Disputa no Ártico

Minerais críticos, óleo e gás são pano de fundo para interesse de Trump pela Groenlândia 

Serviço Geológico dos EUA estima que existam 31,4 bilhões de barris de petróleo não descobertos na ilha sob domínio da Dinamarca

Minerais críticos, óleo e gás são pano de fundo para interesse de Trump pela Groenlândia
Ex-presidente dos EUA de 2016 a 2020, Donald Trump foi reeleito para assumir em 2025 | Foto Shealah Craighead/White House

RIO – “MAKE GREENLAND GREAT AGAIN!”, postou o presidente recém diplomado dos Estados Unidos, Donald Trump, em sua rede social, fazendo referência ao famoso jargão de campanha “Make America Great Again (MAGA)”, após dizer a jornalistas que seu governo pretendia comprar a Groenlândia – algo que ele já havia dito no primeiro mandato em 2019. 

Na terça (7/1), seu filho mais velho, Donald Trump Jr., e representantes do Partido Republicano aterrissaram na ilha do Ártico, em visita não oficial. 

“Estou ouvindo que o povo da Groenlândia é “MAGA” […] A Groenlândia é um lugar incrível e as pessoas se beneficiarão tremendamente se – e quando – se tornar parte da nossa nação”, postou o presidente eleito dos EUA. 

A ilha, historicamente colônia da Dinamarca, desde 2009 é uma região autônoma com governo próprio e possui controle sobre seus recursos presentes no subsolo, ainda que siga sob o domínio do reino dinamarquês.

Debaixo de montanhas de gelo, pode estar a resposta para tanto interesse de Trump: reservas gigantescas de minerais críticos para transição energética, além de petróleo e gás natural. Riquezas essas que o aquecimento global vem “desenterrando”, por conta do degelo.

Um estudo publicado na revista Nature em dezembro de 2019 indica que a Groenlândia perdeu aproximadamente 3,9 trilhões de toneladas de gelo entre 1992 e 2018, resultando em uma elevação do nível do mar de cerca de 10,6 milímetros. 

Reservas de óleo e gás sob o gelo

Serviço Geológico da Dinamarca e Groenlândia (GEUS, na sigla em inglês) divulgou que somente a costa oeste da Groenlândia contem cerca de 18 bilhões de barris de petróleo. 

Já o Serviço Geológico dos EUA estima muito mais, que existam 31,4 bilhões de barris de petróleo não descobertos e 148 trilhões de pés cúbicos de gás natural na Groenlândia, e que tiveram a exploração dificultada justamente pelos grandes blocos de gelo da região.

Apesar do potencial energético, a ilha decidiu em 2021 interromper a emissão de novas licenças para exploração de petróleo e gás. A exploração de hidrocarbonetos na Groenlândia atingiu o pico entre 2002 e 2014, quando mais de 20 licenças offshore foram concedidas, incluindo para BP, Chevron, ConocoPhillips, Eni, Equinor e Shell (S&P Global). 

Minerais para transição energética

Em 2023, o GEUS divulgou uma análise afirmando que a ilha possuía uma “acumulação excepcional” de minerais críticos. Foram avaliados 38 minerais classificados como críticos pela União Europeia, sendo a grande maioria como tendo “potencial moderado a alto na Groenlândia” – considerando apenas a parte livre de gelo da área.

“A Groenlândia tem um grande potencial inexplorado para matérias-primas críticas, incluindo os metais de terras raras, grafite, nióbio, metais do grupo da platina, molibdênio, tântalo e titânio, todos os quais já são ou se tornarão importantes para a transição verde”, afirmou Jakob Kløve Keiding, coautor do relatório, quando este foi lançado. 

O levantamento também apontou a presença de lítio, urânio, níquel, cobre e vanádio, além de molibdênio, cromo, estanho e zircônio, que têm um risco de fornecimento relativamente alto e estão perto de serem críticos. 

Além de destacar que o território da Groenlândia ainda é relativamente pouco mapeado em comparação a países mineradores, como o Canadá e a Austrália. 

“Em contraste com esses países, a mineração na Groenlândia se concentrou apenas em alguns lugares e foi de uma escala modesta”, disse Keiding. 

Interesses geopolíticos

Para além dos recursos naturais, o território é alvo de desejo das superpotências há mais de um século, sendo considerado estratégico para fins militares, de transporte e comércio, por estar localizado no círculo Ártico entre os Estados Unidos, a Rússia e a Europa. 

A busca por novos supridores de minerais críticos também se dá, em grande parte, para fazer frente à China, que hoje concentra boa parte do beneficiamento desses minerais, em especial o lítio e as terras raras. Diversificar a cadeia de suprimentos se tornou preponderante para a segurança energética e industrial dos países. 

A China, inclusive, já demonstrou diversas vezes interesse em financiar projetos de exploração de minerais na Groenlândia, o que acendeu a preocupação dos Estados Unidos com a possível influência chinesa na região

“Não há dúvida de que Trump e seus assessores estão muito preocupados com o domínio que a China parece ter. A Groenlândia oferece uma fonte potencialmente rica desses minerais críticos”, avaliou  Klaus Dodds, professor de geopolítica na Royal Holloway, Universidade de Londres, à CNN.

Segundo o relatório (.pdf, em inglês) da Agência Internacional de Energia (IEA, sigla em inglês), somente a demanda por lítio, por exemplo, deve crescer mais 40 vezes nas próximas duas décadas. Grafite, cobalto e níquel terão uma demanda entre 20 e 25 vezes maior, na comparação com o mercado atual.


Alguns minerais e seus usos na transição energética

  • Lítio, níquel, cobalto, manganês e grafite para fabricação de baterias
  • Elementos de terras raras para produção de turbinas eólicas e motores de veículos elétricos
  • Cobre, silício e prata usados em painéis fotovoltaicos
  • Cobre e alumínio para redes elétricas de transmissão 

Fonte: IEA


Groenlândia não está à venda

Apesar do discurso político de Trump para seus eleitores, a venda da Groenlândia não é considerada algo plausível. Representantes da Dinamarca e da Groenlândia se manifestaram contra as declarações do político norteamericano. 

“Não estamos à venda e nunca estaremos à venda. Não devemos perder nossa luta de anos pela liberdade”, escreveu o primeiro-ministro da Groenlândia, Mute Egede

O momento político atual da Groenlândia é de forte demanda pela independência da Dinamarca, o que afastaria, em tese, a possibilidade de algum arranjo com os Estados Unidos – que há décadas também possui uma base militar na região. 

A base militar, inclusive, foi instalada após o fim da Segunda Guerra Mundial, depois que o então presidente dos EUA, Harry Truman, tentou comprar sem sucesso a Groenlândia, oferecendo US$ 100 milhões em ouro à Dinamarca.

“Reconhecemos plenamente que a Groenlândia tem suas próprias ambições. Se elas se materializarem, a Groenlândia se tornará independente, embora dificilmente com a ambição de se tornar um estado federal nos Estados Unidos”, disse o ministro das Relações Exteriores dinamarquês Lars Lokke Rasmussen. (Reuters)

Ao ser questionado por jornalistas se poderia garantir ao mundo que não usaria força militar ou econômica para conseguir o controle da Groenlândia e do Canal do Panamá, Trump disse que não poderia “garantir nada sobre nenhum dos dois”. 

“Mas posso dizer isso: precisamos deles para a segurança econômica”, afirmou o presidente dos EUA.

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