Combustíveis

Fraude na mistura do biodiesel cresce depois de ampliação do mandato

Dados da ANP mostram que, a partir de 2023, quando foi retomado o aumento da mistura, número de constatação do descumprimento do mandato cresceram

Objetivo é adequar especificação do biodiesel puro e em misturas com o diesel a novas regulamentações.
Indústria do biodiesel e Petrobras divergem sobre regulamentação do diesel renovável

BRASÍLIA – A Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) registrou um aumento nos casos de adulteração do teor de biodiesel no diesel em 2024, acompanhado de uma maior ocorrência dos casos autuados.

Ano passado, 239 operações resultaram em autuações por descumprimento da mistura obrigatória, frente a 167 no ano anterior; e 85 em 2022.

Os números demonstram um número crescente de agentes, entre postos, bases de distribuidoras e de TRRs (transportadores), onde fiscais da ANP encontraram diesel com teor de biodiesel fora da norma. Foram 68 em 2020, 144 em 2023, e 202 em 2024

Os dados públicos da agência indicam que o aumento não se dá por aumento nas ações de fiscalização, mas, de fato, por uma maior predominância dos casos, que vêm crescendo desde 2022, época em que vigorava a mistura de 10%.

Os percentuais foram retomados, de forma escalonada, neste terceiro mandato do presidente Lula (PT) e, a partir de março, o biodiesel representará 15% do diesel B, vendido nos postos.

Como acontece a fraude

Usineiros e distribuidoras — que se queixam de uma competição desleal — vem pressionado o governo e a ANP pela execução de artigo incluído na lei 15.082/2024, que prevê o bloqueio da comercialização das empresas pelo não cumprimento do mandato de biodiesel.

O governo está trabalhando na edição de um decreto regulamentador. Recentemente, casos envolvendo empresas do segmento TRR (transportadores, revendedores retalhistas) foram apresentados ao governo.

Esse elo da cadeia atua no transporte e comercialização de grandes volumes de diesel para atendimento a rotas rodoviárias. As fraudes envolvem até mesmo a oferta de ‘diesel premium’, vendido como um diferencial pelo teor menor ou inexiste de biodiesel.

Amostras de cargas de diesel B dessas empresas resultaram em percentuais de biodiesel inferiores ao obrigatório.

Um fonte do setor ouvida pela agência eixos explicou que as empresas mandam o caminhão para o posto ou para um TRR com duas notas fiscais.

Em uma nota, é informada a transferência entre bases ou venda para outra distribuidora de diesel A (sem o biocombustível). Outra nota é emitida como carga de diesel B para o cliente final, de modo que, em uma eventual fiscalização, seria apresentada a nota do diesel puro, que está sendo transferido.

Segundo o agente ouvido pela reportagem, esta é uma fraude de difícil fiscalização, pois exige que detecção no elo final da cadeia de distribuição.

A comercialização do combustível com menor teor do biocombustível, que é mais caro do que o derivado fóssil, foi objeto de circular por parte do Sindicato Nacional do Comércio Transportador-Revendedor-Retalhista de Combustíveis (SindTRR) alertando para os riscos.

Em comunicado aos seus associados, o SindTRR advertiu para que as empresas “não se iludam” com ofertas de preços atraentes e adotem todos os cuidados na retirada do combustível na base de distribuição, além de exigir a amostra-testemunha, retirada de cada compartimento do veículo. A amostra serviria como prova de boa fé do TRR caso a fiscalização acusasse quantidade de biodiesel inferior à exigida.

Além da irregularidade sobre a mistura do combustível, a fraude também afeta a emissão dos créditos de descarbonização para os produtores de biodiesel, penalizando o mercado regular também no RenovaBio. Com a fraude, a meta é mascarada pela venda do diesel A como se fosse o diesel B.

O diretor de economia e assuntos regulatórios da Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais (Abiove), Daniel Furlan Amaral, explicou que, como o CBIO é gerado a partir da nota de venda, se há redução na comercialização, há menos créditos no mercado.

“A Abiove solicitou que a ANP realize um diagnóstico completo para identificar todos os possíveis fatores que possam estar gerando não conformidade na mistura. Por isso, reforçamos a urgência da regulamentação da lei e da definição clara, por parte da ANP, das informações necessárias para garantir a correta aplicação do dispositivo legal”, disse.

Redução de preço e aumento de margem

No fim do ano passado, o Instituto Combustível Legal (ICL) conduziu uma pesquisa direcionada a 154 postos nos estados de São Paulo e Paraná, em que 65 amostras de diesel B S10 tiveram alteração de qualidade.

Dessas, 55 apresentaram teor inferior a 13,5% e dez acima de 14,5%. Outras 17 amostras tiveram menos de 6% de biodiesel e nove amostras ficaram entre zero e um por cento. O próprio ICL coletou amostras, após suspeitas de aumentos de casos nesses estados.

Nos meses de novembro e dezembro, foram mais de 200 milhões de litros irregulares, pelas contas do grupo.

A fraude possibilita com que o consumidor final compre o diesel alguns centavos mais barato nos postos, além de aumentar a margem do posto. Nesse tipo de irregularidade, o revendedor pode ter de fechar as portas em caso de reincidência.

No passado, segundo a fonte ouvida pela agência eixos, esse tipo de fraude se concentrava no diesel importado. Nesses casos, algumas distribuidoras importavam e simulavam movimentação para proceder com a mistura nas bases.

Um exemplo ocorreu com os incentivos tributários concedidos pelo governo do Amapá e as liminares autorizando a importação sem impostos. Conforme foram caindo, a prática descontinuou, retornando recentemente com a alta nos preços, que se tornou um incentivo econômico ao risco.

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