Os que acompanharam os últimos 10 anos de debates em torno do gás natural no Brasil conseguem enxergar com clareza os enfrentamentos que aconteceram ao longo das discussões mais recentes e os interesses que se reagrupam, agora no Senado Federal, para modificar a lei e seus resultados.
Neste momento, é muito importante deixar o tecnicismo de lado para mostrar quais são as escolhas por trás do projeto. O governo, como um todo, e os setores da indústria de gás, transportadores e produtores confirmam o entendimento consolidado na Câmara até agora, de que o projeto enviado ao Senado – agora chamado de PL 4476/2020 – é o melhor caminho possível para o futuro do mercado de gás no Brasil.
A Nova Lei do Gás tem um eixo consistente: substituir o monopólio estatal federal por um ambiente de decisões privadas de investimento. Esta é a maneira mais efetiva de garantir que a oportunidade do gás do pré-sal e do mercado internacional ofertante resulte em preços competitivos, promovendo a retomada da economia com benefícios que vão da produção nacional de fertilizantes ao barateamento do botijão de gás, alcançando todas as cadeias produtivas nacionais.
O documento que saiu da Câmara e que está em discussão no Senado Federal desburocratiza e facilita o acesso aos sistemas de escoamento, tratamento e transporte atuais, hoje com capacidade ociosa, e promove a sua expansão, inclusive da importante atividade de armazenamento de gás, de forma simplificada. Também permitirá o acesso aos terminais de GNL, inserindo o Brasil, de forma competitiva, no mercado internacional, hoje com sobreoferta de gás. A Nova Lei traz uma visão de futuro, criando um grande mercado nacional diverso, com muitos ofertantes e compradores, facilitando o modelo de utilização dos gasodutos e confirmando os poderes reguladores da ANP e do CADE, no enfrentamento de abusos de poder nesse novo mercado, competitivo e privado. Esta é uma solução que dispensa recursos públicos, obviamente inexistentes nesse ciclo pós-pandemia, e evita quaisquer subsídios, seja dos contribuintes, dos próprios consumidores de gás ou de energia elétrica, que possam gerar distorções nos custos.
Durante todos esses anos de diálogo democrático, cada segmento abriu mão de um conjunto de interesses específicos que resultaram em uma convergência em torno de uma proposta moderna o suficiente para a transformação de que o país precisa. Ainda existem pontos que não avançaram, mas que poderiam trazer dificuldades na aprovação. E, por isso, importantes setores da economia decidiram impulsionar um projeto comum, em vez de disputar espaço por suas demandas específicas.
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O texto já aprovado na Câmara até poderia ter sido mais ousado em relação às regulações estaduais de gás, mas o relator foi sábio ao confirmar que, por opção da Constituição Federal, cada estado deve escolher o grau e a intensidade de sua transformação no setor de gás. As regulações estaduais de gás hoje refletem um modelo do passado, que ainda assegura à maioria dos seus investidores um lucro de 20% real ao ano, depois de descontar inflação e abater impostos, incidindo inclusive sobre os custos das concessionárias.
Mas, se o projeto já traz todas essas vantagens, por que ainda há quem pretenda modificá-lo? O melhor é indagar quem pretende transformá-lo? Ora, são justamente as forças que trabalham contra o que há de mais importante na proposta: a criação de um mercado competitivo e sem privilégios e subsídios. Os questionamentos feitos ao projeto, de um lado buscam retirar o papel da ANP de evitar o surgimento de monopólios regionais e permitir a verticalização do setor, fazendo com que o mesmo investidor se posicione em diferentes elos da cadeia e maximize o seu resultado global, em detrimento da competição. Ironicamente, essa proposta transformaria o projeto que encerraria o ciclo do grande monopólio nacional naquele que divide o Brasil em “capitanias hereditárias do gás”.
Há também quem defenda a obrigatoriedade da construção de usinas termelétricas que funcionariam de forma ininterrupta, as chamadas “térmicas inflexíveis” e seriam localizadas pelo interior do Brasil para custear, na tarifa de energia elétrica, o investimento na construção de gasodutos, viabilizando projetos de transporte e distribuição de gás, que hoje não passam de registros em cartórios. Em outras palavras, seriam mais um peso na tarifa de energia, hoje afundada em custos invisíveis e evitáveis.
Esse modelo tenta vender a ideia que o grande benefício que o gás pode trazer para o Brasil é a universalização dos tubos que o transportam e não dos seus benefícios para a sociedade: energia mais barata, preços mais competitivos para a produção.
O mercado que vem sendo defendido por interesses que trabalham contra a Nova Lei do Gás irá prejudicar muito especialmente os estados do Nordeste, que já têm suas redes de gás e que, hoje, têm na produção de energia limpa e renovável, um vetor de seu desenvolvimento. Em outras palavras, trocamos a expansão das energias eólica e solar pela geração a gás, sem uma escolha por mérito e sem competição entre as fontes e em um cenário onde a expansão de geração não se justifica ainda.
Se pautada de forma correta e transparente, essa discussão levará à aprovação da Nova Lei do Gás no Senado. Junto com o Marco do Saneamento, esta será a grande contribuição do Congresso Nacional para a recuperação da economia brasileira. Seus efeitos trarão 4 milhões de novos empregos ao país e promoverão investimentos superiores a R$ 60 bilhões ao ano na expansão da indústria do gás e do setor industrial brasileiro, consumidor de gás natural.
Paulo Pedrosa lidera o movimento Gás para Sair da Crise, que reúne mais de 60 associações da indústria em defesa da abertura do mercado e coordena o Fórum do Gás. É presidente da Associação Brasileira dos Grandes Consumidores Industriais de Energia e de Consumidores Livres, ABRACE.
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