Opinião

Os desafios emergentes do setor elétrico brasileiro

Baixo retorno financeiro, instabilidade institucional e salto da geração distribuída pressionam o planejamento energético e a atração investimentos, escreve Juliana Melcop

Juliana Melcop é sócia da área de Energia, Infraestrutura & Projetos do Veirano Advogados (Foto Divulgação)
Juliana Melcop é sócia da área de Energia, Infraestrutura & Projetos do Veirano Advogados | Foto Divulgação

O setor elétrico brasileiro vive um momento crítico, marcado por desafios financeiros, regulatórios e institucionais que colocam em risco sua estabilidade e atratividade para novos investimentos. A conjuntura atual apresenta um cenário complexo, exigindo atenção estratégica e ação coordenada dos diversos atores envolvidos. 

Este ano tem sido particularmente desafiador para o setor: o Preço de Liquidação das Diferenças (PLD) permaneceu em níveis baixos por longos períodos, e, além disso, a oferta de projetos novos e existentes supera significativamente a demanda, reduzindo o atrativo financeiro da geração e pressionando a viabilidade econômica de empreendimentos.

Foi um ano de reinvenção de muitas companhias, na tentativa de estruturar novos negócios e manter os já estabelecidos. 

“As fontes renováveis, que até então eram o principal motor de investimentos no setor elétrico, encontram-se em estado de dificuldade severa.”

Um movimento operacional importante foi observado recentemente: o despacho de usinas termelétricas no horário de ponta, a partir das 18h, como resposta à redução da geração de energia solar distribuída ao fim do dia e ao esvaziamento dos reservatórios das hidrelétricas, decorrente de um período de escassez hídrica não esperado – que parece ter sido superado momentaneamente, mas não o suficiente para afastar a necessidade do despacho térmico.

O novo cenário afeta o planejamento setorial, tanto do estado quanto dos empreendedores. As fontes renováveis, que até então eram o principal motor de investimentos no setor elétrico, encontram-se em estado de dificuldade severa.

A circunstância operativa reflete num descolamento de preços importante, que onera o bolso do consumidor e, igualmente, agentes de geração renovável, em especial da fonte fotovoltaica.

A geração distribuída (GD), por sua vez, continua a crescer a largos passos. A potência instalada da GD atualmente já representa 15% da matriz elétrica nacional, com a expectativa de avançar a 50 GW de capacidade, ou 19,5%, em 2028 – superando todas as demais fontes, à exceção da hidrelétrica.

Essa expansão acelerada traz preocupações, afinal, a rede de distribuição não está preparada para lidar com o aumento de geração descentralizada, e os benefícios tarifários associados à GD podem resultar em maiores custos para os demais consumidores, completando a conhecida espiral da morte técnica e financeira.

Usinas eólicas e solares centralizadas estão sendo impactadas, ainda, pelo uso intensivo do curtailment (restrição de geração), sem que haja uma solução clara sendo discutida pelo governo e pelas entidades do setor.

O Operador Nacional do Sistema (ONS), recentemente, alterou a forma de aplicação do constrained-off às centrais eólicas, adotando a chamada “clusterização”, medida que dilui os percentuais de redução da geração entre diversos empreendimentos localizados em determinada área, em vez de concentrar em poucos projetos.

Apesar de melhorar o impacto para empreendedores que estavam sendo gravemente afetados, ainda não é essa a solução ideal para o problema, que perpassa provavelmente pela modificação do planejamento e necessidade de novos instrumentos de controle e segurança.

No entanto, algumas iniciativas regulatórias podem trazer um sopro de otimismo. O Projeto de Lei 576/2021, que regulamenta a geração de energia offshore, surge como uma oportunidade para atrair investimentos significativos.

Além de abrir caminhos para o desenvolvimento de uma nova indústria no país, a medida também pode impulsionar setores correlatos, como a construção naval e a infraestrutura portuária, gerando novos polos de crescimento econômico.

Aprovado em 12 de dezembro 2024 no Senado, após aprovação anterior na Câmara dos Deputados e no Senado, sua casa originária, segue para a sanção presidencial, que deve ocorrer até 9 de janeiro de 2025. 

Um dos aspectos mais preocupantes, porém, é a crise institucional que se desenrola no setor elétrico. O desalinhamento entre o Ministério de Minas e Energia (MME) e a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) cria um ambiente instável e desfavorável ao fomento de novos negócios.

Esforços para questionar a autonomia da Aneel, como a proposta de vincular os mandatos de seus diretores ao governo federal, representam um retrocesso técnico, jurídico e político. Esse movimento ameaça diretamente a atratividade de novos investimentos e a estabilidade regulatória, ambos essenciais para o desenvolvimento sustentável do setor.

O setor elétrico brasileiro encontra-se em um momento decisivo. É crucial que governo, agências reguladoras, investidores e demais stakeholders trabalhem de forma coordenada e estratégica para superar os desafios existentes.

A preservação da autonomia técnica das instituições, a criação de um ambiente regulatório estável e o estímulo a investimentos em novas tecnologias são elementos indispensáveis para garantir um futuro mais seguro e eficiente para o setor elétrico do país.

Este artigo expressa exclusivamente a posição da autora e não necessariamente da instituição para a qual trabalha ou está vinculada.


Juliana Melcop é sócia da área de Energia, Infraestrutura & Projetos do Veirano Advogados.

Inscreva-se em nossas newsletters

Fique bem-informado sobre energia todos os dias