Opinião

Resíduos radioativos: um problema prestes a ser resolvido

Recursos do desmantelamento das usinas nucleares podem ser a solução para tirar do papel o depósito final dos rejeitos radioativos no país, escreve Raul Lycurgo

Raul Lycurgo, o presidente da Eletronuclear, durante entrevista à Agência Brasil, na sede da empresa, no centro do Rio de Janeiro, em 8/5/2024 (Foto Tomaz Silva/Agência Brasil)
Raul Lycurgo Leite é presidente da Eletronuclear | Foto Tomaz Silva/Agência Brasil)

O gerenciamento de resíduos radioativos é um desafio complexo que precisa ser enfrentado com conhecimento técnico, tecnologia segura e, principalmente, determinação. Ao contrário dos muitos outros tipos de resíduos, a deposição de material radioativo é estritamente regulada em todo o mundo.

Este material provém de atividades industriais, da preservação de alimentos, da pesquisa científica, dos equipamentos de diagnóstico por imagem dos hospitais, das clínicas radiológicas e dos dentistas, da produção de medicamentos e, também, da geração de energia elétrica.

Hoje, o Brasil possui um único repositório definitivo, localizado em Abadia de Goiás (GO), – operado há décadas com total segurança pela competente Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN) – e dedicado aos resíduos coletados durante o triste episódio do Césio 137.

Porém, o crescimento das atividades nucleares no país exige a construção de um novo repositório. Atualmente, cada empreendimento é responsável por armazenar, de forma provisória, porém segura, sob a supervisão da CNEN, os rejeitos de baixo e médio níveis de radiação provenientes de suas atividades.

Em quase 40 anos de operação da usina Angra 1 e pouco mais de 20 anos de Angra 2, os rejeitos gerados jamais saíram da área controlada da Central Nuclear Almirante Álvaro Alberto (CNAAA). Todo o processo é conduzido de maneira cuidadosa pela Eletronuclear, garantindo a segurança do meio ambiente e de toda população.

Contudo, o armazenamento definitivo é de responsabilidade da Comissão Nacional de Energia Nuclear, que trabalha na construção do Centro Tecnológico Nuclear e Ambiental (Centena).

O projeto prevê um complexo com capacidade para receber 60.000m³ de rejeitos de baixo e médio níveis de radiação, diversas linhas de pesquisas a serem desenvolvidas e 300 anos de monitoramento radiológico e ambiental após o seu fechamento. Ademais, ele irá posicionar o Brasil como referência no cenário internacional.

Dentro do nosso território, a contribuição na cadeira produtiva será significativa com a geração de empregos e renda nas etapas de caracterização, construção e operação do Centena. Porém, o andamento do projeto depende de recursos da União dificilmente disponíveis neste momento.

De acordo com a CNEN e o Tribunal de Contas da União (TCU), serão necessários cerca de R$ 130 milhões para construir o Centena.

No entanto, estima-se que esse número poderá ser ainda maior por se tratar de um centro tecnológico que envolve não só o armazenamento definitivo dos rejeitos radioativos, mas investimento em pesquisa, como laboratórios ambiental e de radioproteção para executar o Programa de Monitoração Ambiental (PMA) e o Plano de Proteção Radiológica.

Apesar disso, a solução pode estar mais próxima do que se imagina. E, tudo isso sem impacto aos cofres públicos e gerando grandes benefícios para o setor nuclear nacional através da ajuda da Eletronuclear.

Por lei, a operadora das usinas nucleares de Angra dos Reis é obrigada a constituir um fundo com recursos depositados mensalmente para suportar o processo de desmantelamento de suas usinas ao fim de sua vida útil, o que inclui o armazenamento seguro dos resíduos provenientes desse processo.

Uma vez que a extensão da vida útil das usinas nucleares é uma tendência em todo o mundo, no Brasil inclusive, – o que aumentará significativamente o volume de recursos aportados neste fundo –, por que não investir imediatamente parte destes recursos na construção do Centena?

A celebração de um simples convênio entre a Eletronuclear e a CNEN pode tirar do papel este importante empreendimento para o país. Além do mais, o próprio Centena pode ser considerado já como uma etapa antecipatória do próprio desmantelamento definitivo das usinas de Angra.

Atualmente, o fundo de descomissionamento tem mais de R$ 3 bilhões investidos, à espera de uma utilização cada vez mais distante no tempo. E por que não acelerar a implantação do Centena?

O projeto tem capacidade de fomentar benefícios a todo o setor nuclear nacional, estimulando uma grande cadeia produtiva com a geração de emprego e renda, tanto durante sua construção quanto em sua operação.

Tudo isso, sem a necessidade de nenhum investimento direto por parte da União. Uma oportunidade onde todos – indústria, governo, sociedade civil e meio-ambiente – sairão ganhando.


Raul Lycurgo Leite é procurador federal, advogado e presidente da Eletronuclear.