O histórico de formação de preços do Gás Liquefeito de Petróleo (GLP) no Brasil é repleto de intervenções que acabaram por gerar distorções relevantes no mercado. Por décadas, os preços foram artificializados por determinações governamentais, sendo atribuída à Petrobras, à época monopolista, a missão de operar essa artificialização.
O GLP foi o último derivado do petróleo a ser liberado de controles de preço e compensado por meio da chamada “conta petróleo”, um mecanismo que invariavelmente deixava o governo devedor frente à estatal.
Ao longo dos anos 2000, diversas resoluções buscaram manter o GLP vendido em botijões de até 13kg (P13) a preços inferiores ao praticado no mercado para as demais modalidades.
A Resolução CNPE nº 04/2005 consagrou esse modelo, embora não o tornasse obrigatório. A justificativa era mitigar os impactos dos preços sobre as camadas mais pobres da população. No entanto, ao longo de quase 20 anos, essa política mostrou-se ineficaz, distorciva e regressiva.
Subsídios universais, como esse, acabam beneficiando indiscriminadamente todas as classes sociais, inclusive as que não necessitam de qualquer tipo de assistência. O resultado foi a criação de um subsídio cruzado ineficiente, que encareceu o GLP a granel — essencial para comércios, pequenos empreendedores e consumidores residenciais que utilizam embalagens maiores.
Estima-se que entre 15% e 18% do GLP consumido em residências é feito fora do P13. O modelo também desestimulou investimentos em infraestrutura, dificultou a importação e abriu espaço para fraudes, como o uso de baterias de P13 em instalações que deveriam consumir granel.
Diante dos efeitos negativos acumulados, a Resolução CNPE nº 17/2019 extinguiu a diferenciação de preços, em vigor a partir de março de 2020. Análises da ANP, inclusive em Nota Técnica 027/2019/SDR e Parecer 10-2019, apontaram a dificuldade de transparência na formação dos preços e a ineficiência da política como mecanismo de subsídio.
Entretanto, mais recentemente, observa-se com preocupação uma tentativa de retorno a mecanismos que geram desequilíbrios no mercado. Desde novembro de 2024, a Petrobras tem realizado leilões para parcelas cada vez maiores do GLP ofertado às distribuidoras.
Esses volumes não são excedentes, mas frações do montante antes vendido diretamente — agora submetidas a pregões com ágios expressivos. Em maio de 2025, o volume leiloado ultrapassou 75 mil toneladas, mais de 12% da demanda mensal brasileira.
Essa estratégia tem elevado significativamente o custo do GLP para as distribuidoras e, por consequência, para o consumidor final. No polo de Ipojuca (PE), os ágios adicionaram até R$ 7 por botijão de 13kg. A prática compromete a previsibilidade, desorganiza a logística e onera toda a cadeia.
Alegando querer capturar o “preço de oportunidade” regional, a Petrobras ignora que, em um mercado competitivo, o preço eficiente é naturalmente estabelecido pelos agentes em condições simétricas. No atual contexto, a empresa detém posição dominante e os leilões apenas reforçam essa assimetria, fragilizando a concorrência e inibindo novos entrantes.
É fundamental rejeitar qualquer retorno à diferenciação de preços e, ao mesmo tempo, rever as práticas que, embora disfarçadas sob roupagem mercadológica, geram impactos similares às antigas intervenções.
Políticas de preços devem ser transparentes, previsíveis e baseadas em fundamentos de mercado. O reconhecimento das oscilações internacionais é essencial, mas isso não deve excluir a consideração dos custos locais e da dinâmica interna do setor.
Caso o objetivo seja proteger a população mais vulnerável, que se adote subsídios focalizados e diretos, via programas sociais estruturados, com critérios claros de elegibilidade e sistemas de transferência eficazes. Essa abordagem é mais justa, mais barata e mais eficiente.
Por fim, é imprescindível que a regulação fortaleça a concorrência, promova investimentos em infraestrutura e garanta um ambiente atrativo a novos agentes. Somente com um mercado aberto, competitivo e bem regulado será possível assegurar um abastecimento eficiente, justo e sustentável do GLP para toda a sociedade brasileira.
Referências
- Resolução CNPE nº 04/2005: https://www.gov.br/mme/pt-br/assuntos/conselhos-e-comites/cnpe/resolucoes-do-cnpe/arquivos/2005/resolucao-cnpe_4_2005_revogada_17_2019.pdf
- Nota Técnica nº 027/2019/SDR (ANP): https://www.gov.br/anp/pt-br/centrais-de-conteudo/notas-e-estudos-tecnicos/notas-tecnicas/arquivos/2019/nota-tecnica-sdr-027-2019.pdf
- Parecer nº 10-2019 SDR-ANP: https://www.gov.br/anp/pt-br/centrais-de-conteudo/notas-e-estudos-tecnicos/notas-tecnicas/arquivos/2019/parecer-10-2019-sdr-rj.pdf/
- Resolução CNPE nº 17/2019: https://www.gov.br/mme/pt-br/assuntos/conselhos-e-comites/cnpe/resolucoes-do-cnpe/arquivos/2019/resolucao_cnpe_17_2019_revoga_res_4_2005_vf.pdf
Sérgio Bandeira de Mello é presidente do Sindigás, representante das distribuidoras.