Imagine você reabastecendo o tanque de combustíveis do seu carro com sacolas plásticas do supermercado ou tampinhas de garrafa pet. Para alguns, isso talvez relembre cenas do Dr. Emmet Brown reabastecendo o DeLorean no filme De Volta para o Futuro II.
Obviamente, não se trata de ficção, tampouco do uso direto dos plásticos como combustível automotivo, mas da pirólise dos plásticos para obtenção de gasolina e outros derivados.
Aproveitando a temática das mudanças em curso e das novas oportunidades e investimentos no segmento de refino, descritas no artigo intitulado Um novo mercado de refino, eis aqui um sensacional exemplo de produção de combustíveis a partir da reciclagem de plásticos.
Os polímeros sintéticos mais comuns, popularmente chamados de plásticos, são compostos obtidos na origem pelo processamento do gás natural ou da nafta petroquímica.
É do gás natural ou da nafta petroquímica que majoritariamente obtemos eteno, propeno e butenos, entre outros hidrocarbonetos olefínicos, que originarão polietileno (PE), polipropileno (PP), poliestireno (PS) etc. São polímeros contendo grandes cadeias de carbono.
A reciclagem tradicional dos polímeros termoplásticos envolve o aquecimento e a remoldagem deles. Assim, algumas sacolas de polietileno podem originar um pequeno pote ou um tapete mediante a reciclagem. Mas existem outras oportunidades, como a de transformar esses plásticos em combustíveis.
Como os polímeros termoplásticos são macromoléculas de carbono, a quebra dessas cadeias em condições específicas e controladas de calor e pressão gera moléculas similares as produzidas nas refinarias de petróleo para produção de combustíveis.
Essa tecnologia é conhecida e dominada, representa uma oportunidade de negócio que envolve a logística reversa e reutilização dos plásticos.
No lugar de extrair nova quantidade de petróleo para refino e produção de gasolina, por exemplo, pode-se gerar este combustível a partir de plásticos descartados.
Isso já é feito no Brasil. E foi tema da minha conversa com o Engenheiro Químico Mauricio Mascolo, responsável por erguer algumas unidades com esta finalidade não só por aqui, mas também no exterior.
Maurício, onde ficam e o que produzem estas “refinarias de plásticos”?
Produzimos um óleo sintético que comercializamos com o mercado de asfaltos, indústrias químicas e separação de parafinas desde 2013, em Valinhos (SP). Em Votorantim (SP), estamos em fase de vistoria da ANP para produzir uma linha de solventes sintéticos a partir desse óleo.
Meu objetivo é incentivar novos entrantes no mercado de despolimerização de plásticos, para que eles comercializem o petróleo sintético com as pequenas refinarias privadas, compondo uma parte da cesta de matérias-primas dessas unidades, melhorando as características físico-químicas da carga de refino.
Uma refinaria, obviamente, pode ter uma linha de pirólise de plásticos anexada, mesmo em pequena escala, com objetivo de diversificação, mesclando com o petróleo mineral.
As refinarias privadas sofrem com o suprimento de petróleo, na concorrência com a Petrobras, por isso, sempre cito que as pequenas refinarias têm que ter flexibilidade de operar com diversas fontes de matérias-primas, inclusive, alternativas.
O “petróleo sintético” de plástico é uma delas. Trabalho que leva tempo, mas acredito muito, pois envolve reciclagem, sustentabilidade e energia. As novas unidades já estão sendo projetadas pela nossa empresa de acordo com a Resolução ANP 24/2016.
E qual é o volume de derivados produzidos nestas unidades?
Nossas plantas atuais são pequenas, capacidade de produzir 1,0 mil m3 por mês. No Paraguai, montamos uma de 5 mil m3 mensal, próximo de Assunção, que também opera com pneus. A maior fração é sempre na faixa do diesel, em torno de 65%.
A segunda fração de maior percentual é a nafta, sendo gerado um pouco de óleo combustível, inferior a 3%. Quando o foco é parafina, altera-se um pouco o balanço. Para cada quilograma de plástico processado, é gerado em torno de um litro de petróleo sintético.
A matéria-prima é qualquer tipo de plástico?
Usamos plástico de lixo pós consumo, de cooperativas de catadores e, também, de empresas de soluções ambientais que recolhem resíduos pós indústria. Utilizamos apenas os plásticos polipropileno (PP), polietileno (PE) e poliestireno (PS), que possuem propriedades físico-químicas ideais para a produção de combustíveis, pois possuem somente carbono e hidrogênio na sua composição, sem os tradicionais contaminantes do petróleo, como enxofre e nitrogênio.
Do plástico, não me envolvo com a coleta, já recebendo os mesmos previamente separados. Recebemos os plásticos que estavam antes indo para o aterro. Um ponto importante é que não há necessidade de se separar por cor ou por tipo, podendo estar misturados todos os polietilenos (alta e baixa densidade, linear, ligação cruzada etc.).
Por que produzir combustíveis a partir dos plásticos?
Obviamente não é uma atividade para resolver ou impactar uma cadeia energética, mas serve sim como uma forma sustentável de reciclar o lixo, principalmente, do plástico, tão mal falado nos últimos tempos.
Há outras formas de aproveitamento em pirólise, como gaseificação para geração de energia elétrica, Fischer Tropsch para gerar gás de síntese e hidrogênio. Eu escolhi produção de combustíveis líquidos por uma questão particular das pequenas refinarias, que é a minha atuação profissional, mas há espaço para todos os tipos.
Aliás, considero que cada necessidade inspire um método de reciclagem. Se o foco ou a necessidade local é energia elétrica, que gere energia, e não produza combustível, e vice-versa.
É possível produzir gasolina nestas unidades, correto? Há diferenças em relação ao produto obtido como refinado de petróleo?
A partir do petróleo sintético gerado da pirólise dos plásticos, pode-se fracionar as correntes tradicionais do refino, como os gases, nafta, diesel e óleo combustível.
A fração de nafta sintética de plásticos, ao contrário da nafta mineral, apresenta características de alta octanagem pela presença de compostos aromáticos, ramificados e insaturados resultantes da despolimerização do plástico. Dessa forma, é uma nafta mais rica, que não necessita da adição de boosters de octanagem para a produção de gasolina A.
Outros parâmetros físico-químicos da gasolina A também são especificados, como a densidade, faixa de destilação, pressão de vapor, teor de enxofre e outros.
Mesclando o petróleo sintético com o mineral nas pequenas refinarias, se reduz um dos gargalos mais importantes e onerosos dessas unidades de refino que é a falta de nafta de alta octanagem (boosters) para composição da gasolina A, normalmente importado a um preço elevado.
Essa mesma nafta sintética também pode ser direcionada para a produção de solventes industriais, como aguarrás, com a mesma qualidade do solvente mineral.
Com relação ao diesel sintético de plásticos, ele apresenta um teor de enxofre praticamente nulo, pois não há presença de enxofre na estrutura molecular dos plásticos, resultando em um diesel dentro das especificações de enxofre S10, por exemplo.
Outro ponto muito importante é que se pode balancear os tipos de plásticos processados com vista no produto final a ser obtido, o que não é possível com o petróleo mineral, que possui uma composição praticamente fixa.
Sendo assim, pode-se maximizar a produção de nafta sintética de alta octanagem ou uma nafta mais parafínica para solventes, produzir mais óleo diesel ou mesmo óleo combustível, apenas alterando a composição média dos plásticos processados.
Ou seja, a gasolina e o diesel derivados da reciclagem de plásticos é algo que possivelmente poucos sabiam da existência no Brasil.
Esta é mais uma opção de oferta de combustíveis que podemos ver crescer no país, certamente. Não é preciso esperar pelo futuro, a tecnologia já existe em escala comercial.
“Qualquer local que tenha uma acessível disponibilidade de plásticos pode ser alvo de uma unidade de refino de petróleo sintético”, resume o engenheiro Mascolo.
[sc name=”newsletter” ]