Opinião

Investimentos na infraestrutura de gás paulista já geram efeitos positivos para a abertura de mercado no Brasil

Com investimentos concluídos como o do Gasoduto Subida da Serra, mercado cativo viu aumento da concorrência no suprimento de gás, mercado livre decolou em São Paulo e região Sudeste teve redução expressiva no nível de concentração de mercado medido pelo indicador internacional HHI, escreve Bruno Armbrust

São Paulo e Arsesp recorrem ao STF para impedir interdição envolvendo a classificação do gasoduto  Subida da Serra, da Comgás. Na imagem: Gasoduto Subida da Serra, da Comgás. Rede de dutos para transporte de gás natural em área íngreme próxima a centro urbano paulista (Foto: Sima/SP)
Gasoduto Subida da Serra, da Comgás (Foto: Sima/SP)

O Brasil se aproxima de um desfecho para uma questão absolutamente crucial para a competitividade de seu mercado de gás.

Com o avanço — no Supremo Tribunal Federal (STF) — do processo de conciliação sobre a competência da regulação do gasoduto de distribuição Subida da Serra, em São Paulo, a expectativa é que as partes cheguem a um bom termo, que tanto preserve a segurança jurídica como contribua para disponibilizar ao consumidor final um fornecimento seguro a preços competitivos.

Tenho estudado esse assunto sob diversos prismas. Um que me chama muito a atenção é como o Subida da Serra foi um divisor de águas para o aumento da concorrência na região Sudeste e no Brasil.

Para quem não vem acompanhando o tema mais de perto, vale uma introdução: o gasoduto foi um investimento aprovado na 4ª revisão tarifaria da Comgás, concessionaria de distribuição de gás canalizado de São Paulo, para o ciclo 2019/2024, de modo totalmente respaldado pelo artigo 25º, parágrafo 2º, da Constituição Federal de 1988 e pelas leis vigentes.

Seu objetivo: o reforço e a ampliação da infraestrutura de distribuição de gás da Baixada Santista e da Região Metropolitana de São Paulo e tem origem no city gate Cubatão II. 

O projeto foi desenvolvido na vigência da lei 11.909 de 2009 (1ª Lei do gás). A Nova Lei do Gás (Lei 14.134/2021), que a substituiu, em 8 de abril de 2021, deixa claro que a distribuição de gás canalizado segue o disposto no § 2º do art. 25 da Constituição Federal, ou seja, permanece sob regulação estadual.

E o gasoduto Subida da Serra tem origem num ponto de recebimento de gás da distribuidora e se interliga ao anel metropolitano da Comgás e a rede de distribuição da Baixada Santista, estando, portanto, fora das atividades sujeitas à regulação da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP).

A própria Nova Lei do Gás, para encerrar essa introdução, estabelece de forma muito clara a jurisdição da ANP sobre a atividade econômica de transporte de gás natural por meio de condutos, ressaltando-se que no § 1º do art. 7º está expresso que: “Fica preservada a classificação do gasoduto enquadrado exclusivamente no inciso VI do caput deste artigo, que esteja em implantação ou em operação na data da publicação desta Lei”.

Dito isso, quero destacar que a possibilidade de acessar novas fontes de suprimento, viabilizada pelo reforço da rede de distribuição da Comgás (inclusive o investimento no gasoduto Subida da Serra), foi vital para estimular um movimento que os consumidores — especialmente os industriais — sempre esperaram: a redução nos preços da molécula de gás natural.

Com o aumento da competição no mercado nacional, sobretudo com o advento de novos terminais privados de importação de gás natural liquefeito, a Petrobras — de longe, o maior supridor do energético — adotou uma nova política de preços como resposta à competição destes novos terminais de regaseificação privados, entre eles o de São Paulo (TRSP).

O recém-inaugurado terminal paulista, um concorrente da Petrobras no suprimento de gás, está conectado ao city gate Cubatão II da distribuidora, sendo uma nova alternativa de suprimento para consumidores cativos e livres. 

Então, o que se viu em 2024 foi uma redução do preço do gás para as distribuidoras em todas as regiões, como uma resposta da Petrobras aos novos concorrentes privados, sendo a própria empresa um competidos no mercado livre. Somente no Rio de Janeiro, estimo que essa redução possa ter gerado uma economia aos consumidores e indústrias fluminenses de mais de meio bilhão de reais.

Impacto no HHI

E é justamente a desconcentração de mercado que tem causado esse movimento de gás mais competitivo — que é o objetivo principal, diga-se, da Nova Lei do Gás, em linha com as boas práticas.

Essa conclusão, é oportuno observar, não é apenas uma observação empírica. É mensurável. 

Na União Europeia e em países que tornaram seus mercados de gás abertos e competitivos, o nível de concentração de mercado é medido pelo modelo Herfindahl-Hirschman Index (HHI), definido no Gas Target Model (GTM) pela Agência da União Europeia para a Cooperação dos Reguladores de Energia (ACER)

A regulação europeia considera que um nível ótimo para o HHI seria de 1.500 pontos (mercado altamente concorrencial), enquanto a pontuação máxima, indicativa de um mercado de elevada concentração, é de 10.000 pontos — a ACER recomenda como objetivo para os países membros um nível ao redor de 2.000 pontos.

Na região Nordeste, onde existe uma maior multiplicidade de agentes concorrentes, e as distribuidoras Bahiagas e Algás recebem gás diretamente dos produtores Origem, Alvopetro e Petroreconcavo, sem o uso da malha de transporte da TAG, o HHI está mais próximo dos 2.000 pontos desejados. 

Já na região Sudeste, que apenas no último ano começou a experimentar concorrência, com a operação dos terminais privados de gás natural liquefeito (GNL), houve avanços: o HHI de São Paulo já esteve no nível máximo de 10.000 pontos e foi justamente a movimentação de gás por meio do gasoduto Subida da Serra e os primeiros contratos de mercado livre as novidades que proporcionaram uma expressiva queda, já se situando próximo dos 5.000 pontos no HHI, tendo como efeito positivo um recuo no indicador na malha Sudeste.

O avanço na competitividade, com aumento do número de comercializadoras ofertantes, fez com que o mercado livre de gás finalmente decolasse em São Paulo. Segundo a Arsesp, o volume de gás natural contratado nesse ambiente ultrapassou em janeiro os 3 milhões de metros cúbicos/dia, o que significa algo próximo de 30% da demanda no estado.

Segundo a agência reguladora paulista, até então já haviam sido assinados 44 contratos entre usuários livres e as distribuidoras de gás canalizado para uso do sistema de distribuição.

Outro ponto a observar nesse debate é que são muitos os casos de usinas termelétricas (UTEs) e de redes de distribuição conectadas diretamente a fontes de suprimento, o que é perfeitamente permitido pela regulação.

E o exemplo de São Paulo é uma dessas alternativas mais eficientes, já usada em muitos outros estados, como o próprio Rio de Janeiro, onde estima-se que as usinas termelétricas mais recentes implantadas (Marlim Azul e Gás Natural Açu), se estivessem conectadas ao elo de transporte, contribuiriam para a tarifa ser reduzida em cerca de 15% dos demais usuários, na metodologia da ANP. E a própria ANP aprovou essas conexões. 

Existem ainda, no próprio Rio de Janeiro, outras conexões diretas entre dutos de distribuição e fontes de suprimento sem passar pelo transporte.

Ao contrário das usinas termelétricas, as conexões de dutos de distribuição à novas fontes de suprimento são um reforço para a redução da concentração e para o aumento da concorrência com efeitos na redução dos preços ao mercado com se pode facilmente constatar. A Bahia e a sua distribuidora Bahiagás são o maior exemplo disso. Por que a ANP não permite que o mesmo seja feito em São Paulo?

O reforço feito na rede de distribuição da Comgás, incluindo o Subida da Serra, viabiliza o acesso dos consumidores de gás natural a uma nova fonte de suprimento para os mercados cativo e livre, contribuindo para a livre concorrência e a liberalização do mercado. Esta infraestrutura aumenta a flexibilidade e mitiga o risco de concentração numa única fonte. 

Portanto, não é aceitável que se lance mão de projeções pouco sustentáveis, que dependem de outras variáveis, e levam a conclusões pouco assertivas de eventuais impactos tarifários.

Muitos outros aspectos legais, regulatórios, econômicos e concorrenciais poderiam constar nesse artigo, mas apenas reforçariam o fato de que o gasoduto Subida da Serra é um projeto totalmente alinhado com os preceitos e fundamentos da liberalização do mercado de gás.

Liberalização, que fique claro, não é sinônimo de desregulação, mas sim uma mudança de filosofia para uma regulação orientada à concorrência, com maior transparência. E tudo o que o mercado precisa é de mais concorrência.

É desejável que a conciliação no STF procure como elemento central o empoderamento do consumidor e o interesse do país: disponibilizar ao consumidor final um fornecimento seguro a preços competitivos, ampliando a possibilidade de os consumidores elegerem seu fornecedor, com ganhos de eficiência.


Bruno Armbrust é sócio-fundador da ARM Consultoria, com 35 anos de experiência no setor de Gás & Energia. Foi presidente do grupo Naturgy na Itália e vice-presidente da Associazione Nazionale Industriali Privati Gas e Servizi Energetici na Itália (Assogas). Também foi presidente da Naturgy no Brasil entre 2007 e 2019.

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