Em novembro passado, a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) reativou a sistemática de acionamento das Bandeiras Tarifárias. Aplicando a metodologia, ficou estabelecida a bandeira vermelha Patamar 2 no mês de dezembro de 2020. Isso significa que a capacidade de atendimento do consumo de energia elétrica está crítica em função da queda dos reservatórios das usinas hidrelétricas.
Nesse cenário, as termoelétricas da Petrobras serão fundamentais para suprir eventuais gargalos de fornecimento hidrelétrico. Isso ocorre num período quando a estatal de petróleo busca vender suas termoelétricas, o que pode trazer riscos importantes a médio prazo em cenários como o atual, principalmente em relação aos custos de fornecimento.
Apesar do crescimento do uso das fontes solar e eólica, o setor elétrico brasileiro atualmente é visto como um sistema hidrotérmico, cuja geração hidrelétrica é a principal fonte de geração de base do sistema, acompanhada pela geração complementar de usinas termelétricas (UTE), que são despachadas a depender das necessidades elétricas e do nível dos reservatórios do sistema.
Tendo em vista que a maioria da oferta de energia brasileira é proveniente de fontes de energia renováveis, que dependem diretamente das condições climáticas, o risco de não suprimento de energia é administrado através da operação de uma fonte controlável de energia – as usinas termoelétricas.
A operação do sistema elétrico brasileiro é coordenada de maneira integrada pelo Operador Nacional do Sistema (ONS). Os parques geradores encontram-se conectados por meio de uma extensa rede de transmissão – o Sistema Interligado Nacional (SIN) –, sendo operados e despachados a fim de garantir a otimização e eficiência do sistema, bem como a oferta e disponibilidade de energia.
Desta forma, as decisões operativas são tomadas de forma sistêmica, considerando a interdependência e complexidade dos elementos do sistema.
Neste contexto, as unidades geradoras podem ser requeridas a despachar tanto no regime de acompanhamento de carga, compensando alguns pontos de carga do sistema elétrico, quanto na geração de base, regularizando o regime de afluência e controlando o nível dos reservatórios.
A contratação e comercialização de energia elétrica, desde o novo modelo regulatório de 2004, é realizada em dois ambientes de mercado: o regulado (ACR) e o livre (ACL).
O ACR atende às demandas dos distribuidores que são obrigados a comprar energia nos leilões organizados pela Aneel, via contratos de longo prazo.
Já no ACL, os agentes realizam negociações e contratos bilaterais de compra e venda de energia elétrica, cujos preços, volumes e prazos de suprimento são acordados entre as partes. Por fim, o mercado de curto prazo (MCP) realiza a contabilização da diferença entre o volume de energia contratado e o efetivamente produzido ou consumido, com base no Preço de Liquidação de Diferenças (PLD).
No caso das UTEs, a venda de energia pode ser realizada nos dois ambientes de mercado, no entanto, os contratos de longo prazo do ACR oferecem uma melhor previsão de geração de receita.
Já a contratação destas usinas ocorre por disponibilidade, ou seja, o empreendedor é remunerado pelo custo de operação da usina, quando necessária a entrada em operação, sendo o valor do custo variável unitário definido no momento do leilão.
Desde o período de estiagem de 2012, as usinas termelétricas vêm sendo cada vez mais chamadas a operar, a fim de regularizar a oferta de energia. Cenário que se mantêm previsto para os próximos anos, com a crescente redução da participação das hídricas e a entrada significativa de fontes renováveis intermitentes, notadamente, energia eólica e solar.
Desta forma, as usinas termoelétricas que deveriam atuar em momentos pontuais, passam a ter uma forte participação na base da geração do sistema. No entanto, os custos adicionais de operação das UTE não são considerados na remuneração estabelecida no contrato, o que pode se tornar problemático quando estas usinas são acionadas com uma frequência acima da prevista.
Em períodos secos, além das UTE entrarem em operação com mais frequência, um número maior de agentes não consegue atingir o quantitativo de energia contratado, precisando recorrer ao mercado livre e à compra de energia pelo PLD.
Os dados da Câmara de Comercialização de Energia (CCEE) mostram uma grande elevação do PLD a partir do terceiro trimestre de 2020, devido, possivelmente, à aproximação do período seco, especialmente no Norte e Nordeste, mas também no Sudeste.
Diante do cenário atual de queda do nível dos reservatórios, o ONS vem acionando o despacho de usinas termelétricas, inclusive das usinas mais caras, aumentando o custo médio de operação do sistema.
Tendo em vista o preço teto do PLD, no início de dezembro de 2020, a Aneel retomou o instrumento de cobrança das bandeiras tarifárias, na tentativa de sinalizar ao consumidor as condições críticas dos reservatórios e equalizar a parcela dos custos variáveis do acionamento das usinas termelétricas.
Com a entrada da categoria mais alta das bandeiras tarifárias – bandeira vermelha, patamar 2 – a agência reguladora espera reduzir o consumo de energia elétrica.
Esta decisão ocorre no mesmo momento em que a Petrobras realiza um amplo processo de desinvestimentos, que inclui a venda de usinas termelétricas de Camaçari (BA) e Canoas (RS).
A princípio, a venda das UTE não deve afetar os contratos do mercado regulado, pois os preços já se encontram firmados e definidos pelos contratos de energia.
No entanto, destaca-se que o combustível utilizado pelas térmicas sofre oscilações de preço, podendo atingir valores diferentes do planejado, risco que é assumido pelo comprador. Já no mercado livre, com o baixo nível dos reservatórios e aumento do PLD, poderá haver um aumento da venda neste mercado.
Ana Carolina Chaves é pesquisadora do Instituto de Estudos Estratégicos de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (Ineep) e do Grupo de Estudos do Setor Elétrico (Gesel).
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