O Brasil possui uma das matrizes elétricas mais renováveis do mundo, com grande base hidrelétrica. Nos últimos dez anos, essa matriz tem recebido expressiva inserção das chamadas “novas renováveis”, com destaque para a fonte eólica e, mais recentemente, solar. Atualmente o país possui 83% de capacidade instalada renovável: 65% hidrelétrica, 9% eólica, 8% biomassa e 1% solar.
Inicialmente coordenada por organismos multilaterais (destaque para o Protocolo de Kyoto – 1997 e o Acordo de Paris – 2015), a agenda de descarbonização das economias, recentemente, também vem sendo capitaneada pelos grandes grupos investidores, que já reconhecem que o risco climático é também um risco de investimento.
Alguns fundos, como é o caso do BlackRock, já evitam investir em companhias que não possuam padrões elevados de ESG (Environmental, Social and Governance – Meio Ambiente, Social e Governança) e, da mesma forma, as companhias têm se adaptado para tal realidade.
No caso brasileiro, o futuro provavelmente terá ainda maior protagonismo das “novas renováveis”, além de baterias, usinas híbridas, hidrelétricas reversíveis, carros elétricos e, talvez, novas tecnologias como nucleares compactas e hidrogênio.
Em resumo, a transição energética para uma economia global com baixa emissão de carbono é uma grande certeza. A dúvida é qual o caminho a ser percorrido e quais os desafios a serem enfrentados durante a transição.
O Brasil já corre contra o relógio na superação desses desafios.
O modelo do setor elétrico foi desenhado de forma a atender os requisitos técnicos de uma matriz predominantemente hidrelétrica. Ocorre que a realidade já apresenta uma grande proporção de “novas renováveis” e o futuro contará com tecnologias ainda mais disruptivas.
Sendo assim, é essencial que as propostas legislativas para modernização do setor que já tramitam no Congresso Nacional (destaque para os Projetos de Lei 232/2016 e 1917/2015) ofereçam ambiente adequado para as transformações energéticas que estão por vir, proporcionando liberdade para a implementação de modelos de negócios inovadores e, consequentemente, crescimento para o país.
O setor elétrico é certamente uma alavanca fundamental na recuperação econômica do Brasil, visto que garante insumo para o desenvolvimento dos demais setores da economia.
Sendo um setor sob forte regulação, o regulador e o Estado têm papel importante como fomentadores de um ambiente de negócios atrativo aos investidores, incentivando a competitividade e monitorando a qualidade dos produtos e serviços aos consumidores.
Um conceito que pode ser um grande aliado na transição é o regulatory sandbox (caixa de areia regulatória), testado com sucesso no setor financeiro de diversos países. No Brasil, a primeira inciativa deste tipo foi em 2019, com objetivo de fomentar a inovação junto ao ecossistema de fintechs.
No regulatory sandbox, o regulador disponibiliza um espaço reservado para que os agentes testem novos produtos, serviços e modelos de negócios. Além de possibilitar o desenvolvimento ágil de novas soluções por parte desses agentes, o modelo permite que o regulador adquira rapidamente a experiência necessária para melhor regulamentar as soluções no futuro.
Como vimos, a transição energética é um movimento sem volta e já é uma realidade em nosso país. Nesse contexto, é fundamental que o Estado se adapte de forma ágil, utilize modelos modernos e crie um ambiente favorável ao desenvolvimento das novas tecnologias, que trarão inúmeros benefícios para a sociedade brasileira, tão carente de desenvolvimento econômico e social.
Fabiola Sena é diretora de Assuntos Regulatórios da Statkraft no Brasil. Possui graduação, mestrado e doutorado em engenharia elétrica. Tem 25 anos de experiência em mercados de energia elétrica, regulação da indústria de eletricidade e avaliação de projetos de geração.