Combustíveis alternativos respondem por menos de 1% da operação do transporte marítimo

Encomendas de navios a GNL avançam enquanto uso de biodiesel em escala global enfrenta resistências relacionadas à matéria-prima

OnCorp planeja início da segunda fase da obra de revitalização de Terminal de GNL em Suape em 2024. Na imagem: Vista aérea do Porto de Suape, em Pernambuco, com rede de dutos e embarcações atracadas (Foto: Rafael Medeiros/Divulgação)
Porto de Suape, em Pernambuco (Foto: Rafael Medeiros/Divulgação)

BRASÍLIA – O setor marítimo e portuário tem metas de neutralidade de emissões líquidas de CO2 para 2050, o que requer uma grande transformação no consumo energético, já que mais de 99% do combustível consumido por embarcações é de origem fóssil, segundo dados da Organização Marítima Internacional (IMO, em inglês).

A urgência de reduzir emissões e migrar do bunker derivado de petróleo para outros combustíveis tem motivado a encomenda de embarcações movidas a combustíveis com menor intensidade de carbono, mas os fósseis continuarão abastecendo o setor.

Segundo a IMO, o gás natural é o principal combustível alternativo para a frota encomendada, com 9,07% dos pedidos de navios novos movidos a GNL. O hidrogênio e a amônia – principais combustíveis da transição energética de baixo carbono – representam, juntos, apenas 0,9% das encomendas.

Para o líder de engenharia, meio ambiente e transição energética no Oil Companies International Marine Forum (OCIMF), Filipe Santana, o biometano poderia acelerar a descarbonização do setor, por ser renovável e possuir pegada de carbono menor do que a opção fóssil.

Ele pontua, entretanto, que o methane slip – emissão de metano não queimado – está sendo considerado pela IMO.

“O methane slip refere-se à liberação não intencional de metano não queimado durante o processo de combustão nos motores dos navios, o que pode prejudicar significativamente os benefícios ambientais do uso de biometano”, afirma Santana.

O metano é um gás de efeito estufa potente, com um potencial de aquecimento global quase 30 vezes maior que o do dióxido de carbono em um período de 100 anos.

“Mesmo pequenas quantidades de methane slip podem contribuir substancialmente para as emissões de gases de efeito estufa, impactando, assim, a pegada ambiental geral do uso de biometano no transporte marítimo”, explica.

Atualmente, não existem requisitos regulatórios para as emissões do metano não intencional. De acordo com o especialista, essa característica do metano é motivo de incertezas e cautela nas encomendas de navios movidos a metano, uma vez que eventuais regulações podem penalizar a escolha ainda dentro da vida útil do navio – que chega a 50 anos.

Imposto sobre emissões e biocombustíveis

A IMO discute medidas de médio prazo para reduzir as emissões de gases de efeito estufa do transporte marítimo internacional, que devem entrar em vigor em 2027. As medidas se dividem em duas categorias: intensidade de carbono do combustível e precificação das emissões.

Uma das propostas em discussão é criar uma taxa sobre emissões totais, começando em 2027, com um custo por tonelada de CO2 equivalente, reajustada a cada cinco anos. 

Outra é um mecanismo de feebate, que combina penalidades a navios com altas emissões e reembolso para aqueles que adotam tecnologias e combustíveis zero emissão.

Segundo Santana, a IMO também sugere a criação de mecanismo baseado na intensidade de carbono dos combustíveis. Pelo modelo, os navios que excedem as metas de redução de emissões são beneficiados com crédito, que pode ser negociado ou acumulado. Navios que não atingirem as metas podem comprar unidades ou pagar uma penalidade.

“Cada uma das medidas pode ter impactos socioeconômicos distintos sobre países desenvolvidos e em desenvolvimento. Parte das discussões da IMO envolve a avaliação técnica desses potenciais impactos”, disse Santana.

Enquanto o mercado europeu considera apenas os biocombustíveis de segunda e terceira geração (oriundos de resíduos e hidrogênio renovável, respectivamente) no cálculo de mitigação de emissões de gases de efeito estufa, o Brasil defende a adição de biodiesel ao bunker para reduzir imposto. Também quer que os biocombustíveis de primeira geração possam receber financiamento de fundo destinado a novos combustíveis.

A Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) recentemente autorizou a venda da mistura de bunker com 24% de biodiesel (B24). A autorização foi concedida após testes promovidos pela Petrobras em cargueiro de GLP da Transpetro, no Rio Grande do Sul. 

Segundo Santana, o bunker com B24 pode ser utilizado em qualquer navio capaz de usar óleo combustível pesado.

A Bunker One, maior comercializadora de bunker no mundo, também realizou testes no Brasil, em parceria com a Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), com uma mistura de 7%.

A IMO tem discutido os critérios de sustentabilidade para os biocombustíveis a serem adicionados às diretrizes de análise do ciclo de vida. A organização já admite o uso de 100% de biodiesel para a navegação.

Descarbonização do setor portuário

Um estudo financiado pelo Ministério da Economia e Ação Climática da Alemanha e realizado pela WayCarbon em 2023 traçou o diagnóstico de descarbonização, infraestrutura e aplicações de hidrogênio nos portos e fez uma série de recomendações. Dentre elas está a elaboração do inventário e auditoria de emissões de GEE e o mapeamento de oportunidades de redução, elaboração da análise custo-benefício e estabelecimento de metas baseadas na ciência.

O diagnóstico sugere, ainda, uma regulamentação  que promova a utilização de  combustíveis alternativos em embarcações, em articulação com o Ministério de Minas e Energia (MME).

Ao longo dos últimos anos, a IMO vem adotando medidas para fomentar a redução de emissões, que incluem um convite aos Estados membros para fornecerem incentivos ao setor portuário para apoiar e promover a descarbonização do transporte marítimo.

A organização pondera que, além das incertezas do mercado, os investimentos são muito altos e podem gerar aumento de custo e redução da margem de lucro a curto prazo.

Por isso, o estudo propõe uma regulamentação que promova a utilização de combustíveis alternativos em embarcações, definindo diretrizes, metas e instrumentos para viabilizar a transição, incluindo mecanismos de financiamento que ajudem a equilibrar o risco dos investidores.