MP 1212

Recebíveis da Eletrobras têm efeito médio de 0,02% nas tarifas, aponta Aneel

Relator de consulta pública criticou atuação do MME e da CCEE, além de apontar prejuízo para clientes de 53 distribuidoras

Diretor da Aneel Fernando Mosna (Foto: Cleia Viana / Aneel)
Diretor da Aneel Fernando Mosna (Foto: Cleia Viana / Aneel)

BRASÍLIA – A Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) apontou nesta terça-feira (29/10) que a antecipação de recebíveis da Eletrobras gerou uma queda média de 0,02% nas tarifas de energia elétrica dos consumidores de todo o Brasil. À época do anúncio da medida, a expectativa do Ministério de Minas e Energia (MME) era de que a redução chegaria a 3,5%.

A informação foi divulgada pelo diretor Fernando Mosna, relator do processo na agência que instaurou consulta pública para a regulamentação dos efeitos tarifários da quitação antecipada das contas Covid e Escassez Hídrica, previstas pela medida provisória 1212/2024.

De acordo com o levantamento da área técnica da agência, a securitização trouxe benefícios para os consumidores de 50 distribuidoras, mas os clientes de outras 53 concessionárias terão prejuízos, já que o efeito sobre as tarifas será negativo.

Entre as distribuidoras com maiores benefícios estão Energisa Mato Grosso, Equatorial Alagoas e Equatorial Amapá. Quem mais perde, segundo o levantamento da área técnica, são os clientes da Cemig, Neoenergia Bahia e Light.

O MME previa que a securitização dos recursos da Eletrobras para o pagamento antecipado dos empréstimos liberaria R$ 510 milhões, que seriam revertidos em modicidade tarifária. Na prática, apenas R$ 46,5 milhões acabariam destinados a reduzir a conta de luz.

As divergências foram encontradas pela Superintendência de Gestão Tarifária e Regulação Econômica (STR) da Aneel. 

Os técnicos identificaram que os fluxos apresentados pela Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE) não continham desembolsos das distribuidoras previstos para setembro deste ano. Além disso, a quitação antecipada estava programada para ocorrer apenas em outubro.

Mosna contesta ainda o waiver fee, uma espécie de taxa de renúncia de direitos, negociada com os bancos credores das contas Covid e Escassez Hídrica. 

O valor negociado chegou a R$ 285 milhões, correspondente a 3% dos R$ 9 bilhões que as duas dívidas representavam.

“O waiver fee atua diretamente como um fator redutor do benefício ao consumidor: a quantia significativa paga aos credores a título dessa taxa acaba diminuindo o montante final de redução tarifária oferecido aos consumidores. Sem a exigência do waiver fee, o valor total do benefício ao consumidor seria aumentado na mesma proporção, já que o custo dessa taxa não seria subtraído dos fluxos de recursos destinados à modicidade tarifária”, afirmou Mosna, em seu voto.

Entre os outros questionamentos levantados pelo relator, estão a falta de participação da Aneel durante a securitização e o fato de que o MME homologou as condições negociadas pela CCEE, mesmo diante do baixo benefício tarifário.

O secretário nacional de Energia Elétrica do MME, Gentil Sá, foi citado nominalmente pelo diretor da Aneel e apontado como o responsável por autorizar as operações, mesmo após constatado o “erro grosseiro”, segundo Mosna.

O relator incluiu em seu voto determinações para que seja instaurado um processo de fiscalização para apurar a atuação da CCEE.

Além disso, Mosna defendeu que os atos administrativos do secretário sejam encaminhados ao Tribunal de Contas da União (TCU) e à Controladoria-Geral da União (CGU).

Embora tenha visto profundidade na análise de Mosna, o diretor-geral da Aneel, Sandoval Feitosa, pregou cautela. 

“Apesar de muito bem fundamentadas pelo voto, diversas dessas conclusões estariam sendo antecipadas antes de um processo formal de fiscalização da agência”, afirmou.

Feitosa afirmou que outras operações de securitização, a exemplo da regulamentação das contas Covid e Escassez Hídrica, passaram pela Aneel, sem grandes complicações ou questionamentos judiciais.

O diretor Ricardo Tili votou integralmente com o relator, já Feitosa e Agnes da Costa aprovaram apenas a abertura da consulta pública e a fiscalização na CCEE. Por isso, houve mais um empate em 2 a 2, que só deve ser superado com a indicação do quinto diretor da Aneel.

MME contesta

Fontes do MME ouvidas pela agência eixos entendem que a diretoria da Aneel se antecipou à consulta pública que vai definir a alocação dos recursos da securitização.

Após o período de contribuições, que vai até 13 de dezembro, os diretores voltam a se debruçar sobre a pauta, para definir como será destinado dinheiro do adiantamento dos recebíveis da Eletrobras.

Os efeitos médios da securitização seriam potencializados, segundo entendimento da área técnica do MME, caso a Aneel ajustasse a regulamentação, para que as distribuidoras de energia de todo o Brasil recebessem o mesmo benefício.

As duras críticas também foram vistas como uma forma de retaliação ao MME. O ministro Alexandre Silveira tem atacado abertamente a atuação da agência.

Em nota, o MME afirmou que as operações previstas na MP 1212 tiveram como condição a caracterização de benefícios aos consumidores, “diferentemente de empréstimos contratados no passado”.

A pasta informou que as condições negociadas junto aos credores foram mais vantajosas do que os juros dos empréstimos contratados durante o governo de Jair Bolsonaro.

“Enquanto os empréstimos das Contas Covid e Escassez Hídrica tiveram uma taxa de juros efetiva equivalente a CDI+3,6% ao ano, a operação de antecipação de recebíveis foi negociada com uma taxa efetiva equivalente a CDI+2,2% ao ano”, diz a nota.

O MME afirma ainda que a própria agência anunciou em 19 de agosto que a redução tarifária média seria de 1,8%.

A reportagem consultou a CCEE sobre a abertura de processo de fiscalização, mas não obteve resposta até então. O espaço segue aberto para a manifestação.