RIO — As medidas apresentadas pelo Ministério de Minas e Energia (MME) na proposta de reforma do setor elétrico foram bem recebidas pelo mercado, mas alguns segmentos pedem uma ampliação do debate, sobretudo a respeito dos impactos das alterações de benefícios. O argumento é de que é necessária uma análise mais aprofundada sobre os efeitos na indústria.
A proposta foi enviada pelo MME à Casa Civil na quarta-feira (16/4). O objetivo da reforma é reequilibrar subsídios para viabilizar o apoio à população de baixa renda.
De modo geral, a ampliação da parcela de consumidores de baixa renda beneficiados pela Tarifa Social de Energia Elétrica (TSEE) foi reconhecida pelo mercado como uma questão importante.
No entanto, a alteração dos subsídios gerou críticas por afetar a competitividade da indústria nacional.
A essência da reforma é reduzir os descontos pelo uso do fio para novos contratos que compram energia incentivada, o que hoje beneficia grandes indústrias.
A expectativa é de uma economia de R$ 10 bilhões em encargos na Conta de Desenvolvimento Energético (CDE) com o fim dos descontos para o consumidor em contratos de compra (PPAs) de energia incentivada, o suficiente para custear a ampliação da TSEE.
Além disso, a reforma também propõe uma restrição no enquadramento no modelo de autoprodução de energia, que hoje também dá descontos no pagamento de encargos.
A medida visa maior equilíbrio das contas setoriais, segundo o MME.
“Em meio à desafiadora conjuntura internacional que leva os mercados a um profundo rearranjo comercial, a indústria brasileira precisa de maior competitividade, de energia com um preço justo e de previsibilidade regulatória para crescer e gerar mais emprego”, disse em nota o União pela Energia.
A Associação Brasileira dos Consumidores de Energia (Abrace) ressalta que a medida pode ter impactos no custo dos produtos brasileiros.
“Entendemos importante avaliar com cautela movimentos que procuram fazer o que é certo, o barateamento da conta para pequenos consumidores, mas que podem se apoiar no deslocamento de custos da conta de luz para o preço dos produtos brasileiros com resultados piores do que os benefícios pretendidos”, afirmou a entidade em nota.
A mudança também pode impactar a viabilidade de novos projetos de geração renovável, segundo o CEO da consultoria Envol, Alexandre Viana.
Hoje, os projetos de autoprodução com desconto pelo uso do fio são aqueles que negociam energia incentivada, de fontes renováveis.
“Isso pode levar a uma desaceleração na expansão de fontes renováveis, com um cenário mais favorável para novos empreendimentos possivelmente se concretizando apenas nos próximos dois anos, quando teremos preços estruturais mais atrativos para novos empreendimentos”, afirmou Viana.
A reforma nos mecanismos de autoprodução prevê a redução da parcela que é subsidiada para os consumidores, não para os geradores.
Especialistas também reconheceram que foi importante restringir a gama de temas previstos na reforma. Havia a expectativa no mercado de que outras questões fossem revistas com a proposta de modernização do setor, como os benefícios à geração distribuída e o equacionamento dos cortes de geração (curtailment).
Entretanto, o presidente do Instituto Acende Brasil, Claudio Sales, ressalta que é preferível que essas questões sejam tratadas pelos órgãos reguladores, e não por meio de discussão com o Congresso.
“São temas de natureza técnica, que podem ser tratados de forma regulatória e não requerem um instrumento de lei, expondo ao risco, que é inerente a uma tramitação”, diz.
O Acende Brasil alerta, inclusive, para a importância de evitar a inclusão de temas alheios ao tema principal da proposta, os “jabutis”, durante as discussões da reforma do setor.
Abertura do mercado livre é celebrada
A expectativa de abertura do mercado livre para baixa tensão a partir de 2027 também foi bem recebida.
O entendimento no setor é que o tema já foi amplamente discutido e está maduro, sobretudo depois da abertura para toda a média e alta tensão em janeiro de 2024.
Além disso, o governo atendeu a dois dois pleitos do mercado, com a criação de um novo encargo para para pagar eventuais custos de sobrecontratação das distribuidoras, além da regulamentação da figura de um supridor de última instância até julho de 2026.
Segundo a proposta do MME, a liberalização foi ocorrer de forma escalonada, com a abertura para a indústria e comércio tenha início em março de 2027 e para todos os demais consumidores em março de 2028.
O presidente executivo da Associação Brasileira dos Comercializadores de Energia (Abraceel), Rodrigo Ferreira, ressalta que a equalização de direitos é um dos principais pontos do projeto.
“É uma visão de deixar todos os consumidores em pé de igualdade, e isso é muito importante, pois isso é justiça tarifária. O setor elétrico é repleto de desigualdades e essas desigualdades setoriais afetam a desigualdade social do país como um todo. É um momento para corrigir isso”, afirmou.