RIO – Um grupo de empresários do setor de óleo e gás abriu conversas com a Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) para criar a Bolsa Brasileira de Gás Natural e Biometano (BBGB).
O projeto está sendo estruturado de forma faseada: a ideia é criar uma plataforma eletrônica de marketplace, para centralizar operações de compra e venda de molécula no mercado de curto prazo num primeiro momento.
No futuro, com o gradual amadurecimento do mercado, o plano é que a plataforma também reúna soluções mais sofisticadas, como instrumentos de hedge e derivativos.
A iniciativa reúne, neste primeiro momento, os sócios fundadores Antônio Guimarães, ex-Karoon, Instituto Brasileiro de Petróleo (IBP) e Shell; César Dias Ramos, ex-Petrobras, Perenco e Empresa de Pesquisa Energética (EPE); e o advogado Luis Menezes, ex-Gaspetro, Siqueira Castro, Felsberg, dentre outros escritórios
Eles estão tocando a implementação da bolsa por conta própria, por ora – embora, com o desenvolvimento do negócio no futuro, a expectativa seja atrair investidores.
“Aí vai ser uma outra estruturação de negócio, um outro contexto”, afirma Ramos.
Grupo negocia acordo técnico com ANP
O primeiro passo para tirar o projeto do papel é a habilitação junto à ANP. A Lei do Gás, de 2021, prevê a criação da “entidade administradora de mercado de gás natural”.
O agente deve, pela legislação, celebrar acordo de cooperação técnica com a agência, no qual serão estabelecidas as obrigações: como facultar o acesso do regulador aos contratos (que devem estar aderentes à regulação); e respeitar o fluxo e ao sigilo de informações.
O grupo já tem se reunido com membros da ANP. Esta semana, os sócios da BBGB se encontraram com a diretora Symone Araújo. E a expectativa é apresentar à agência, nos próximos dias, a proposta de trabalho, para avançarem na formatação da bolsa.
Na etapa mais avançada do projeto, será preciso obter o aval da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), para oferta de serviços financeiros.
Momento é oportuno para criação da bolsa
Em entrevista à agência eixos, Antônio Guimarães destaca que o crescimento do mercado spot de gás mostra que o momento é propício para o surgimento de uma bolsa de comercialização de molécula.
Segundo ele, o mercado brasileiro está superando o seu estágio inicial de abertura. A expectativa é que a migração de consumidores industriais para o mercado livre de gás também deve se manter acelerada em 2025.
“Tem uma fase transitória, que é quando começamos a ter transações spot e que demandam a criação desse mercado de balcão. E que evolui depois para uma fase mais desenvolvida, quando se tem materialidade, com todos os produtos financeiros”, disse.
Os sócios se espelham na experiência do setor elétrico, que ganhou nos últimos anos também o seu balcão de comercialização de energia.
A proposta, segundo ele, é que a bolsa sirva como elo de conexão entre compradores e vendedores. A criação desse ambiente passa pela necessidade de formatação de um contrato padrão, com cláusulas pré-aprovadas pela ANP.
“Todo mundo comprando e vendendo, usando o mesmo contrato. Isso facilita a vida dos agentes e traz liquidez para o mercado”, comenta.
Projeto em fases deve acelerar implementação
A BBGB ainda não tem uma data para ser lançada. Guimarães conta que já há demanda no mercado por esse tipo de serviço e que a ideia é colocar a plataforma em operação o “mais célere possível”.
“A gente entende que existe uma necessidade, essa primeira parte regulatória, que a gente não controla: que é quanto tempo demora para, junto a ANP, assinar esse acordo de cooperação”
A ideia de fasear o projeto foi pensada, justamente, para dar celeridade à implementação.
“Se a gente for atrás de uma bolsa completamente estruturada, ela não vai existir nunca”
“Se a gente optasse pelo caminho mais complexo, por ter tudo, demoraria muito tempo. Então, na medida que a gente faz um desenvolvimento faseado da bolsa, em etapas, a gente vai conseguir dar muito mais celeridade e atender às necessidades do mercado, enquanto a gente continua o desenvolvimento, acompanhando o crescimento do mercado spot”, complementou Guimarães.
Enquanto a oferta de soluções financeiras mais sofisticadas como hedge e contratos futuros ainda não são uma realidade, embora agentes do setor financeiros comecem a colocar o pé na comercialização de gás, a expectativa é que a bolsa seja uma plataforma que facilite, numa primeira fase. a compra e venda de gás spot no sistema de transporte.
A BBGB acredita que a plataforma tem vocação para atrair sobretudo produtores/comercializadores de menor porte e produtores de biometano interessados em ampliar o universo de compradores e vendedores.
Do lado do consumidor, um potencial cliente é a indústria com perfil mais flexível de consumo e que recorre ao mercado spot para complementar volumes e atender, assim, oscilações de demanda.
Guimarães acredita que, num segundo passo, a bolsa pode atrair a comercialização de gás e biometano off-grid – seja por meio de carretas de gás comprimido (GNC) ou liquefeito (GNL).
O executivo cita que, embora a BBGB veja um potencial crescente para compradores e vendedores de biometano, a ideia não é oferecer, na plataforma, certificados de origem do gás renovável.
“Uma coisa é comercializar certificado, outra coisa é comercializar gás certificado”
“Podemos comercializar o gás que vem com o certificado. Mas uma bolsa de certificado [per si] é um outro negócio”, completou.
Ele também vê vocação para que, no futuro, a bolsa faça a intermediação de operações de compra e venda de gás para balanceamento da malha de transporte (gestão e correção de desvios entre volume injetado e retirado pelos carregadores) – seja por parte do carregador que queira evitar penalidades, seja pelo próprio transportador.
Mais transparência sobre preços
Luis Menezes acredita, ainda, que a bolsa pode ajudar a dar mais transparência sobre o mercado de gás natural.
Uma das funções da entidade administradora de mercado de gás natural é acompanhar e supervisionar os contratos de compra e venda de gás natural e biometano; e uma vez obtida massa crítica de dados, emitir relatórios no formato e periodicidade a serem definidos pela ANP, de forma independente.
“A bolsa está surgindo para ser somente o elo entre o comprador e vendedor, mas também para auxiliar a agência”, afirma.
“Nós vamos trazer algo que o mercado está desesperado por ter, que é uma indicação de qual é o verdadeiro preço, ou preços, do gás no Brasil’
“O grande desafio vai ser a gente conseguir se mover na velocidade da expectativa que o mercado tem de ver isso acontecendo”.