Opinião

Expandir com segurança: o caminho para um setor de transporte de gás natural robusto e competitivo

Contratos legados de transporte vencem a partir de 2025. Estudo da EPE mostra que tarifas representam apenas 10% do custo final do gás ao consumidor, escrevem Marina Cyrino e Ricardo Piedras

Rede de dutos metálicos conectados em complexo industrial (Foto Vilius Kukanauskas_Pixabay)
Rede de dutos conectados a térmica a gás natural (Foto Vilius Kukanauskas/Pixabay)

Nas últimas semanas, o setor de transporte de gás natural voltou ao centro do debate público no Brasil, com foco nas tarifas cobradas e na aplicação das regras de revisão tarifária. Algumas análises têm sugerido que a norma estaria sendo ignorada e que a ausência de revisão tarifária seria a principal responsável pelo custo do gás. Apesar de atraente, essa tese carece de precisão técnica e ignora aspectos fundamentais do funcionamento do setor.

A revisão tarifária é regulamentada pela Resolução nº 15/2014 da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), que continua plenamente vigente e estabelece, de forma clara, ciclos periódicos de revisão tarifária. Até agora, apenas a Transportadora Brasileira Gasoduto Bolívia-Brasil (TBG) passou por esse processo, pois foi a única transportadora cujos contratos legados venceram no primeiro ciclo regulatório.

A ideia de que a regulação não está sendo aplicada, portanto, é equivocada: os processos estão em andamento e seguem os prazos e mecanismos definidos pela própria norma.

Para entender a situação atual, é essencial considerar o contexto da abertura do mercado. Durante décadas, a Petrobras controlou toda a cadeia do gás, desde a produção até a entrega ao mercado.

Com a decisão de abrir o setor de gás natural à concorrência, foi necessário realizar uma transição criteriosa. No momento da desverticalização, que ocorreu entre 2016 e 2019, o mercado brasileiro ainda era incipiente, com poucos agentes e ausência de mecanismos estruturados de competição.

Nesse processo de transição, os ativos de transporte foram vendidos com contratos de longo prazo já firmados com a própria Petrobras, os chamados contratos legados.

Esses contratos definem volumes, prazos e tarifas fixas por determinado período, garantindo previsibilidade e viabilidade econômica para os novos operadores que assumiram os sistemas. A preservação desses contratos foi uma condição essencial para atrair investimentos privados e assegurar o equilíbrio financeiro das empresas no início da abertura.

Não obstante os contratos legados ainda estarem vigentes, parte da capacidade dos mesmos já foi liberada para contratação por outros agentes, em condições competitivas. Desde o início da abertura, o número de contratos e de contratantes de transporte aumentou significativamente.

Isso demonstra que o processo de unbundling das atividades de transporte de gás natural e a ampliação de investimentos em toda a cadeia do gás natural promovem um ambiente mais competitivo e diversificado. O acesso isonômico de novos agentes ao transporte tem criado uma base sólida para o crescimento sustentável do mercado de gás natural.

A partir de 2026, as tarifas dos contratos expirados passam a ser definidas por meio dos ciclos de revisão previstos na regulação. Foi o que aconteceu com a TBG a partir de 2019, quando dois contratos legados expiraram, permitindo a primeira aplicação prática da Resolução nº 15/2014.

Em dezembro de 2025, vencem os primeiros contratos da Nova Transportadora do Sudeste (NTS) e da Transportadora Associada de Gás (TAG), e o processo de revisão tarifária de ambas as empresas já está em curso, conforme determina a regulação.

Nesse cenário, carecem de fundamento atribuições apressadas de índices de reajuste para as tarifas de transporte de gás natural sem a devida análise técnica e sem respeitar o processo regulatório — que inclui etapas como envio de informações pelas transportadoras, avaliação técnica da ANP e consulta pública.

Ajustar tarifas sem base técnica pode parecer uma solução atraente a curto prazo, mas traz riscos sérios: quebra de contratos, judicialização, perda de confiança de investidores e paralisação de investimentos em infraestrutura — justamente quando o país mais precisa ampliá-la.

Além disso, é importante dimensionar corretamente o peso do transporte no custo final do gás. Um estudo da Empresa de Pesquisa Energética (EPE) mostra que o transporte por gasodutos e a distribuição são as menores parcelas: cada uma representa apenas 10% do preço final pago pelo consumidor. As demais parcelas, produção, tributos e escoamento, são responsáveis por 80% do preço, quatro vezes mais do que as duas primeiras.

O transporte é o elo essencial entre quem produz e quem consome. Ele garante segurança no suprimento, permite o surgimento de novos fornecedores e dá suporte à expansão do mercado. Para que isso aconteça de forma sustentável, é indispensável manter uma infraestrutura robusta, financeiramente equilibrada e regulada com previsibilidade e responsabilidade.

A revisão tarifária virá — como deve vir — com critério técnico, transparência e dentro dos ritos regulatórios, buscando a modicidade tarifária, o equilíbrio econômico-financeiro dos contratos e a manutenção dos investimentos no Sistema de Transporte de Gás Natural (STGN).

O marco legal está sendo respeitado. O que não se pode aceitar é a tentativa de desqualificar um setor essencial com base em análises parciais ou interpretações apressadas da legislação.

Todos queremos tarifas justas. Mas também é preciso garantir segurança jurídica, respeito aos contratos e estabilidade regulatória. Sem esses pilares, não há como avançar na expansão do mercado de gás natural — e, no fim das contas, é o consumidor quem mais perde.

Este artigo expressa exclusivamente a posição dos autores e não necessariamente da instituição para a qual trabalham ou estão vinculados.


Marina Cyrino é gerente Jurídica e Regulatória da ATGás.

Ricardo Piedras é economista e especialista em gás natural.

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