Opinião

LRCAP: seria a hora e a vez dos “poços vazios” de usinas hidrelétricas?

Leilão de potência previsto para junho pode adicionar até 7.240 MW ao SIN e impulsionar novas unidades geradoras, escrevem Fabiola Sena, Cristiane Araújo, Marcelo Loureiro, Nathália Nóbrega e Andressa Farias

Vista das obras da UHE Belo Monte, a maior hidrelétrica 100% brasileira, localizada na bacia do Rio Xingu, próximo de Altamira, no Pará. Com capacidade instalada de 11.233 MW, o suficiente para 60 milhões de pessoas ou cerca de 10% da demanda nacional (Foto Divulgação)
UHE Belo Monte (11.233 MW), localizada na bacia do Rio Xingu, próximo de Altamira/PA, tem capacidade para atender 60 milhões de pessoas ou cerca de 10% da demanda nacional | Foto Divulgação

O setor elétrico costuma experimentar algo bastante inusitado nos dias 31 de dezembro: a edição de instrumentos regulatórios de grande relevância para o mercado. E a tradição se manteve em 2024, visto que foi publicada a Portaria Normativa 96/GM/MME/2024, estabelecendo as diretrizes para o LRCAP 2025 (Leilão de Reserva de Capacidade na forma de Potência de 2025).

O leilão está previsto para ser realizado dia 27 de junho e serão negociadas duas grandes categorias de produtos: (i) Potência Termelétrica (9 produtos diferentes) e (ii) Potência Hidrelétrica (1 produto). O objetivo do presente artigo é explorar os desdobramentos da segunda categoria.

Segundo a Portaria, no “Produto Potência Hidrelétrica 2030”, “poderão participar empreendimentos de ampliação de capacidade instalada, por meio da instalação de novas unidades geradoras, de usinas hidrelétricas existentes despachadas centralizadamente”, ou seja, a ampliação de potência não pode advir de repotenciação/modernização de unidades geradoras existentes

Vamos traduzir?

Para participar do leilão, o empreendedor deverá instalar pelo menos uma nova unidade geradora na usina hidrelétrica existente. É aí que entra o termo “poço vazio”. São espaços na infraestrutura da usina que foram construídos com vistas à futura utilização. Uma espécie de “espera” para a instalação de unidades geradoras adicionais.

Ainda segundo a Portaria, poderão participar hidrelétricas existentes “que não foram prorrogadas ou licitadas nos termos da Lei nº 12.783, de 11 de janeiro de 2013, exceto aquelas que foram licitadas no regime de cotas e que tem parte da garantia física fora desse regime, conforme disposto no art. 2º-A da Lei nº 9.478, de 6 de agosto de 1997.

Ou seja, a usina que participa do regime de cotas (prorrogada ou licitada), instituído pela famigerada MP 579, não poderá participar do leilão, mas calma… A geradora cotista poderá, sim, entrar no certame desde que tenha parte da sua garantia física comercializada fora do regime de cotas.

Além dessas regras, há outros dois requisitos de elegibilidade muito importantes:

  1. A ampliação deverá agregar capacidade adicional de potência despachável ao Sistema Interligado Nacional (SIN), conforme metodologia definida pela Empresa de Pesquisa Energética (EPE); e
  2. Caso a usina tenha se sagrado vencedora em algum leilão regulado (CCEARs, CERs ou CRCAPs), o contrato regulado não poderá estar vigente em período de suprimento coincidente (ainda que parcialmente) ao produto do LRCAP 2025 (de 1º de julho de 2030 a 30 de junho de 2045).

Outro ponto relevante trata-se da garantia física relativa à ampliação, que será calculada pela EPE com base na metodologia da Portaria 406/GM/MME/2017. 

Embora não sejam esperados volumes vultosos de garantia física adicional, as ampliações nunca aconteceram justamente porque esses adicionais de garantia física (e de receita contratual) não foram capazes de viabilizar tais expansões.

Ainda assim, as usinas cotistas na modalidade licitada devem considerar que seu ganho de garantia física deverá respeitar o percentual estabelecido no art. 2º-A, inciso III, alínea “a”, da Lei 9.478/1997 (ou seja, mínimo de 70% ao ACR). 

Considerando-se a importância da receita associada à garantia física na modelagem econômico-financeira do projeto de ampliação, é essencial que tal valor seja divulgado ao empreendedor antes do LRCAP, de forma que eventual benefício seja refletido no bid do leilão.

Feito esse preâmbulo com as principais regras do LRCAP 2025, fica a pergunta: afinal, qual é a oferta elegível para o Produto Potência Hidrelétrica do LRCAP? Quanto mais oferta elegível, maior o número de participantes, maior é a competição e melhores preços para o consumidor!

Segundo levantamento da EPE, existem 12 usinas com poços vazios, com potencial para adicionar 7.240 MW ao SIN. 

Esses poços configuram-se em três níveis construtivos: (A) principais estruturas totalmente implantadas para unidades adicionais, (B) principais estruturas parcialmente implantadas para unidades adicionais e (C) estruturas a serem implantadas para as unidades adicionais. O detalhamento dessas usinas está apresentado na Figura 1.

Figura 1: Potência Disponível em Poços Vazios de Hidrelétricas

Dessas usinas, há seis usinas em regime de cotas:

  1. Três Irmãos (Furnas): que estará totalmente descotizada em 2027;
  2. Itaparica (Chesf): que estará totalmente descotizada em 2027;
  3. Jaguara (Engie): com cotas licitadas em 2017;
  4. São Simão (Spic): com cotas licitadas em 2017;
  5. Xingó (Chesf): que estará totalmente descotizada em 2027;
  6. Três Marias (Cemig): com cotas licitadas em 2015.

Uma parte da potência apresentada na Figura 1 é relativa a usinas com outorga expirando em data próxima ao início do suprimento do contrato (1º de julho de 2030). 

Cerca de 1.000 MW desses poços vazios pertencem a usinas com outorgas findando até 2032: Cachoeira Dourada (2029), Salto Santiago (2030), Rosana (2032) e Taquaruçu (2032). Embora não configure uma inelegibilidade, o empreendedor pode perder o interesse em participar do leilão em função do risco de que a nova outorga não permaneça consigo.

Outra regra de elegibilidade é que eventuais contratos regulados não poderão estar vigentes em período de suprimento coincidente (ainda que parcialmente) ao produto do LRCAP 2025.

Avaliação econômica da ampliação de hidrelétricas

Para responder à pergunta do título do artigo, a FSET realizou a avaliação econômico-financeira de um projeto de ampliação de uma usina hidrelétrica hipotética, com as seguintes premissas:

  • A usina localiza-se no submercado Sudeste;
  • A potência atual da usina é de 1.000 MW;
  • A ampliação analisada consiste em uma unidade geradora de 200 MW;
  • A usina não é cotista e não possui qualquer tipo de contrato regulado;
  • A concessão da usina vence após o prazo do CRCAP;
  • A usina está conectada em barramento que possui margem de escoamento disponível para a potência da ampliação; e
  • Não foi considerado incremento real na TUST em função da ampliação e seus efeitos no sistema.

Foram modeladas duas categorias de receitas:

  1. Receita advinda do LRCAP 2025 — ou seja, do bid do leilão; e
  2. Receita advinda da comercialização da garantia física — foram modelados três níveis de ganho de garantia física associado à ampliação: 20 MW médios, 10 MW médios e zero MW médios.

Para os fins da análise, não foram consideradas quaisquer receitas oriundas de serviços ancilares e de exportação de energia. 

Os dados de capex e opex utilizados neste estudo simplificado foram baseados nas informações disponíveis no Caderno de Custos de Geração e Transmissão do Plano Decenal de 2034 da EPE: capex aproximado de R$ 12.000,00/kW e opex estimado em R$ 50,00/kW ano. 

Considerando-se que o capex associado à ampliação corresponde basicamente aos investimentos relacionados a turbina-gerador, reforços na linha de transmissão e na subestação de uso exclusivo, foi utilizado um capex estimado em 32% do valor integral.

Os principais achados das análises de sensibilidade no modelo econômico-financeiro proprietário da FSET são:

  • A competitividade do projeto no leilão é bastante sensível em relação à estrutura de capital (BNDES, debêntures e capital próprio). Nesse sentido, a divulgação da possibilidade de financiamento via BNDES é um tema bastante relevante e um posicionamento público do banco poderá reduzir incertezas e melhorar o resultado do leilão para o consumidor.
  • A análise de sensibilidade do ganho de garantia física indica que: a cada 5% de ganho de garantia física é possível reduzir o bid em aproximadamente 10% para manter a mesma TIR. Dito isso, é imprescindível que a EPE calcule de forma tempestiva as garantias físicas associadas às ampliações, de forma que esse eventual benefício seja refletido nos bids do leilão.
  • As análises com o modelo financeiro indicam que projetos de expansão são mais sensíveis aos custos que projetos de usinas inteiras. Nesse sentido, o EUST (Encargo de Uso do Sistema de Transmissão) mostrou-se fator preponderante na competitividade do projeto. O modelo indica que os custos com transmissão podem drenar entre 10% e 20% da receita associada ao bid. 
  • Foi avaliada uma análise de sensibilidade considerando uma indisponibilidade com redução de 5% na receita do CRCAP. Tal indisponibilidade reduziu a TIR do projeto em aproximadamente 8%.
  • Outras penalidades associadas ao atendimento ao despacho serão mais detalhadas no Edital e na minuta do CRCAP, que podem impactar a modelagem financeira.

É importante ressaltar que a análise aqui apresentada deve ser detalhada caso a caso, considerando as especificidades de cada projeto: capacidade instalada, garantia física, ponto de conexão, tarifas de uso do sistema, montantes de uso, estrutura de capital, detalhamento do capex e otimização do opex.

No entanto, as análises realizadas mostram que, a depender das premissas, o LRCAP de 2025 pode ser um importante viabilizador para os “poços vazios” de usinas hidrelétricas.

Saiba mais: O que você precisa saber sobre o LRCAP 2025?

O primeiro Leilão de Reserva de Capacidade foi realizado em 2021. Naquela ocasião, foram oferecidos dois produtos: um na forma de energia e outro na forma de potência, para empreendimentos novos e existentes, cujo recurso era exclusivamente direcionado para as termelétricas.

Já no LRCAP 2025, a novidade é a participação das hidrelétricas, além das termelétricas sem inflexibilidade operativa, com recurso de gás natural e de biocombustível.

O cálculo da Receita Fixa será de responsabilidade do vendedor, devendo considerar a taxa interna de retorno do investimento, custos operacionais, além dos custos de manutenção e eventuais investimentos ao longo de todo o contrato. 

O vendedor receberá pela disponibilidade da potência contratada e fará jus de uma Receita Fixa (RF), em R$/ano, atualizada anualmente pelo IPCA e dividida em 12 parcelas mensais, as quais poderão ser reduzidas conforme a apuração do desempenho operacional. 

Já o montante de energia associada à geração da usina será recurso do vendedor e poderá ser livremente negociado, nos termos das regras de comercialização — que permite a associação de uma receita variável ao empreendimento. 

Além disso, a geração que ultrapassar os parâmetros de flexibilidade operativa, declarados na participação do LRCAP, será valorada ao Preço da Liquidação das Diferenças (PLD).

Entretanto, o risco à incerteza do despacho será alocado ao vendedor, incluindo a quantidade de partidas e paradas das máquinas, com exceção das hidrelétricas, quando da ausência de recurso hídrico disponível ao despacho de suas unidades geradoras.

Fique atento: a não entrega da potência requerida pelo Operador Nacional do Sistema (ONS) por empreendimento termelétrico, quando do despacho de geração para atendimento de potência, ou a indisponibilidade da unidade geradora hidrelétrica, implicará a redução percentual de 1% da parcela mensal de RF para cada hora, aplicada de forma proporcional ao montante de potência não entregue — no caso das termelétricas, ficando a redução total limitada a 30% para cada mês de apuração.

Tais penalidades podem impactar consideravelmente o empreendedor, colocando em risco a saúde financeira da empresa, caso este não desenvolva um modelo financeiro assertivo ante a sua participação no LRCAP.

Datas importantes do LRCAP 2025:

  • O cadastramento e habilitação técnica dos empreendimentos na EPE vai até 14 de fevereiro de 2025. O agente também tem até de 14 de fevereiro para enviar à EPE o parecer emitido pela ANP sobre a viabilidade do fornecimento de gás.
  • A Nota Técnica de Quantitativos da Capacidade Remanescente do SIN para Escoamento de Geração deverá ser publicada pelo ONS até 21 de março de 2025.
  • Os titulares de empreendimentos que possuem CUST/D assinados deverão apresentá-los à EPE em até 75 dias antes da realização do Leilão (até 13 de abril de 2025).
  • A publicação da sistemática do leilão pelo MME e a Consulta Pública do Edital e da minuta de CRCAPs pela Aneel devem acontecer nos próximos meses.
  • Depois da publicação da versão final do Edital e do CRCAP pela Aneel, a CCEE irá operacionalizar o leilão, previsto para 27 de junho de 2025.

Este artigo expressa exclusivamente a posição dos autores e não necessariamente da instituição para a qual trabalham ou estão vinculados.


Fabiola Sena, Cristiane Araújo, Marcelo Loureiro, Nathália Nóbrega e Andressa Farias fazem parte da FSET Consultoria em Energia.

Inscreva-se em nossas newsletters

Fique bem-informado sobre energia todos os dias