Nos últimos anos, a Petrobras vem se desfazendo de um variado conjunto de ativos, envolvendo campos de petróleo, usinas de energia eólica, usinas térmicas e de produção de biocombustíveis, grandes refinarias, gasodutos, participações na distribuição de gás nos estados, indústrias de fertilizantes e investimentos no exterior.
Já foram vendidos ou estão à venda empresas e campos de petróleo nos Estados Unidos, Uruguai, Colômbia, Argentina, Paraguai e também na África. Estão sendo ofertados mais de uma centena de campos de petróleo localizados em terra nos estados do Amazonas, Rio Grande do Norte, Bahia, Ceará, Espírito Santo e Alagoas.
No mar, a companhia está se desfazendo de campos de petróleo em águas rasas (até 300 metros de profundidade), nas bacias de Campos e Santos, e nos estados do Rio Grande do Norte e Alagoas. Também estão sendo colocados à venda campos localizados em águas profundas, nas bacias marítimas de Campos, Santos e Sergipe-Alagoas.
Os campos à venda em águas rasas, descobertos a partir da década de 1970, tiveram papel histórico no desenvolvimento tecnológico da Petrobras, ao preparar o caminho para o sucesso da empresa nas descobertas de petróleo em águas profundas, a partir dos anos 1980, e no pré-sal, a partir de 2006.
As vendas de ativos da Petrobras começaram em 2015, e têm como objetivo declarado reduzir a pesada dívida da empresa. Parte dos desinvestimentos não foi resultado de decisão da companhia, mas decorreu de acordos assinados com o CADE para a redução de sua participação nos mercados de gás natural e de refino de petróleo, visando à promoção de maior concorrência nesses mercados e à queda nos preços do gás.
O conhecimento, naquele ano, de sua real condição financeira, confirmou a situação de desequilíbrio decorrente de pesados investimentos nas antigas refinarias, na implantação de novas refinarias e no pré-sal: a dívida líquida havia saltado de US$ 8,7 bilhões, em 2006, para US$ 106 bilhões em 2014.
A forte elevação se refletiu na piora dos indicadores financeiros: a dívida em relação aos lucros anuais da empresa antes dos impostos, juros, depreciação e amortizações (Ebitda), que em 2010 era igual a 1,1, elevou-se para 4,8 em 2014.
Mesmo com índice de endividamento elevado, a Petrobras vinha conseguindo, até então, manter sua capacidade de levantar empréstimos para rolar as dívidas e ampliar os investimentos, graças às descobertas de campos gigantes de petróleo no pré-sal, e ao elevado preço internacional do petróleo até o terceiro trimestre de 2014.
A partir desse ano, porém, diversos acontecimentos negativos atingiram a companhia. Os lucros médios, que foram de US$ 20,1 bilhões em 2010-2011, e US$ 11,1 bilhões, em 2012-2013, passaram a prejuízos de US$ 6,9 bilhões, em média, de 2014 a 2016, como reflexo dos controles nos preços dos combustíveis pelo governo federal, que ocorriam desde 2011, e da forte queda nos preços internacionais do petróleo em 2015-2016.
No ano de 2014 foi também revelada, por investigações da operação Lava Jato, a existência de um esquema de desvios de recursos na empresa, que agia desde 2004, e que afetou profundamente sua credibilidade, especialmente no mercado financeiro.
As revelações da situação financeira da Petrobras tornaram insustentável a manutenção dos níveis de endividamento. A amortização da dívida e o pagamento dos juros se tornaram um fardo que inviabilizou a continuação do levantamento de empréstimos no mercado financeiro internacional para financiar o desenvolvimento dos campos do pré-sal.
Ainda hoje o pagamento de juros representa um peso nos compromissos da companhia, consumindo 35% dos recursos gerados pelas suas operações.
A queda nos investimentos foi extremamente danosa para a Petrobras nos anos seguintes. A companhia havia planejado, em 2014, implantar nos campos de petróleo, até 2020, 35 grandes sistemas de produção, isto é, plataformas de extração de petróleo e gás, com dezenas de poços de petróleo cada uma, com todos os equipamentos submarinos necessários, com custos de bilhões de dólares cada sistema.
Com a diminuição dos recursos disponíveis, não mais do que 18 sistemas foram efetivamente implantados de 2014 a 2020. Como resultado, a produção de petróleo projetada para 2020, de acordo com o Plano de Negócios de 2014-2018, despencou de 4,2 milhões de barris/dia para 2,8 milhões; esse segundo volume foi calculado em 2015, quando se avaliou melhor os impactos financeiros na Petrobras dos desvios de recursos e da queda nos preços do petróleo.
Os números permitem concluir que a era inicial do pré-sal foi um período de pouca prudência nos investimentos da Petrobras, especialmente em grandes refinarias; foram realizados com base em endividamento que se tornaria insustentável se as condições internacionais do petróleo mudassem, como de fato ocorreu.
Recentemente, novas decisões da Petrobras confirmaram a necessidade de continuação da estratégia adotada de redução da dívida. A companhia anunciou a inclusão de novos ativos para venda, e a diminuição nos investimentos planejados em Exploração e Produção para US$ 40-50 bilhões, no período 2021-2025, ante US$ 64 bilhões planejados no Plano Estratégico anterior (2020-2024).
As decisões mostram cautela da companhia com seus índices financeiros e com o montante da dívida, dado o comportamento imprevisível da demanda e dos preços do petróleo nos próximos anos.
Por outro lado, as receitas obtidas com as vendas de seus ativos, de 2015 até o segundo semestre de 2020, tiveram o efeito de diminuir para 2,3 a relação dívida líquida/lucros (Ebitda).
Em continuação à melhoria do índice, a Petrobras planejou reduzir a relação para 1,5 até o final de 2021, para igualar com os melhores índices apresentados pelas grandes petroleiras internacionais. A Petrobras compete em preços com as empresas multinacionais do setor no mercado de petróleo e derivados no Brasil, aberto aos concorrentes para importações.
Assim, não há outra estratégia a ser seguida senão procurar melhorar a saúde financeira da empresa, diante de preços do petróleo que permanecem em níveis historicamente baixos.
A continuação da venda de ativos da Petrobras não tem como focos exclusivos a redução do endividamento e maiores investimentos nos campos de petróleo do pré-sal. Há um fator que não está sendo considerado pelos que criticam a política de vendas de ativos não pertencentes à sua área mais lucrativa e em que detém maior vantagem relativa, isto é a exploração e produção de petróleo.
O setor de energia no mundo está em fase de transição, com a substituição paulatina do petróleo por fontes mais limpas, menos poluentes. As preocupações com o aquecimento do planeta vão levar os investimentos em energia a se concentrarem cada vez mais em energias renováveis. O setor de petróleo já está em ambiente de incerteza sobre quando começará a diminuir a demanda global por essa fonte energética, após a superação da atual queda decorrente da pandemia que atingiu o mundo.
A Petrobras dispõe de reservas imensas no pré-sal, algumas ainda inexploradas. Concentrar a geração de receitas em ativos mais produtivos e de menor custo, como os campos de petróleo e gás em águas profundas e ultraprofundas, especialmente do pré-sal, é uma decisão estratégica da Petrobras com olhos no futuro.
O custo para extrair um barril de petróleo nas áreas mais produtivas do pré-sal é de cerca de US$ 5, isto é, abaixo de um terço do custo de extração em terra e em águas rasas. Se o preço do petróleo não voltar ao nível anterior que prevaleceu em 2018-2019 (US$ 65 – US$ 70 o barril), a tendência, a médio prazo, é a permanência no mercado de somente as petroleiras com baixos custos de produção.
Com dívida menor e custos de produção de petróleo e gás capazes de suportar reduções nos preços internacionais, a Petrobras se prepara para um futuro instável para as companhias produtoras de petróleo. Aumentar a resiliência com a venda de ativos menos produtivos, ao contrário dos que enxergam no movimento de vendas de seus ativos o enfraquecimento da companhia, é uma questão de fortalecimento da Petrobras no futuro.
José Mauro de Morais é especialista em petróleo e energias renováveis no Ipea – Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada. E autor do livro Petróleo em Águas Profundas.
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