Opinião

As termelétricas a hidrogênio e a confiabilidade do sistema elétrico 

ONS alerta para fragilidade do sistema e defende mais flexibilização; leilão de reserva de capacidade deve priorizar diversidade energética, escreve Edvaldo Santana

Edvaldo Santana é ex-diretor da Aneel e especialista em regulação do setor elétrico (Foto Vini Goulart)
O ex-diretor da Aneel Edvaldo Santana é especialista em regulação do setor elétrico | Foto Vini Goulart

Os números não mentem. Já não há dúvida quanto à deterioração da confiabilidade do sistema elétrico, tampouco quanto às causas. Basta uma olhada no último Plano de Operação Elétrica de Médio Prazo, conhecido como PAR/PEL 2025-2028, para verificar as constatações do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS).

Métricas como a observabilidade, controlabilidade e suportabilidade “estão aquém do necessário”, o que é destacado pelo operador do sistema logo na primeira página do documento.

O setor elétrico, desde 2015, tem passado por uma transformação bastante positiva, que é a inserção da geração distribuída (GD), que descentralizou de forma excepcional a oferta de eletricidade, com a louvável autonomia de o consumidor produzir a energia que utiliza.

Em 2024, para uma capacidade instalada de geração de 230.000 megawatts (MW), a carga líquida atendida pelo Sistema Interligado Nacional (SIN), às 13h do dia 11 de agosto (um domingo), era de apenas 41.412 MW, quando a carga bruta, no mesmo horário, era cerca de 64.000 MW. A rampa do fim da tarde, no mesmo dia, foi de quase 45.000 MW, em três horas, quase 60% supridos pelas hidrelétricas.

A oferta ficou excessivamente inflexível. E, por enquanto, as hidrelétricas, têm dado conta do recado.

Por isso, a flexibilidade, e não a energia, passou a ser o fator escasso, e essencial, razão pela qual está previsto ainda para este um novo leilão de reserva de capacidade (LRCAP). Em tal leilão, pelo que se verifica nos documentos já publicados, a flexibilidade é o principal atributo exigido.

Tecnicamente, o armazenamento em baterias, resposta da demanda, hidrelétricas e termelétricas (UTE) a gás natural e a óleo, nesta ordem, são as fontes que promovem mais flexibilidade. No Brasil, devido à oferta imediata e ao maior conhecimento da tecnologia, essa ordem é invertida, o que faz algum sentido.

É importante verificar que uma UTE que usa hidrogênio tem características semelhantes às de uma UTE a gás, com vantagem da não emissão de gases de efeito estufa.

Porém, se todas as fontes podem atender às exigências do ONS, que, em síntese, consiste em adicionar flexibilidade ao sistema, a competição deveria ser pelo preço, prazo e duração da resposta. Com um detalhe: para não privilegiar uma ou outra fonte, o custo dos subsídios devem ser explícitos e fazer parte do preço.

Dizendo de outra forma, se o hidrogênio pode ser um combustível apto a participar do certame e as baterias se acham competitivas, o único subsídio permitido seria o da fonte de geração utilizada para a eletrólise, no primeiro caso, ou o armazenamento da eletricidade, no segundo, mesmo se esse subsídio já é garantido por lei.

O que não parece razoável é criar barreira burocráticas à participação de uma ou outra fonte, sobretudo das limpas e renováveis, embora seja evidente a maior atratividade das UTEs convencionais e das UHEs.

Alguns exemplos: já há casos de microssistemas (microgrides) formados por solar, UTEs e baterias, que operam isolados da rede. Também já existe pelo menos uma distribuidora que, para manter maior confiabilidade, instalou baterias em alguns pontos da rede.

Não há ainda conhecimento de uma aplicação real no Brasil, por isso é surpreendente. Mas já existe pelo menos um caso bem avançado do uso do hidrogênio como combustível para acionar uma UTE a ciclo combinado associado a produção de metanol a partir de CO2, capturado da queima de biomassa. Isso asseguraria a flexibilidade exigida pelo ONS, com a interessante associação de dois produtos finais.

Se tudo isso é possível, e os empreendimentos que não emitem gases de efeito estufa, como dito alhures, podem competir pelo preço, prazo e duração da resposta, parece não fazer sentido as barreiras à participação do leilão. Se esses ativos serão vencedores, não será tarefa fácil, mas pelo menos aumentarão a competição, com boa perspectiva de redução do preço — que será muito elevado.

Este artigo expressa exclusivamente a posição do autor e não necessariamente da instituição para a qual trabalha ou está vinculado.


Edvaldo Santana é doutor em engenharia de produção, ex-diretor da Aneel e especialista em regulação do setor elétrico.

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