Novos empregos, velhos padrões

80% dos novos empregos na economia de baixo carbono serão em setores dominados por homens, segundo relatório do Banco Interamericano de Desenvolvimento

Novos empregos, velhos padrões. Na imagem: Mulher trabalha em parque eólico na África do Sul (Foto: Global Wind Energy Council)
Trabalhadora em parque eólico na África do Sul (Foto: Global Wind Energy Council)

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Diálogos da Transição

Editada por Nayara Machado
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Até 2030, mudanças estruturais na produção e nos padrões de consumo podem resultar em mais de 15 milhões de novos empregos na América Latina e Caribe, em comparação com um cenário business-as-usual.

Entretanto, cerca de 80% desses novos empregos criados pela agenda de descarbonização serão em setores hoje dominados por homens. Mulheres não serão beneficiadas pela criação de empregos, a não ser que a pauta de equidade de gênero também entre nessa agenda.

Os dados são do relatório Jobs in a net-zero emissions future in Latin America and the Caribbean, do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID).

De acordo com o documento, o preconceito de gênero se reflete na alta proporção de homens empregados no agro (onde está o maior potencial para descarbonização na AL) – em 2018, dos mais de 39 milhões de trabalhadores empregados neste setor, apenas 22% eram mulheres.

No cenário de transição para economia de baixo carbono previsto pelo BID – e levando em conta os perfis de trabalho vigentes –, as vagas tipicamente masculinas ganharão 18,5 milhões de posições, e perderão 6 milhões até 2030. Ocupações que empregam mais mulheres terão um ganho de 4 milhões de vagas e uma perda de 1,5 milhão.

“Em termos relativos, ocupações femininas e dominadas por homens vão experimentar perdas semelhantes (cerca de 2%), mas ocupações dominadas por homens irão desfrutar um ganho de emprego proporcional maior (6,3%) em comparação com as dominadas por mulheres (4,3%)”, analisa a instituição.

No mundo e no setor energético, o padrão se repete

As mulheres representam apenas 21% da força de trabalho da energia eólica, em comparação com 32% nas energias renováveis em geral e 22% nas indústrias de energia tradicionais, como petróleo e gás.

Além disso, no segmento energias renováveis, a participação das mulheres em áreas de ciência, tecnologia, engenharia e matemática é muito menor do que em áreas administrativas, aponta a Agência Internacional de Energia Renovável (IRENA).

O estudo Wind energy: A gender perspective, da IRENA, mostra que as percepções dos papéis de gênero e das normas sociais e culturais formam uma grande barreira à igualdade de gênero.

“As disparidades no local de trabalho refletem caminhos educacionais e redes de recrutamento que permanecem fortemente orientadas para os homens”, diz a agência.

As mulheres já são a maioria entre os trabalhadores com maior grau de qualificação superior em diversas partes do mundo, inclusive no Brasil. Mas isso não se reflete na proporção de acesso a espaços de poder ou remuneração – no Brasil, elas ganham 41% a menos que eles.

As disparidades começam na educação primária, com meninas sendo direcionadas para atividades relacionadas ao cuidado e desestimuladas a se interessar por matemática ou outras disciplinas das ciências exatas.

E avançam até chegar ao mercado, quando é preciso lidar com preconceito sobre capacidades técnicas, diferenças salariais, responder sobre a intenção ou não de ter filhos e, eventualmente, a redução a categorias como “musa” ou “baranga”.

Outro fator é a escassez relativa de modelos femininos no setor, mentoria e redes para mulheres.

Para garantir que todos se beneficiem das oportunidades socioeconômicas criadas pela transição energética, o setor deve ser acessível para mulheres, jovens e minorias.

Tanto o BID quanto a IRENA indicam que o caminho para uma transição justa passa pelo acesso à educação e treinamento, esforços de integração, redes de mentorias, melhores condições de trabalho, e equilíbrio trabalho-vida, o que requer políticas e ações como:

  • Direitos trabalhistas que garantam oportunidades iguais a mulheres e homens;
  • Acesso à licença maternidade e licença parental;
  • Políticas de cuidados infantis, com apoio para aprendizagem ao longo da vida;
  • Criação de ambiente propício para mulheres empresárias; e
  • Ampliação da participação no diálogo social.

A IRENA está liderando a iniciativa Sustainable Energy Jobs Platform, lançada em janeiro, para estudar as implicações de uma transição energética justa.

O foco é conectar políticas de trabalho e energia com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da ONU, com foco em três dos 17 ODS: equidade de gênero e empoderamento, acesso à energia moderna, limpa e sustentável e crescimento inclusivo e trabalho decente.

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Curtas

O movimento Sim, Elas Existem estreia coluna quinzenal, assinada por mulheres especialistas em energia. “A ideia da coluna é lançar um holofote sobre mulheres que, apesar de não serem tão conhecidas pelo setor ou de não ocuparem os cargos mais altos, conhecem de energia e tem muito a agregar ao debate público”, escrevem Agnes da Costa e Renata Isfer no artigo de estreia.

O que muda na gestão empresarial quando se emite um título temático, como os títulos verdes, sociais e sustentáveis? Laura Albuquerque, gerente técnica da WayCarbon, escreve sobre os aspecto de governança para emissão desses títulos, que movimentam bilhões de dólares no Brasil.

O projeto USP Cidades Globais lançou um Guia Verde (.pdf)  para orientar políticas públicas, com foco nas eleições municipais. “Nosso objetivo é que o gestor tenha à sua disposição os itens relacionados ao desenvolvimento sustentável e a indicação do que foi produzido como ciência a esse respeito”, afirma Marcos Buckeridge, um dos coordenadores do trabalho ao Estadão.

O plantio de soja na safra 2020/21 está atrasado, de acordo com a consultoria AgRural, devido à estiagem e às altas temperaturas nas regiões produtoras. Até 8 de outubro, alcançou 3,4% da área estimada para o período, rimo mais lento dos dez últimos anos. Reuters

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