Leilão

Remuneração e capacidade contratada vão ser fundamentais para sucesso do leilão de baterias, dizem especialistas

Atratividade dos empreendimentos depende também dos valores que serão cobrados pelas tarifas de uso de sistemas

Sistema híbrido de geração solar fotovoltaica e armazenamento com bateria de grande porte -- Foto por Eos Energy Storage
Sistema híbrido de geração solar fotovoltaica e armazenamento com bateria de grande porte -- Foto por Eos Energy Storage.JPG

BRASÍLIA — Alguns dos fatores importantes para o sucesso do primeiro leilão de sistemas de armazenamento no Brasil serão a remuneração, a atratividade e a capacidade a ser contratada, dizem especialistas. Os agentes do setor veem uma janela entre 1 gigawatt (GW) e 2 GW a ser licitada para contratação das baterias.

A Aurora Energy Research projeta a contratação de 1 GW neste primeiro leilão, que deve ocorrer no último trimestre do ano. A percepção do pesquisador associado Matheus Rezende é que a tecnologia terá um desenvolvimento pensado para o longo prazo. 

“O Ministério de Minas e Energia está em uma posição de usar esse leilão como uma porta de entrada para as baterias no futuro, e não está na expectativa de uma contratação muito massiva nesse momento”, diz.

A consultoria projeta que as baterias devem alcançar os 10 GW de capacidade no país por volta de 2040, alavancadas por leilões cada vez maiores.

Para o presidente da Associação Brasileira de Sistemas de Armazenamento (Absae), Markus Vlasits, o ideal para dar um início à tecnologia no país seria a contratação de pelo menos 2 GW no leilão deste ano.

Vlasits entende que a capacidade faria uma diferença significativa no Sistema Interligado Nacional (SIN), além de desenvolver a produção local.

“Se o volume for muito menor do que 2 GW, dificilmente alguém vai ver condições para colocar em pé uma fábrica de montagem de baterias, por exemplo. E aí seria um leilão que provavelmente direcionado exclusivamente a sistemas importados, que não é o que a gente acha que deveria acontecer”, diz.

Estimativas da Greener apontam que o Brasil vai receber investimentos de R$ 22,5 bilhões em sistemas de armazenamento até 2030.

Remuneração e localidades ainda são incógnitas

As diretrizes do leilão serão publicadas nos próximos meses, para que a concorrência ocorra ainda em 2025, segundo o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira.

Como os empreendimentos consomem energia durante o momento do carregamento e fornecem suprimento na hora do despacho, ainda não há definição clara sobre a classificação dos ativos.

Os arranjos tarifários podem ser modificados se as baterias forem definidas como ativos de geração ou unidades consumidoras. Os especialistas veem uma tendência de que a classificação aponte para a geração, a exemplo de outros países. 

Mesmo assim, a atratividade dos empreendimentos depende também dos valores que serão cobrados pelas tarifas de uso de sistemas de transmissão (TUST).

Embora os leilões não apontem preferências por localidades específicas, a rentabilidade será impactada pelas escolhas das regiões.

Com TUST de menor custo, a região Sudeste pode levar vantagem, por estar próxima do centro de carga do país.

“Quando estruturam um leilão, com esse tipo de reserva de capacidade, o poder público evita sinais locacionais, para deixar o mercado decidir com base no que é mais competitivo. Da maneira que está escrito hoje, pensando em bateria stand-alone [sem associação com nenhum sistema de geração], o sinal locacional que está passando é que as baterias se instalem no Sudeste”, diz Rezende.

A Absae sugeriu ao MME que a contratação ocorra em dois produtos diferentes, pelos diferentes serviços que as baterias podem prestar.

“O sistema elétrico muito provavelmente vai precisar das baterias acopladas, justamente por elas serem capazes de preencher essa dualidade de funções. Mas o sistema também vai precisar de baterias autônomas próximo aos grandes centros de carga, porque esses projetos são verdadeiramente flexíveis”, afirma Vlasits.

A Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) deve regulamentar o armazenamento de energia ainda em 2025, o que inclui também as usinas hidrelétricas reversíveis.

No fim do ano passado, a diretoria colegiada aprovou a instauração de uma consulta pública para colher contribuições sobre o tratamento regulatório do assunto.

O processo deve entrar em pauta assim que as áreas técnicas compilarem as sugestões e analisarem as possibilidade de regulamentação.

Curtailment deve persistir

Mesmo que as baterias sejam vistas como dispositivos importantes para armazenar a geração intermitente, o pesquisador da Aurora Research acredita que esse primeiro leilão deve ser insuficiente para resolver o impasse dos cortes de geração de fontes renováveis (curtailment).

“Um pouco do interesse do governo nesse leilão é colocar baterias perto do centro de demanda, porque o intuito do leilão não é reduzir curtailment. Seria usar a bateria como uma fonte de geração firme de energia, para atender a demanda na ponta”, diz.

Rezende entende que, com o gradual ganho de potência, será possível ter efeitos mais significativos para aproveitar melhor a energia renovável.

Os cortes de geração de usinas eólicas e solares ocorrem sobretudo na região Nordeste e se intensificaram desde 2023, com desdobramentos em discussões na Justiça e na Aneel.

Para Vlasits, o desenvolvimento das baterias vai ajudar a combater o déficit de potência no início da noite, quando ocorre a necessidade de acionamento de usinas termelétricas para atender a demanda.

O presidente da Absae reconhece a necessidade do Leilão de Reserva de Capacidade (LRCAP), que terá a contratação de termelétricas a gás, mas critica o aumento na capacidade contratada da fonte.

“A gente não nega a relevância da geração térmica como uma ‘apólice de seguro’ para momentos de crise hídrica e outros momentos extremos. O Operador Nacional do Sistema Elétrico precisa de um portfólio de tecnologias. A gente tem hoje 45 GW de termelétrico e o racional é que esse parque, com o passar do tempo, vá reduzindo e não aumentando”, afirma.

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