Pode parecer um paradoxo, mas a indústria de óleo e gás nos Estados Unidos vem pressionando a administração Trump para manter os incentivos fiscais ao hidrogênio de baixo carbono — definidos durante a gestão de Joe Biden.
Existe uma razão clara: o enorme potencial norte-americano para o hidrogênio azul, produzido a partir de gás natural com captura e armazenamento de carbono (CCS).
Enquanto Donald Trump desmonta políticas ambientais, sai do Acordo de Paris e ameaça o financiamento de projetos sustentáveis, a indústria petrolífera dos EUA adota uma posição estratégica para reposicionar os combustíveis fósseis como peças fundamentais na transição energética, o que poderia manter a dominância do país no cenário global de energia.
De certa maneira, há um reconhecimento de que o hidrogênio será um caminho inevitável e, de outro, de que o hidrogênio azul produzido nos Estados Unidos, com um empurrão dos subsídios governamentais, pode ser um dos mais competitivos do planeta, e se transformar, tal como o shale gas, em uma commodity importante para as exportações norte-americanas.
A peça central é o crédito fiscal 45V, criado na Lei de Redução da Inflação (IRA), que oferece até US$ 3 por quilo de hidrogênio produzido com baixa emissão de carbono, independente da rota escolhida.
A regra final do 45V permite até 4 kg de CO2 equivalente por kg de H2. Além dele, muitos projetos de hidrogênio azul também poderão acessar a incentivos complementares, como o crédito 45Q (para CCS), se tornando ainda mais viáveis economicamente.
Pressão do setor privado
A possível revogação do crédito 45V pelo governo Trump levou 26 associações e 88 empresas de setores diversos a enviarem uma carta conjunta ao Congresso defendendo a manutenção dos incentivos.
Entre os signatários estão o American Petroleum Institute (API), a Câmara de Comércio dos EUA, a American Council on Renewable Energy e empresas como General Motors e Toyota.
A diretora de políticas da API, Rachel Fox, apontou o principal argumento: “Temos a vantagem do menor custo de produção global”.
Estimativas do Departamento de Energia dos EUA (DOE) indicam que o hidrogênio azul pode chegar a US$ 1,50/kg até 2025, contra US$ 2,50–4,00/kg do hidrogênio verde — produzido a partir da eletrólise.
O grupo destaca que o 45V pode gerar até 100 mil empregos até 2030, atrair mais de US$ 140 bilhões em investimentos privados e transformar os EUA em um grande exportador, especialmente para União Europeia, Japão e Coreia do Sul, que já têm metas ambiciosas para 2030 e buscam fornecedores confiáveis.
A petroleira ExxonMobil, por exemplo, está investindo em uma planta em Baytown, no Texas, que promete ser a maior do mundo em produção de hidrogênio de baixo carbono, com capacidade de capturar até 10 milhões de toneladas de CO2 por ano.
Um estudo da McKinsey estima que apenas o projeto da ExxonMobil no Texas poderia atender a 20% da demanda japonesa em 2030.
Pressão Bipartidária
A pressão não vem apenas do setor privado, mas também da própria base de Trump no Congresso. Recentemente, um grupo de 21 republicanos da Câmara, liderado por Andrew Garbarino, manifestou oposição à revogação dos incentivos da IRA, incluindo o 45V.
Eles alertam que revogar esses mecanismos enfraqueceria a competitividade energética norte-americana, colocaria empregos em risco e aumentaria os custos para os consumidores.
Além disso, 47 dos 52 representantes federais da Califórnia, incluindo quatro republicanos, assinaram uma carta pedindo ao Departamento de Energia dos EUA que preserve os US$ 1,2 bilhão destinados ao hub de hidrogênio do estado, hoje administrado pela parceria público-privada ARCHES.
Esse projeto californiano, que prevê atrair até US$ 11,2 bilhões em investimentos privados, é considerado vital para descarbonizar portos, criar empregos e garantir a segurança energética nacional, e foi selecionado na gestão de Biden, como um dos hubs aptos a receber incentivos do governo.
O programa Hubs Regionais de Hidrogênio Limpo (H2Hubs) prevê US$ 8 bilhões para desenvolvimento de “uma rede de produtores e consumidores de hidrogênio e a infraestrutura de conexão localizada nas proximidades”.
Gás barato
Como lembra o analista de política energética, David Blackmon, em artigo publicado na Forbes, o gás natural norte-americano é um recurso abundante, barato, acessível e geopoliticamente seguro — o que o torna a base ideal para impulsionar o hidrogênio azul.
Segundo ele, “o hidrogênio azul não é uma fantasia futurista — é a realidade que alimenta 10 milhões de toneladas métricas de hidrogênio anualmente apenas nos EUA, tornando o país o segundo maior produtor mundial”, se referindo à molécula que hoje é produzida via reforma do gás natural, porém sem CCS.
Além disso, os EUA já contam com cerca de 2,6 mil quilômetros de gasodutos de hidrogênio em operação.
Contudo, apesar do otimismo, ainda há muitas dúvidas em relação ao impacto positivo do hidrogênio azul para a descarbonização.
Isso porque, de um lado, há uma preocupação em relação aos vazamentos de gás natural em toda a sua cadeia, e segundo, dúvidas em relação a eficiência dos sistemas de captura e arrendamento de carbono, além, é claro, quando se dará a redução de custos na atividade de CCS, que ainda requer altos investimentos.