A produção de gás natural na Bacia Potiguar no período 2000-2020: oportunidades para incremento de reservas e produção, por Hercules Tadeu

Plataforma FPSO de Ubarana 3
Plataforma FPSO de Ubarana 3

Em uma análise do período 2000-2020, nota-se que a produção de gás natural (doravante, gás) na Bacia Potiguar teve seus melhores momentos no início dos anos 2000. Na primeira metade da década de 2000, as produções em terra e no mar chegaram, respectivamente, a um máximo de 1,27 MM m3/d e 3,1 MM m3/d. Com o tempo, as respectivas produções entraram em declínio. A produção oriunda dos campos marítimos experimentou maior queda relativamente àquela dos ativos terrestres.

No mar, foram destaques no período os campos de Ubarana, Pescada e Arabaiana. Em terra, o principal produtor foi o Campo de Riacho da Forquilha. Também tiveram produções importantes para a bacia os campos terrestres de Lorena e Boa Vista.

A maior parte dos ativos de E&P da Bacia Potiguar foram descobertos e operados pela Petrobras.

Com a priorização por parte da Petrobras pelos prolíficos reservatórios do pré-sal, emerge uma conjuntura interessante para empresas independentes assumirem a gestão desses ativos  da Bacia Potiguar. Embora não abordado aqui, esse movimento já se iniciou. E investir no incremento de reservas e produção, seja como parte do processo de revitalização da produção, sejam  investimentos em blocos exploratórios.

Todas as informações utilizadas neste artigo são públicas e foram extraídas do site da ANP. A amostragem de dados foi feita nos anos pares.

O período 2000-2020 na Bacia Potiguar

É a partir dos anos 2000 que a produção de gás torna-se mais importante no Brasil. Coincide com o período em que  a sociedade começa a defender que esse é o combustível de transição para fontes renováveis em um futuro com uma menor pegada de carbono.

Fora do período analisado (2000-2020), a Bacia Potiguar chegou a produzir (terra e mar) quase 102 mil barris/dia de petróleo em novembro de 1998, com larga predominância da produção terrestre. Em outubro de 2000 produziu cerca de 3,6 milhões de metros cúbicos de gás/dia, sendo a maior parte da produção oriunda de ativos marítimos. O período compreendido entre o final dos anos 1990 e início dos anos 2000 marcou a fase áurea de produção de petróleo e gás da Bacia Potiguar.

Nesses vinte anos, a produção tanto de petróleo como de gás do Brasil cresceu de forma relevante (Tabela 1). Mas quando se analisa os números da Bacia Potiguar e de outras bacias rifte da margem oriental brasileira (Espírito Santo, Recôncavo, Tucano Sul, Sergipe e Alagoas), a tendência de produção aponta no sentido contrário. Embora o foco aqui seja a produção de gás, os volumes produzidos de petróleo no período 2000-2020 nessas bacias também são crescentemente declinantes.

Tabela 1 – Volumes produzidos de petróleo e gás natural no Brasil nos meses de abril de 2000 e 2020.

Período Petróleo (bo/d) Gás (boe/d) Produção total (boe/d) Fração do gás na produção total do país (%)
Abr/2000 1.161.040 222.182 1.383.040 16
Abr/2020 2.958.364 779.973 3.738.337 21
Variação (%) + 155 + 251 + 170

Conforme mencionado, os volumes de gás produzidos na Bacia Potiguar alcançaram seus maiores valores no início dos anos 2000 (Figura 1). O predomínio da produção era dos campos marítimos, com destaque para o Campo de Ubarana, que ao final de 2000 chegou a produzir volumes diários da ordem de 2,16 milhão de metros cúbicos.

Figura 1 – Volumes médios diários produzidos de gás natural no período 2000-2020 na Bacia Potiguar, mar e terra. O eixo horizontal compreende o período 2000 a 2020.

O Campo de Pescada chegou a produzir 1,17 MM m3/d em junho de 2002. Já o Campo de Arabaiana atingiu 0,98 MM m3/d em setembro de 2004. Pescada sustentou produção maior ou igual a 0,2 MM m3/d até o final de 2011. Esse mesmo patamar de produção em Arabaiana se estendeu até meados de 2014

Assim, podem ser caracterizados como sendo os principais campos marítimos produtores de gás na Bacia Potiguar, Ubarana, Pescada e Arabaiana (Figura 2). No tocante à produção de gás de campos terrestres, listam-se os campos de Riacho da Forquilha, Lorena e Boa Vista (Figura 3).

Figura 2- Principais campos marítimos produtores de gás. O eixo horizontal compreende o período 2000 a 2020.

Quando se compara a relação da produção de gás natural entre ativos terrestres e marítimos, pode se observar que há forte predomínio da produção marítima até por volta de 2006 (Figura 4). A partir daí, a proporção começa a se tornar mais favorável à produção dos campos terrestres. Os campos terrestres ultrapassaram a produção marítima diária entre os anos de 2013 e 2014, em patamares inferiores a 1 MM m3/d.

Figura 3 Principais campos terrestres produtores de gás. O eixo horizontal compreende o período 2000 a 2020.

Não que os campos terrestres tivessem produções muito relevantes. Mas sim, pelo rápido declínio observado nos volumes produzidos dos campos marítimos (Figura 4). Coincidência ou não, ao redor de 2006, é descoberto o Campo de Lula, na Bacia de Campos e a Petrobras começa a direcionar, de forma correta, frisa-se, seus investimentos em E&P para os reservatórios do pré-sal, prática que continua nos dias atuais.

Figura 4- Razão entre as produções de gás oriundas de campos terrestres e marítimos abordados neste artigo. O eixo horizontal compreende o período 2000 a 2020. Os volumes apontados para Ubarana e Pescada referem-se a vazões diárias.

A produção de gás de ativos terrestres atingiu o pico de 1 milhão de metros cúbicos/dia no início dos anos 2000. O principal produtor nesses 20 anos é o Campo de Riacho da Forquilha (Figura 3), que chegou a produzir 820 mil metros cúbicos/dia em setembro de 2000. Não menos relevantes foram as produções dos campos de Boa Vista e Lorena, que produziram valores máximos da ordem, respectivamente, de cerca de 370 (em setembro de 2007) e 250 mil metros cúbicos/dia (em abril de 2010). Produções que rapidamente declinaram nos anos seguintes.

Indicadores dos campos

Existem formas de se analisar o potencial remanescente de produção de ativos maduros. Dentre outras, identificam-se os volumes in place de gás e o que já foi produzido (fração recuperada). Analisa-se a situação dos poços dos campos produtores, segregando-os no quantitativo de poços já abandonados (permanente ou temporariamente), devolvidos, fechados, em intervenção, poços injetores e, claro, o número de poços em produção. São informações de grande valia para se avaliar a saúde do ativo produtor.

Tabela 2- Indicadores do status dos poços dos campos de Ubarana, Arabaiana e Pescada. 1= número total de poços perfurados no campo, 2= número de poços em produção; 3= número de poços fechados; 4= número de poços em intervenção e 5= número de poços abandonados temporariamente sem monitoramento. Fonte: Tabela de poços da ANP, abril 2020.

Campo 1 2 3 4 5
Ubarana 137 39 31 4 30
Arabaiana 13 2 1 0 10
Pescada 16 6 0 0 11

Usando de tais alternativas, procedeu-se à análise dos campos marítimos aqui abordados (Tabelas 2 e 3). Não se usou de tais iniciativas para a análise dos três campos terrestres mostrados, até porque dois deles (Riacho da Forquilha e Lorena) passaram recentemente a ter novo operador, como parte do processo de desinvestimento da Petrobras. Um novo operador tem uma nova estratégia a ser implementada para a gestão dos ativos de produção. É pouco tempo ainda para se medir os efeitos práticos de uma nova gestão desses ativos.

Tabela 3 – Indicadores de reservas de gás associado e não associado dos campos de Ubarana, Arabaiana e Pescada e respectivas frações recuperadas. 1= ring fence do campo (km2); 2= Volume de gás não associado in place (MM m3); 3= fração recuperada do gás não associado (%); 4= volume de gás associado in place (MM m3);  ; 5= fração recuperada do gás associado (%). Para os campos de Arabaiana e Pescada a data de corte nos respectivos Planos de Desenvolvimento é 31/12/2015.

1 2 3 4 5
Campo
Ubarana 119,8 não disponível (n.d.) n.d. n.d. n.d.
Arabaiana 57,2 1.869 1 6.907 26
Pescada 55,2 3.769 57 3.882 10

Em abril de 2020 havia 39 poços em produção no Campo de Ubarana, ou 28% do total de 137 poços perfurados no campo (Tabela de Poços da ANP, referência abril 2020). Um meio de se aumentar rapidamente a produção de campos de petróleo e gás é intervir em poços fechados. Observa-se que em abril de 2020 havia 31 poços fechados no Campo de Ubarana e apenas 4 em intervenção (Tabela 2).

A produção de petróleo e de gás do Campo de Ubarana em março de 2020 foi de, respectivamente, 1.140 barris de petróleo/dia e 107 mil metros cúbicos/dia de gás. Ao se dividir os volumes produzidos pelo número de poços produtores naquele mês, chega-se a 29 barris de petróleo e cerca de 2,7 mil metros cúbicos de gás por poço. Valores bastante modestos. No mês seguinte, em abril, a produção tanto de óleo como de gás foi zero.

Para o Campo de Pescada consta a perfuração de 16 poços. Desses, 6 poços estavam em produção em abril de 2020. Não havia nenhum poço fechado ou sofrendo intervenção, mas constavam 11 poços abandonados temporariamente sem monitoramento (Tabela 2).

Apresenta-se também o quadro para o Campo de Arabaiana. Constam 13 poços perfurados no campo, dos quais apenas 2 em produção. Havia apenas 1 poço fechado, mas 10 poços abandonados temporariamente sem monitoramento (Tabela 2).

Pelo lado da fração recuperada de gás dos poços, citam-se dois exemplos, que sugerem otimismo no que diz respeito a potencial recuperação adicional de volumes de gás. Primeiramente no Campo de Arabaiana, onde do volume de gás não associado in place, recuperou-se apenas 1% (Tabela 3). No Campo de Pescada apenas 10% do volume de gás associado in place foi recuperado (Tabela 3). Para ambos os campos a data de corte constante em seus respectivos Plano de Desenvolvimento é 31/12/2015. Ou seja, são desconhecidos os porcentuais atualizados de recuperação de gás desses campos.

Do quadro mostrado, indaga-se: é possível melhorar a performance dos poços desses campos e dos campos em si? Embora não se tenham disponíveis todas as informações para balizar essas respostas, parece que sim, é possível.

Uma gestão criteriosa de reservatórios deveria incluir: (1) a identificação de zonas de recanhoneio, (2) de novas zonas a serem perfuradas, (3) uma reanálise de perfis e testes, (4) uma reavaliação da malha de drenagem, (5) determinação do grau de depleção dos horizontes produtores, (6) análise detalhada das condições mecânicas dos poços produtores e dos poços abandonados temporariamente ou desativados e (7) a aquisição (ou reprocessamento, caso existente) de sísmica 3D, que possibilite a extensão de ring fences e/ou projeto de adensamento de malha de drenagem. Além disso, devem ser cuidadosamente analisadas o estado das instalações e facilidades de produção.

São os desafios que esperam das empresas independentes que gradualmente assumirão esses ativos.

A Bacia Potiguar no contexto da produção de petróleo e gás natural do Brasil – A Bacia Potiguar vem perdendo protagonismo no cenário de produção brasileiro. Em abril de 2000 os números mostrados de produção de petróleo e gás natural eram bastante relevantes no contexto nacional (Tabela 4).

Tabela 4 – Dados de produção de petróleo e gás do Brasil e da Bacia Potiguar para o mês de abril de 2000. A produção de petróleo expressa em barris/dia. A produção de gás mostrada em milhões de metros cúbicos/dia. A contribuição da bacia para a produção nacional de gás aproximou-se dos 10% naquele mês.

abr/00 Brasil Bacia Potiguar % produção
Produção Petróleo Gás Petróleo Gás Petróleo Gás
1.161.040 35,3 88.600 3,41 7,6 9,7

Atualmente, a importância da Bacia Potiguar no contexto da produção nacional decaiu muito, não só pelo declínio natural dos ativos produtores como também pelos volumes crescentes de produção de petróleo e gás dos reservatórios do pré-sal das bacias de Santos e Campos, nesta ordem. A contribuição da Bacia Potiguar para a produção nacional de gás, no mês de abril de 2020 foi de apenas 0,5% (Tabela 5). No mês de abril de 2020, a produção de gás em terra foi cerca de duas vezes àquela da porção marítima da bacia, respectivamente, 0,4 MM m3/dia e 0,2 MM m3/dia.

Tabela 5 – Dados de produção de petróleo e gás do Brasil e da Bacia Potiguar para o mês de abril de 2020. A produção de petróleo expressa em barris/dia. A produção de gás mostrada em milhões de metros cúbicos/dia. Nota-se que é bastante modesta a contribuição da bacia no cenário nacional no tocante às frações petróleo e gás.

abr/20 Brasil Bacia Potiguar % produção
Produção Petróleo Gás Petróleo Gás Petróleo Gás
2.958.364 124 33.774 0,608 1,1 0,5

A Petrobras fez a escolha correta ao direcionar seus recursos para a exploração e produção dos reservatórios do pré-sal, uma atividade investimento-intensiva. Atualmente cerca de 70% da produção nacional (em barris de óleo equivalente) já é proveniente dos reservatórios do pré-sal. E melhor, existe ainda grande potencial de incremento da produção desses reservatórios.

O recurso financeiro da Petrobras é finito, como o é o de outras operadoras. Assim, tem-se que fazer escolhas. E ao focar no pré-sal, a Petrobras nunca produziu tanto petróleo e gás.

Ao priorizar os reservatórios do pré-sal a Petrobras deixa aos poucos uma série de oportunidades de investimentos passíveis de serem revitalizadas por empresas de menor porte. Os exemplos de ativos aqui mencionados são apropriados para serem assumidos por empresas independentes. Ali, uma boa gestão dos reservatórios associada a um controle rigoroso de custos deve resultar em incremento da produção, reservas e de receitas, beneficiando estados e municípios com a geração de emprego, de renda e impacto positivo no recolhimento de tributos. Muitas vezes, caso do Nordeste Brasileiro, os campos terrestres estão localizados em municípios com baixo Índice de Desenvolvimento Humano (IDH). O benefício para a sociedade local é imediato.

Conclusões

A produção de gás na Bacia Potiguar é declinante. A Petrobras, a grande operadora da bacia, tem direcionado seus investimentos majoritariamente para os ativos do pré-sal. Uma opção que tem se mostrado correta. Trata-se de oportunidade assumir o papel de operador desses campos terrestres e marítimos e buscar reverter o quadro de declínio de produção. Entendemos que oportunidades como essas são e serão de interesse de empresas independentes.

Uma estratégia que pode ser atrativa para empresas já operando ativos de produção, como também para novos entrantes, é tentar combinar a atividade de revitalização da produção com investimentos em exploração a partir de blocos próximos à instalações de produção. Os blocos da Oferta Permanente da ANP podem oferecer essa oportunidade. O programa de desinvestimentos da Petrobras no setor E&P poderá ser atrativo tanto para o ingresso de novos entrantes (dependente do preço de entrada) como também para a consolidação dos operadores já instalados.

No que diz respeito ao gás, o entrante nesses ativos deve estar pronto para conviver com alguns desafios:  (1) quem será o comprador do gás produzido, (2) a que preço o gás será comprado, (3) como fica a atratividade do gás produzido localmente frente ao gás importado, (4) condições de uso e preços para utilização dos dutos de transferência e escoamento do gás produzido e (5) a falta ainda de um ambiente competitivo do mercado de gás no Brasil.

O Brasil é um país rico em recursos naturais. O que o país precisa é de mais investimento  para gerar emprego, riqueza e bem estar social. O novo cenário que se desenha para o setor de E&P no Brasil aponta para um quadro otimista onde se vê a entrada de um número maior de investidores trabalhando para incrementar a produção de petróleo e gás do país – em terra e no mar.

Referências

ANP, 2020, http://www.anp.gov.br/exploracao-e-producao-de-oleo-e-gas/painel-dinamico-de-producao-de-petroleo-e-gas-natural
ANP, 2020, http://www.anp.gov.br/exploracao-e-producao-de-oleo-e-gas/dados-tecnicos/acervo-de-dados

Hercules Tadeu F. da Silva ([email protected]) é geólogo, sócio-diretor da Ondina Energia e foi diretor da Pré-Sal Petróleo SA (PPSA). Agradecimentos a Jason Carneiro, Marcelo Magalhães e João de Deus Souto pela revisão crítica do manuscrito.