Mesmo após restabelecer o suprimento de energia em São Paulo, a Enel continuará a lidar com questionamentos das autoridades pela crise da última semana. Embora a distribuidora tenha conseguido religar a energia de mais de 3 milhões de imóveis, a pressão pela apuração de responsabilidade e pelo encerramento do contrato persiste.
Em entrevista coletiva na manhã de quinta-feira (17/10), o presidente da Enel São Paulo, Guilherme Lencastre, disse que os consumidores afetados pelas chuvas da sexta-feira (11/10) já haviam recuperado suprimento energético.
Entretanto, a companhia admite que ainda há 36 mil clientes sem energia, que teriam sofrido cortes nos dias seguintes. Mesmo assim, essa foi considerada por Lencastre uma operação próxima da normalidade.
A crise começou após tempestades atingirem a região metropolitana de São Paulo na sexta-feira (11). No mesmo dia, 3,1 milhões de unidades ficaram sem energia. O número inicialmente divulgado foi de 2,1 milhões, mas a informação foi atualizada posteriormente.
As chuvas que atingiram a capital paulista levaram à queda de 967 quedas de árvores, das quais 850 atingiram redes elétricas. O dado foi apresentado pelo ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, em entrevista na quarta-feira (16).
Segundo o ministro, a interferência das árvores nos fios foi responsável pela interrupção no fornecimento de energia de cerca de 2 milhões de unidades consumidoras, considerando que cada linha atende cerca de 1.800 unidades.
Ministro pressiona Aneel por intervenção ou caducidade
Em entrevistas nesta semana, o ministro afirmou que a prerrogativa de abrir processos de intervenção ou caducidade do contrato da Enel é da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel).
“O que vocês querem é algo que o governo não tem meios de fazer. Vocês querem que o governo decrete caducidade ou intervenção. O governo não faz isso. O poder concedente do governo faz. A Aneel é governo, só que ela esquece disso. As agências reguladoras são o governo”, disse.
Silveira tem reforçado que enviou um ofício à agência em abril, que pedia providências em relação à empresa, devido às “falhas e transgressões da concessionária de distribuição em face de suas obrigações contratuais e regulamentares para a adequada prestação de serviço”.
Em meio às críticas à agência, o ministro também indicou que concorda com uma mudança na duração dos mandatos de diretores e conselheiros de agências reguladoras, de modo a coincidir com as mudanças de governo.
Multas
Por conta do apagão de novembro de 2023, a Aneel aplicou multas de R$ 165 milhões à Enel. Segundo o MME, ainda não houve pagamento das punições.
Desde que a Enel assumiu a concessão em São Paulo, em 2018, foram aplicadas multas que somam R$ 320 milhões.
O contrato da Enel vai até 2028. Caso a empresa tenha interesse em renovar a concessão, terá a partir de junho do ano que vem para informar a Aneel e o Ministério de Minas e Energia.
Para uma eventual renovação, a companhia vai precisar seguir as novas diretrizes para a extensão dos contratos. A diretoria da agência aprovou esta semana a abertura da consulta pública sobre o termo aditivo para prorrogação das concessões das distribuidoras.
Aneel diz ter atuado preventivamente
A Aneel afirma que tomou providências em relação às críticas à Enel nos últimos meses. Além das multas, que ainda não foram pagas, os diretores se reuniram em pelo menos três ocasiões com a Enel para tratar de resiliência de redes.
Após os temporais de novembro de 2023, quando 4,2 milhões de unidades ficaram sem energia, a diretoria da agência teve reuniões com as distribuidoras de grande porte e discutiu medidas de curto, médio e longo prazo a serem adotadas para lidar com eventos climáticos extremos.
A agência abriu tomadas de subsídios para debater ações relacionadas à arborização nas cidades e expurgos em situação de emergência.
Junto à Defesa Civil de São Paulo, a Aneel propôs um projeto de pesquisa para melhoria da infraestrutura do estado.
Cobranças de autoridades chegam à Justiça
Além do ministro de Minas e Energia, a pressão pelo fim do contrato da distribuidora também vem de políticos do estado. O governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), disse que as autoridades federais falharam em relação a Enel e fez duras críticas à empresa.
“Está claro que ela é incompetente, está claro que ela não se preparou para fazer investimento, é claro que ela não se preparou para fazer distribuição de energia na cidade de São Paulo, está claro que ela tem que sair daqui. Ela tem que sair do Brasil”, afirmou em entrevista coletiva na quarta-feira (16).
A Enel tem concessões de distribuição também no Rio de Janeiro e no Ceará.
Candidato à reeleição, o prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes (MDB), culpou o governo federal pelos problemas enfrentados com a distribuidora.
“A prefeitura, obviamente, sempre tem que estar melhorando os seus serviços, mas o problema que nós temos é a empresa que tem a concessão do governo federal para explorar a energia na cidade de São Paulo”, disse em entrevista ao telejornal SP2 na quarta-feira (16).
Já o adversário de Nunes na eleição à Prefeitura de São Paulo, Guilherme Boulos (PSOL), reforça o pedido pelo fim da concessão e aponta também omissão do município.
“A crise só acabará quando tirarmos a Enel daqui e tirar o Ricardo Nunes da prefeitura. Esse apagão tem uma mãe e um pai. A mãe do apagão é a Enel, uma empresa horrorosa que presta um péssimo serviço”, afirmou, em entrevista a um pool formado por Folha de S.Paulo, RedeTV e UOL.
A prefeitura de São Paulo chegou a ingressar esta semana com uma ação civil pública no Tribunal de Justiça contra a concessionária. A ação aberta na terça-feira (15/10) solicitava a imediata restauração da energia nas unidades ainda sem luz e o compartilhamento de dados e informações sobre os serviços.
A Associação Nacional de Restaurantes (ANR) também está preparando uma demanda judicial coletiva contra a Enel, devido aos prejuízos causados pela falta de energia nos últimos dias.
Em nota, a entidade afirma que o apagão gerou prejuízos maiores do que os problemas similares em novembro de 2023, pois ocorreu em meio ao feriado de 12 de outubro, momento em que os bares e restaurantes estavam com os estoques abastecidos
CGU fará auditorias
A Controladoria-Geral da União (CGU) iniciou dois processos para investigar as ações tomadas na crise.
A CGU fará uma auditoria para apurar falhas da Enel na gestão do apagão.
O plano de contingência da Enel será investigado. Um das intenções é buscar um modelo de fiscalização mais adequado à realidade climática atual.
A pedido do presidente Lula, a CGU também instaurou uma investigação preliminar para apurar possíveis irregularidades envolvendo dirigentes da Aneel. A auditoria foi anunciada após o ministro Alexandre Silveira criticar a atuação da agência.
“É um serviço público, que tem que se pautar pela universalidade, pela modicidade tarifária e pela continuidade. Nós precisamos garantir que isso aconteça e ajudar nesse processo. Isso é um ponto. A outra questão é a questão sobre responsabilização, possibilidade de punição de agentes públicos”, disse o ministro da CGU, Vinicius Marques de Carvalho.
A apuração sobre possíveis condutas inadequadas será realizada pela corregedoria da CGU e vai esclarecer possíveis situações de corrupção, conflitos de interesse e uso de cargos públicos para benefícios próprios ou de terceiros.
Reação também no Congresso
Outro desdobramento da crise foi a aprovação na Câmara dos Deputados nesta quinta-feira (17/10) o projeto de lei 1272/2024 que dá aos municípios e ao Distrito Federal participação ativa na fiscalização e controle das licitações e dos contratos de distribuição de energia elétrica.
Previsão de chuva no fim de semana
A Defesa Civil do estado de São Paulo emitiu um alerta metereológico para chuvas e ventos intensos entre sexta-feira (18) e domingo (20).
A região metropolitana tem uma expectativa de 95 milímetros de chuva. Mas a situação pode ser ainda mais intensa em Araçatuba, Bauru, Campinas, Franca, Barretos, Ribeirão Preto, São José do Rio Preto, Sorocaba e Serra da Mantiqueira, cidades onde são esperadas chuvas de 200 milímetros.
O presidente da Enel disse que os profissionais que trabalharam na recomposição da energia seguirão mobilizados em antecipação à previsão do tempo para os dias seguintes.
“Nós sabemos que vem chuva no próximo fim de semana e eu já queria dizer que nós não estamos desmobilizando nossas equipes, mesmo chegando a uma situação de normalidade. Nesse momento, nós vamos continuar com a mobilização que nós estamos em preparação para o evento”, disse.
A Enel SP recebeu reforço de técnicos de distribuidoras de outras localidades durante a crise. A força de trabalho passou de 1,4 mil para 2,9 mil profissionais. Além disso, foram deslocados 200 caminhões e mais de 50 equipamentos.