Opinião

Momento para os biocombustíveis

Lei do Combustível do Futuro prevê R$ 260 bi em investimentos e redução de 705 mi toneladas de CO2 até 2037, mas esbarra em limitações da ANP e infraestrutura, escrevem Karina Santos e Rodrigo Sluminsky

Exposição de veículos e aeronaves com tecnologias de baixo carbono na feira Liderança Verde Brasil Expo durante a cerimônia de sanção da Lei do Combustível do Futuro, na Base Aérea de Brasília, em 8/10/2024 (Foto Ricardo Stuckert/PR)
Exposição de veículos e aeronaves com tecnologias de baixo carbono durante sanção do Combustível do Futuro, na Base Aérea de Brasília (Foto Ricardo Stuckert/PR)

A Agência Internacional de Energia (IEA) tem reverberado a necessidade de triplicar os investimentos em energias limpas até 2030 para atingir a neutralidade líquida de carbono até 2050. Segundo a agência, cerca de 55% desses investimentos deverão acontecer nos países emergentes e em desenvolvimento, como o Brasil, demandando a mobilização de instrumentos financeiros e regulatórios.

O Brasil já é considerado o segundo maior produtor de biocombustíveis líquidos do mundo, sendo o maior produtor de etanol de cana-de-açúcar e o terceiro maior produtor de biodiesel. Em que pese nosso papel protagonista na agenda, é inquestionável que ainda temos grande potencial para expandir a produção.

Nesse contexto, e à luz da agenda nacional da descarbonização, tivemos recentemente um avanço significativo com a aprovação da Lei nº 14.993/2024, apelidada de Lei do Combustível do Futuro, que alinha uma série de iniciativas para estimular a produção de biocombustíveis e reduzir a emissão dos gases de efeitos estufa (GEE).

Dentro desse contexto, institui-se o Programa Nacional de Combustível Sustentável de Avião (ProBioQAV), o Programa Nacional de Diesel Verde (PNDV) e o Programa Nacional de Descarbonização do Produtor e Importador de Gás Natural e de Incentivo ao Biometano, com a previsão de investimentos na ordem de R$ 260 bilhões de modo a evitar a emissão de 705 milhões de toneladas de CO2 até 2037, segundo estimativas do Governo Federal.

E não é só. De maneira bastante inovadora, a legislação dispõe sobre as atividades de captura e de estocagem geológica de dióxido de carbono CO2 — em inglês CCS — e de produção e comercialização dos combustíveis sintéticos, e cria o chamado Certificado de Garantia de Origem de Biometano (CGOB), voltado à comprovação da redução de emissões de GEE no mercado de gás natural.

Também são alterados os limites de mistura de etanol anidro à gasolina C e do biodiesel ao diesel comercializados ao consumidor final.

Por fim, a Lei do Combustível estabelece a integração de iniciativas e medidas adotadas no âmbito da Política Nacional de Biocombustíveis (RenovaBio), do Programa Mobilidade Verde e Inovação (Programa Mover), do Programa Brasileiro de Etiquetagem Veicular (PBEV) e do Programa de Controle de Emissões Veiculares (Proconve), de forma a evitar possíveis superposições das disposições da Lei com outros mandatos e políticas.

Diante de tantas iniciativas, existe um consenso de que as iniciativas endereçadas pela Lei de Combustível do Futuro proporcionam um marco legal robusto à transição energética no Brasil. Porém, não são poucos os desafios ao desenvolvimento dessas iniciativas.

A capacidade da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) de desenvolver regulação, promover orientação e realizar as fiscalizações necessárias é um desses desafios. Isso porque as agências federais — como é o caso da ANP — têm sofrido redução em orçamento e corpo técnico que tende a impactar suas atividades.

Outra preocupação são os desafios tecnológicos na definição das rotas de desenvolvimento dos biocombustíveis, em especial considerando os gargalos de infraestrutura que o país possui. 

Por fim, inexistem mecanismos adequados que resguardem os contratos de compra e venda de gás natural existentes, bem como que enderecem a dispersão geográfica dos aterros sanitários como unidades produtoras de biometano, e que garantam o alinhamento entre a regulação federal e as regulações estaduais no desenvolvimento de CGOB e outros incentivos ao setor.

Para concluir, a Lei do Combustível do Futuro reforça o papel do Brasil como referência mundial na construção de políticas públicas relacionadas aos biocombustíveis, então os complexos desafios que se apresentam na implantação de suas boas intenções precisam ser endereçados de maneira assertiva, cuidadosa e coordenada para, assim, apropriar-nos adequadamente dos incentivos e desalavancar o enorme potencial que possuímos como país nessas áreas.

Este artigo expressa exclusivamente a posição dos autores e não necessariamente da instituição para a qual trabalham ou estão vinculados.


Karina Santos é integrante da área de Sustentabilidade Corporativa do Gaia Silva Gaede Advogados. Advogada com mestrado e MBA, atua há mais de 15 anos com regulação e é integrantes de entidades voltadas à sustentabilidade e energia.

Rodrigo Sluminsky é sócio do Gaia Silva Gaede Advogados e lidera a área de Sustentabilidade Corporativa do escritório. Advogado com MBA e LL.M., tem mais de 20 anos de experiência no setor, com atuação em energia, ESG e negociações climáticas. É também professor e palestrante na área.

Inscreva-se em nossas newsletters

Fique bem-informado sobre energia todos os dias