10. O mesmo vai se aplicar para a gasolina. Vamos chegar em um nível ótimo, com o máximo que pode se fazer em termos de desulfurização”.
Na visão de Beeckmans, o Brasil pode combinar sua matriz elétrica renovável – com destaque para hidrelétricas e biomassa – com os biocombustíveis já disponíveis, como etanol e biodiesel, como um diferencial em relação a outras regiões, como a Europa.
“No Brasil já temos uma matriz energética muito verde graças, justamente, à inclusão de 27,5% de etanol na gasolina. E com a lei do Combustível Futuro, estão falando de subir até 35%”.
Otimização de ativos
Apesar de possuir combustíveis mais limpos, na avaliação do executivo, o Brasil talvez ainda “tenha um dever de casa” a fazer para melhorar o rendimento de seus ativos.
Entre as tecnologias disponíveis, Beeckmans cita fornos elétricos de nova geração, trocadores de calor de alta eficiência e unidades modulares que facilitam a instalação rápida e segura de novas plantas, além de tecnologias de captura, armazenamento e reúso de carbono (CCUS).
“O que pode ser feito para melhorar a pegada do carbono é o sequestro do CO2 (…) E já existem tecnologias para reusar essa molécula, para poder fazer, por exemplo, SAF sintético”.
“O objetivo hoje é justamente ajudar as indústrias, não só no óleo e gás, mas em todas as indústrias, a otimizar os ativos que eles têm, para que essas indústrias possam seguir produzindo os combustíveis, as moléculas químicas, a um preço justo, sem impactar demais a população, mas com uma pegada de carbono bem melhorada”, concluiu.