RIO – Usuários da malha de gasodutos pedem à Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) uma redução no adicional pago hoje pela contratação de capacidade de transporte a curto prazo, de forma a incentivar mais o mercado spot.
A tarifas de transporte de gás seguem uma lógica de incentivo à contratação firme: quanto mais longo o prazo de contratação, mais baratas.
As transportadoras cobram pelos produtos de curto prazo, nesse sentido, multiplicadores sobre a tarifa base:
- de 1,6 vez para contratos diários;
- de 1,48 vez para a contratação mensal;
- e de 1,23 vez para a trimestral.
Essa receita adicional obtida pelas transportadoras é revertida, depois, em mocidade tarifária, mas o saldo dessa conta regulatória só é reconciliado no intervalo de dois anos.
A revisão dos multiplicadores, bem como o uso da conta regulatória, foram alguns dos temas levantados pela ANP na consulta prévia aberta pelo regulador para discutir com o mercado os critérios de cálculo das tarifas de transporte.
Mercado spot ganha tração
Durante a consulta, diferentes carregadores (entre comercializadores, distribuidoras e consumidores) sugeriram a revisão desses múltiplos, para estimular o crescimento do mercado de curto prazo.
Na esteira da aceleração do mercado livre, a venda de gás spot ganhou tração no Brasil. A Wood Mackenzie prevê que 2025 será o ano em que os contratos de curto prazo desafiarão os volumes firmes.
Na consulta prévia da ANP, a Brava Energia destacou, por exemplo, que os produtos de curto prazo são importantes, no atual estágio de desenvolvimento do mercado brasileiro, para maximização da utilização da malha de transporte.
“Vemos que os multiplicadores atualmente aplicados, especialmente para o diário e mensal, são agressivos e geram impactos na tomada de decisão de contratações por oportunidade”, complementaram a GBS Storage (estocagem) e GNLink (GNL small-scale), ambas do grupo Lorinvest.
Transportadoras querem debate mais aprofundado
Representadas pela ATGás, as transportadoras, por sua vez, defendem a manutenção desses patamares, enquanto realizam estudos mais aprofundados sobre o assunto.
A associação se comprometeu a desenvolver um estudo sobre multiplicadores tarifários e submetê-lo à ANP no momento oportuno.
“A solução ótima para o setor brasileiro será aquela que equilibre a segurança no atendimento e a flexibilidade ao mercado, conciliando benefícios sistêmicos com o risco para as transportadoras frente a uma possível redução dos contratos de longo prazo”, citou a ATGás, em sua contribuição na consulta prévia.
Uma eventual redução da base de contratos de longo prazo pode ter consequências sobre as tarifas. Isso porque, no cálculo da tarifa dos gasodutos, a receita dos transportadores é rateada entre os agentes que reservam capacidade no sistema com contratos firmes.
Multiplicadores definidos por leilão
Os agentes pedem mais transparência na forma como os multiplicadores são definidos. A Commit (Compass/Mitsui), que atua na distribuição de gás, recomendou que a ANP faça uma análise de impacto regulatório (AIR) para determinar o melhor desenho para as tarifas de transporte.
A empresa alega que o gás spot tem contribuído para dar mais liquidez ao mercado brasileiro e defende uma redução, ainda que marginal, dos multiplicadores de curto prazo – mesmo que, no início do próximo ciclo tarifário, ou em momento intermediário, se necessário, os parâmetros possam ser revistos.
“Em geral, o multiplicador deveria ser tão grande a ponto de incentivar a contratação de longo prazo, mas também tão pequeno a fim de incentivar o surgimento de novos produtos e a entrada de novos players”, argumenta a Commit.
Ainda no segmento de distribuição, a Abegás e a Comgás (SP) sugerem que as capacidades de curto prazo deveriam ser disponibilizadas em leilões online organizados pela ANP, permitindo que as dinâmicas de mercado entre oferta e demanda determinem os preços finais.
“Essa abordagem promove uma alocação eficiente dos recursos e transparência na formação de preços, alinhando-se com os princípios de eficiência econômica. A clareza na definição e implementação dos multiplicadores é crucial para garantir a estabilidade do mercado e facilitar a entrada de novos participantes”
A Abrace, que representa os grandes consumidores industriais, vai nessa mesma linha, ao sugerir que as transportadoras façam simulações de alocação de capacidade para definir os multiplicadores.
Cita que, no mercado brasileiro, a volatilidade do despacho das termelétricas traz grande incerteza em relação aos cenários de demanda por capacidade de transporte.
“Nestas situações, a utilização de um valor fixo para os multiplicadores de curto prazo não promoverá o sinal econômico correto na tarifação do transporte”
Tarifa definida por disponibilidade
A CSN, que opera, hoje, no mercado spot, defende que os multiplicadores devem seguir uma lógica de disponibilidade da capacidade.
Ou seja, quando o sistema não está congestionado, o transportador deve oferecer contratos de curto prazo a um custo menor, com o multiplicador o mais próximo de 1 vez; e em situações de alta demanda pelo uso da rede, como os períodos de elevado despacho das termelétricas, um multiplicador maior.
A Fiesp também entende que os multiplicadores podem variar, a depender da capacidade ociosa do gasoduto.
A Eneva cita que há grandes trechos da malha integrada de transporte com ociosidade no Brasil e defende que o custo dos produtos de curto prazo deveria refletir melhor o custo marginal do serviço para movimentar uma molécula adicional no curto prazo.
“Esse custo marginal tende a não ser tão alto em malhas que não são altamente contratadas, como é o caso da rede de transporte de gás natural do Brasil. Por outro lado, os altos multiplicadores penalizam desproporcionalmente aqueles usuários com consumos mais variáveis, mesmo que a malha esteja ociosa, prejudicando o crescimento do mercado de gás”, cita a empresa, em sua contribuição.
Os multiplicadores atuais, ainda segundo a Eneva, refletem um benchmark com o mercado europeu que não faz sentido no cenário interno atual.
Esse debate, porém, pressupõe a necessidade de maior transparência da capacidade disponível/ociosa nos gasodutos.
A Galp, uma das principais vendedoras de gás spot no mercado livre, destaca que metodologia atual utilizada pelos transportadores é “complexa e difícil de ser auditada/rastreada”; e que a modalidade interruptível deveria ser melhor estimulada.
A empresa também defende a atuação da ANP na regulação para implementação de um mercado secundário de capacidade de transporte, para dar maior dinamismo e flexibilidade aos carregadores no gerenciamento dos seus contratos
O Instituto Brasileiro do Petróleo (IBP) recomendou que a ANP não só reveja a calibração dos multiplicadores, mas também as penalidades por volumes excedentes ao contratado.
“É extremamente relevante que a ANP coíba multiplicadores elevados para volumes excedentes que foram programados e autorizados pelas transportadoras. O que precisamos evitar são movimentos que venham a trazer algum tipo de risco à operacionalização do sistema de transporte como volumes excedentes e que não foram programados, os quais deveriam ter o multiplicador de 2 vezes”.
O IBP defende a abertura de uma consulta pública específica sobre o assunto – a Shell também sugere a abertura de uma consulta própria para o tema dos multiplicadores.