RIO – A Agrese, agência reguladora de Sergipe, recomendou que o governo estadual relicite a Sergas ou até mesmo crie uma 2ª área de concessão de gás canalizado no estado, caso não chegue a um acordo com a Mitsui sobre a revisão dos termos econômicos do contrato da distribuidora.
O governo local vê necessidade de atualizar o contrato, do início da década de 1990, à atual realidade do mercado, como forma de aumentar a competitividade do gás no estado. E abriu um debate, este ano, sobre uma possível revisão da taxa de retorno dos investimentos da distribuidora.
A Câmara Técnica de Gás Canalizado (Camgás) da Agrese publicou nesta quinta (12/12) uma nota técnica (na íntegra em .pdf) sugerindo ao governo de Fábio Mitidieri (PSD) a assinatura de um termo aditivo com mudanças em uma série de cláusulas econômicas do atual contrato de concessão atual.
E cita o aumento do prazo da concessão como uma eventual compensação.
O documento sugere, dentre outras alterações:
- a substituição da taxa de remuneração fixa de 20% dentro do modelo vigente de cost plus pelo WACC no modelo price cap;
- regime de transição por meio da redução gradual da taxa de retorno em até cinco anos
- inclusão de fator de eficiência para revisões tarifárias;
- adoção de 100% (e não mais 80%) do volume no cálculo da margem;
- adoção de conta gráfica;
- e exclusão da remuneração do imposto de renda
O regulador sergipano cita, na nota técnica, que o atual contrato de concessão da Sergas, na forma como está configurado, “é incapaz de produzir os resultados esperados no que se refere a modicidade tarifária, expansão de rede, equilíbrio de mercado” e por consequência o desenvolvimento do potencial tecnológico e econômico” de Sergipe.
A taxa de retorno de 20%, conclui, traduz-se em um “prêmio à ineficiência” e “um limitador à expansão da rede”. Hoje, nove dos 75 municípios do estado são abastecidos pela Sergas.
Entenda os modelos Cost plus e Price cap
Cost plus: É uma metodologia mais tradicional. A tarifa é calculada com base nos custos necessários para prestação do serviço acrescida de uma taxa de retorno preestabelecida e que garante a rentabilidade para a concessionária.
Visa a proporcionar um estímulo maior à expansão da rede. É, nesse sentido, um modelo mais voltado para mercados em desenvolvimento, com grande potencial de expansão. Permite reduzir o risco do concessionário, já que os custos podem ser repassados para o mercado.
Price cap: Nessa metodologia, define-se uma tarifa máxima a ser cobrada pelo concessionário durante um ciclo tarifário. A empresa assume mais riscos, mas é mais incentivada a obter ganhos de eficiência, já que se apropria de parte da redução de custos.
É mais aplicada em mercados mais desenvolvidos e maduros. Exige maior maturidade do regulador, na análise detalhada das projeções que definem as tarifas.
Risco de judicialização
A Agrese reconhece, no entanto, o risco de judicialização sobre a questão. E coloca, sobre a mesa, alternativas:
- constituir uma 2ª concessionária estadual e leiloá-la, para atuação em áreas atualmente não atendidas pela Sergas;
- venda de 100% das ações da Sergas numa operação conjunta entre o estado de Sergipe e sócios, seguida de nova licitação para a concessão (com o contrato atualizado);
- e a declaração de nulidade do contrato da Sergas, sob o argumento legal de que a atual concessão, da década de 1990, não foi formalizada por meio de devido processo licitatório.
O estado poderia, assim, assumir o controle da concessionária e iniciar o leilão após a estruturação de um novo contrato.
Próximos passos
Dentro da iniciativa de revisão dos termos do atual contrato de concessão, o próximo passo será a definição da modelagem do aditivo ao contrato. A Agrese recomenda que o estado inicie a discussão do assunto com os demais acionistas da Sergas.
Apenas a Mitsui deve se manter no capital ao fim do rearranjo societário em curso que levará o estado a ampliar sua participação na empresa.
Relembre: Sergipe chegou a um acordo com a Norgás (Compass/Mitsui) para ampliar a participação estatal dos atuais 17% do capital total da distribuidora para 58,5%.
A Mitsui, por sua vez, manterá sua participação direta de 41,5% na empresa.
O acordo foi homologado recentemente na Justiça. É um desdobramento de um caso judicializado pelo governo estadual em torno da venda da fatia da Compass na Norgás para a Infra Gás e Energia (comprada, posteriormente, pela Energisa)
Sergipe acusou a Compass (e a Norgás) de falhas no rito para o exercício dos direitos de preferência na operação e conseguiu, por liminar, barrar a venda das ações da Sergas para a Infra Gás (e por consequência, para a Energisa).
O regulador entende que, caso a proposta de revisão de contrato da Sergas avance, a assinatura do novo termo aditivo seja precedida de Análise de Impacto Regulatório – que permitirá verificar, por exemplo, a necessidade de compensações no prazo de concessão para reparação de eventuais perdas.
O regulador sugere a contratação de consultoria para o estudo de impacto regulatório
A agência cita a recomendação da AIR ao rebater as críticas recebidas – sobretudo da Sergas e das distribuidoras de uma forma geral – sobre a revisão do contrato.
A atualização do contrato, com consequente redução da taxa de retorno da concessão, é um pleito recorrente entre os consumidores industriais e aos produtores. As distribuidoras, por sua vez, pregam respeito às condições contratuais vigentes – o contrato de concessão em Sergipe vence em 2044. Eixos explica:
A repercussão do caso
O debate em Sergipe é um microcosmo da discussão sobre o modelo regulatório das distribuidoras de gás do Brasil como um todo. Afinal, as regras que regem a remuneração da Sergas são as mesmas da maioria das concessionárias de gás canalizado no país.
A expectativa – entre agentes do mercado e do próprio governo local – é que o caso sergipano abra as portas para debates na mesma direção em outros estados.
O assunto chegou recentemente ao Rio Grande do Sul. Em novembro, o Conselho Superior da Agergs recomendou ao governo estadual de Eduardo Leite (PSDB) a revisão e adequação do contrato de concessão da Sulgás “ao atual arcabouço legal e normativo regulatório e à realidade do mercado de gás canalizado” no Rio Grande do Sul.
Na controversa Revisão Tarifária da Sulgás este ano, aliás, a Agergs decidiu pela exclusão dos tributos sobre a renda do cálculo do custo de capital, um dos componentes da margem da concessionária.
É justamente um dos pontos que a Agrese, em Sergipe, recomendou que seja revisto na discussão sobre a revisão do contrato.