O Novo Mercado de Gás, lançado pelo governo federal em meados de 2019, não depende apenas da aprovação da tão esperada Lei do Gás (PL 6407/2013). Depende também das medidas regulatórias que serão adotadas no âmbito estadual, como forma de viabilizar o mercado livre de gás. Uma deriva da outra, embora possam ser implementadas em paralelo. A discussão é bastante intricada: envolve uma questão federativa e interesses diversos, por vezes, contrapostos.
O NMG tem como objetivo promover a competição no setor, trazendo, com isso, maior eficiência e redução dos preços do gás para os consumidores. De um lado, isso significa que é preciso diversificar a oferta, ainda pautada essencialmente na presença da Petrobras, com a entrada de novos players no suprimento de gás. De outro, é preciso fomentar a demanda com o aumento de consumidores e tarifas mais atrativas.
Divisão de papeis
O destaque do papel da União ocorre na busca de diversificação da oferta propondo medidas para estimular a participação de novos agentes no upstream, fomentar a construção de novos gasodutos e facilitar o acesso de agentes aos já existentes. A atuação do governo federal também é imprescindível para a continuidade da atual política de desinvestimentos da Petrobras, em cumprimento, inclusive, aos acordos celebrados no âmbito do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE).
Já os estados têm especial atuação na consolidação da demanda, com ações para efetivar maior liberdade para os usuários escolherem seus fornecedores de gás. Isso inclui dispor sobre regras que assegurem aos usuários o acesso do gás como uma utility, um serviço, independentemente da forma como é prestado. O serviço pode ser disponibilizado, por meio da uma infraestrutura construída pela distribuidora ou pelo próprio consumidor ou por qualquer outro meio viabilizado por serviço ofertado no mercado. É preciso, nesse caso, mediar os interesses de maior flexibilização da demanda e oferta com as concessões de distribuição vigentes e a serem concedidas. O fim almejado é obter tarifas mais atrativas e, com isso, maior acesso ao serviço de distribuição e maior competitividade do gás como insumo para os processos produtivos.
Assim, um efetivo mercado livre de gás envolve a busca do delicado equilíbrio entre os segmentos do setor e seus atores, com a delimitação, na prática, das competências entre União e Estados especialmente em relação à comercialização de gás. Não há dúvida, por exemplo, da competência de os Estados organizarem a disponibilização dos serviços de gás à coletividade, inclusive mediante concessão de serviço público. Entretanto, se a competência é bastante clara em alguns pontos de regulamentação do setor, em outros ela é bastante sensível como em qual medida os Estados poderiam trazer requisitos de enquadramento para os usuários livres poderem sair do mercado cativo e escolher seus supridores de gás.
[sc name=”adrotate” ]
Temas nos Estados
O Novo Mercado de Gás acertou ao não subestimar o papel dos estados para alcançar seus objetivos. Assim, ao mesmo tempo em que trouxe medidas a serem implementadas pela ANP, também previu que a União deveria incentivar os Estados a modernizarem seus marcos regulatórios, em prol de maior competição e transparência no mercado cativo, incluindo a revisão de estrutura tarifária de suas concessões e a privatização de suas distribuidoras. Exemplo concreto desse incentivo é o “Manual de Boas Práticas Regulatórias”, que foi colocado em consulta pública pela ANP.
Muitos desses temas já estão sendo enfrentados pelos Estados. Além da desestatização de suas distribuidoras, alguns Estados estão promulgando marcos regulatórios com vistas a incentivar o mercado livre de gás – como no caso do Estado de São Paulo, cuja agência reguladora (a Arsesp) acabou de finalizar consulta pública de proposta de regulamentação sobre o mercado livre de gás canalizado. O que traz à tona tema bastante relevante a ser enfrentado: a variedade com que cada Estado regula o enquadramento do usuário livre.
Outra questão importante, especialmente no nível estadual, é a possibilidade de encontrarmos soluções mais eficientes e competitivas de fornecimento de gás, que não necessariamente pela rede dutoviária da distribuidora. Embora a maior abertura da rede das distribuidoras aos comercializadores e usuários livres tenda a tornar pouco provável essa alternativa, não se pode descartar a possibilidade de outras soluções logísticas que venham a ser pensadas pelo mercado. O ponto, aqui, é que fica cada vez mais latente a necessidade de a regulação girar a chave, focando na “disponibilização do serviço/insumo” para os potenciais consumidores, e não na “disponibilização da infraestrutura”.
O grande desafio no nível nacional e, principalmente, estadual é definir como avançar na construção de um mercado de gás efetivamente livre, acessível aos potenciais consumidores, sem romper com a imprescindível segurança jurídica dos contratos de distribuição já celebrados.
Marina Zago é advogada da Manesco, Ramires, Perez, Azevedo Marques Sociedade de Advogados
[sc name=”newsletter” ]