RIO — Na corrida europeia pela transição energética, o hidrogênio de baixo carbono se destaca como um dos pilares fundamentais para redução das emissões de setores intensivos e para a segurança energética.
No entanto, a forma como esse energético é produzido tem gerado um intenso debate no novo Ato Delegado da União Europeia (UE), que irá definir regras para a produção a partir de energia nuclear e da reforma de gás natural com captura de carbono, este último também conhecido como hidrogênio azul.
Em entrevista à agência eixos, Werner Diwald, presidente do conselho da Associação Alemã de Hidrogênio e Células de Combustível (DWV), alerta sobre os riscos da regulação incentivar a produção de hidrogênio azul, e reforça a posição da entidade em defesa do hidrogênio verde, obtido a partir de fontes renováveis, como solar e eólica.
“A mensagem da União Europeia é clara. Cada país é livre para produzir, mas o hidrogênio de baixo carbono, o hidrogênio azul, não deve receber subsídios”, disse Diwald.
Ele pontua que, apesar de o hidrogênio azul ser apresentado como uma solução de transição por seus defensores, os desafios tecnológicos são muitos, principalmente em relação à captura e armazenamento de carbono (CCS, em inglês), e os impactos ambientais ainda são desconhecidos.
Além disso, Diwald destaca que as regulamentações da UE impõem um limite de pegada de CO2 que o hidrogênio azul dificilmente conseguirá cumprir.
“Se você realmente olhar mais a fundo as regulamentações, fica claro que é muito difícil fazer o hidrogênio azul, porque há um limite máximo de pegada de CO2 por megajoule que é permitido”, afirma.
Riscos para investidores de H2 verde
Segundo o presidente da DWV, uma abordagem “muito ampla” na política para hidrogênio de baixo carbono poderia minar a confiança de investidores em tecnologias verdadeiramente sustentáveis.
“Se tornar [as regras] muito abertas, os atores verdes vão se perguntar se realmente vale a pena investir, especialmente no início do desenvolvimento do mercado”, diz Diwald.
Ele enfatiza que a transição energética precisa ser feita com critérios claros, favorecendo soluções que tenham impacto ambiental positivo a longo prazo.
Ao defender o hidrogênio verde, Diwald salienta que as tecnologias para sua produção, como a eletrólise alimentada por energias renováveis já estão bem estabelecidas e oferecem maior aceitação pública.
Para ele, o argumento de que o hidrogênio azul seria mais barato e mais rápido de ser entregue não se sustenta quando se analisam os custos e desafios envolvidos.
“Eles [os defensores do hidrogênio azul] nunca trazem provas. Nós, na sociedade, trazemos provas de que podemos produzir hidrogênio limpo”, argumenta Diwald.
“Sabemos o quão rápido podemos construir um grande parque eólico. Também é muito fácil instalar eletrolisadores (…) Sabemos quanto custa. Sabemos quanto custa a eletrólise, então é muito fácil calcular o preço”, completa.
Independência energética
Para o executivo, continuar a depender de tecnologias baseadas em combustíveis fósseis pode criar um falso senso de segurança para a Europa, levando a uma maior dependência tecnológica de outros países, como a China.
“Se não fizermos isso [desenvolver o mercado de hidrogênio verde], no final, os chineses farão isso sozinhos, e todos terão que comprar eletrolisadores e células de combustível da China”.
Diwald enxerga no hidrogênio verde o potencial de promover uma independência energética mais ampla, como uma forma de “energia democrática”, capaz de ser produzido em qualquer país com recursos naturais como vento e sol.
Essas fontes renováveis ofereceriam uma oportunidade única de redistribuir o poder geopolítico relacionado à energia, na visão do presidente da DWV, diminuindo conflitos geopolíticos e a competição por recursos energéticos.
Ele ressalta a importância de evitar uma dependência tecnológica no futuro, sob o risco de acontecer algo parecido com a dependência europeia do gás russo.
“Energia limpa e hidrogênio limpo nos dão essa oportunidade”, enfatiza. “Sabemos que há plantas para produção de turbinas eólicas no Brasil, por exemplo”.
Hidrogênio de biomassa
Embora não enxergue abertura do mercado europeu para o hidrogênio de biomassa, o executivo alemão reconhece o potencial dessa alternativa para outras realidades, como o Brasil, podendo se reservar a atender um mercado regional na América do Sul.
“É mais regional. Muitas regiões pequenas têm o potencial de cobrir sua própria demanda. Então acho que para o Brasil é muito interessante os países ao redor, ao ser o grande player na América do Sul”.
A principal barreira para hidrogênio de biomassa é ambiental. Há uma visão disseminada na Europa que associa a produção agrícola brasileira ao desmatamento da Amazônia — algo que o atual governo vem tentando contornar por meio da presidência rotativa do G20.