O hidrogênio verde está se cristalizando cada vez mais como um elemento fundamental para a transição energética e a proteção climática, desempenhando um papel particularmente importante em contextos difíceis ou impossíveis de eletrificar.
À medida que o aumento do mercado se desenvolve, a importância geopolítica do hidrogênio verde, também cresce, pois países do mundo todo estão formando alianças e investimentos estratégicos para se posicionarem na concorrência global.
Como parte do European Green Deal, a União Europeia (UE) formulou sua estratégia para o hidrogênio, que desempenha um papel fundamental para atingir a meta de uma economia neutra para o clima até 2050.
A estratégia europeia é complementada por estratégias nacionais, em que ambos os níveis estão intimamente inter-relacionados, conforme demonstrado pelos projetos pan-europeus IPCEI (Important Project of Common European Interest) de hidrogênio.
Para se ter uma ideia, somente os 62 IPCEIs sob a liderança alemã receberam cerca de 6 bilhões de euros em financiamento público (federal e estadual) e devem desencadear investimentos totais de 33 bilhões de euros.
As estratégias não são apenas um instrumento para os efeitos climáticos, mas também geopolítico, para fortalecer a independência energética da UE e de seus estados-membros, e para se afastar das importações de combustíveis fósseis, principalmente da Rússia.
Até 2030, 40 gigawatts de capacidade de eletrólise deverão ser instalados na Europa, mas, na verdade, 120 GW provavelmente serão necessários para produzir as 10 megatoneladas de hidrogênio verde mencionadas no plano REPowerEU, além das 10 megatoneladas planejadas por meio de importações.
A produção e a distribuição de hidrogênio verde enfrentam vários desafios na prática: altos custos de produção e infraestrutura ainda inadequada são os principais problemas. Basicamente, as economias de escala devem primeiro ser realizadas na produção de eletrolisadores.
Corrida pela liderança tecnológica
O desenvolvimento tecnológico no campo do hidrogênio verde está fazendo um progresso reconhecível e os eletrolisadores eficientes e tecnologias inovadoras de armazenamento são os principais elementos.
De acordo com uma análise do Escritório Europeu de Patentes, as empresas europeias foram líderes em tecnologias de hidrogênio no passado recente, como mostra uma análise das participações no pool de patentes para as várias tecnologias de eletrolisadores no período de 2011 a 2020.
O mesmo se aplica ao Japão, que, assim como a Coreia do Sul, está investindo pesadamente em tecnologia de hidrogênio, pois o país pobre em recursos naturais/energéticos vê essa fonte de energia como uma oportunidade de reduzir sua dependência energética e, ao mesmo tempo, alcançar a liderança tecnológica.
A Coreia do Sul também planeja colocar 850.000 veículos com células de combustível nas ruas até 2030, paralelamente ao aumento da eletromobilidade e, assim, tornar-se o principal mercado de mobilidade H2; um objetivo que está sendo cada vez mais disputado pela China.
Os EUA (como parte da Inflation Reduction Act) e a China estão investindo pesadamente em pesquisa e desenvolvimento para fortalecerem suas posições na economia global do hidrogênio.
A China identificou o hidrogênio verde como uma das principais áreas estratégicas na sua estratégia de médio e longo para o desenvolvimento da indústria de energia de hidrogênio (2021–2035) e pretende ser o líder mundial em tecnologia de hidrogênio até 2035.
Assim como os sistemas fotovoltaicos e as turbinas eólicas, a China também se esforçará para expandir seu domínio tecnológico e econômico nessa área.
Ao estabelecer padrões formais ou até mesmo de fato, há uma oportunidade fundamental para os participantes afirmarem a hegemonia tecnológica em determinados campos.
A corrida pela liderança tecnológica e pela presença no mercado também envolve o acesso a matérias-primas essenciais, tais como o irídio, que é necessário para os eletrolisadores PEM e para o qual existem apenas alguns países produtores.
Dependências novas e antigas também estão surgindo com relação ao níquel e à platina, que podem se tornar um freio para a produção em larga escala de eletrolisadores e ainda não são suficientemente levadas em conta nos roteiros tecnológicos e nas estratégias de hidrogênio existentes.
Cooperações internacionais
Atualmente, as nações líderes em tecnologia estão usando sua experiência para conquistar fatias do mercado internacional e para formar alianças estratégicas – estima-se que o mercado de plantas e equipamentos (especialmente eletrólise e células de combustível) valerá de US$ 60 a 65 bilhões por ano até meados do século.
Assim, a Europa também está se empenhando em cooperações para garantir a importação de hidrogênio verde de países ensolarados e ventosos. A Africa-Europe Green Energy Initiative é um exemplo.
Essas parcerias de alto nível têm como objetivo contribuir para o desenvolvimento econômico da África e, ao mesmo tempo, fortalecer a segurança energética da Europa.
O desenvolvimento de uma infraestrutura global de hidrogênio está associado a desafios consideráveis. A garantia de rotas comerciais e o desenvolvimento de padrões internacionais são fundamentais para facilitar o comércio global.
Com o aumento em larga escala da produção de hidrogênio verde e a recalibração dos processos no setor de energia e na indústria, haverá mudanças reconhecíveis no poder geopolítico nos setores correspondentes e estruturados internacionalmente.
Os países produtores de combustíveis fósseis se tornarão menos importantes (a menos que também consigam mudar para a eletricidade verde e o hidrogênio verde), enquanto os países que podem se tornar novas potências no mercado global de energia e matérias-primas, devido a condições geográficas e climáticas favoráveis, provavelmente ganharão importância.
Isso se aplica, por exemplo, à Namíbia, ao Brasil, à Austrália e ao Chile. Os países árabes também reconheceram há muito tempo o potencial e estão construindo infraestruturas para a produção de hidrogênio.
Esse posicionamento no mercado internacional inclui também formas alternativas de produção de hidrogénio verde, por exemplo com base em biogás ou etanol, como no Brasil.
A relevância do Brasil no mercado global
O exemplo do Brasil ilustra a rapidez com que novas (in)dependências podem surgir. O Brasil tem um grande potencial para a produção de hidrogênio verde devido às condições favoráveis para a expansão em larga escala da energia solar e eólica.
Consequentemente, o país e os estados do nordeste, em particular, começaram a fortalecer seu papel na economia global do hidrogênio nos últimos anos, conforme demonstrado por vários projetos de grande escala – como a usina de hidrogênio verde e amônia no estado do Piauí, que foi financiada com € 2 bilhões da UE, e os projetos no estado vizinho do Ceará, que valem cerca de € 8 bilhões no total.
O foco aqui não está apenas nas perspectivas de exportação, mas também na expansão da própria base industrial do país. Isso serve tanto para expandir a criação de valor, quanto para reduzir as dependências assimétricas de outros países e regiões do mundo.
Por exemplo, o Brasil é dependente das importações de fertilizantes artificiais da Europa Oriental e da Rússia em particular; a participação das importações é superior a 90%.
A produção de hidrogênio verde e a subsequente síntese de amônia fornecem uma base para a produção de fertilizantes e, portanto, para a independência das importações.
Uma fábrica desse tipo está sendo construída atualmente em Uberaba, Minas Gerais, que atenderá a cerca de 20 a 30% do mercado regional. A produção nessa escala deve, portanto, contribuir diretamente para reduzir a dependência da Rússia.
Além dos países produtores, os países que desempenham um papel fundamental no transporte de hidrogênio – seja por navio ou gasoduto – também serão parceiros procurados na reorganização tectônica do mundo, à medida que aumenta a importância dos gasodutos de hidrogênio e das rotas de transporte marítimo.
A corrida tecnológica ainda está aberta para saber se, por exemplo, o possível transporte por navio – que também deve ser neutro em CO2 – dependerá agora de hidrogênio líquido, metano/metanol ou amônia.
O European Hydrogen Backbone, que conecta os centros de importação e produção aos centros de consumo, está sendo desenvolvido paralelamente. A espinha dorsal é composta por várias sub-redes, como o Central European Hydrogen Corridor, e tem o objetivo de garantir a segurança do fornecimento.
Dependendo da forma que prevalecer, as partes da cadeia de valor nos países produtores e consumidores variam em comprimento e podem favorecer um país ou outro como um centro de fornecimento regional, dependendo da forma.
Por exemplo, os terminais de GNL no norte da Alemanha, que foram construídos na esteira da escassez de energia desencadeada pela guerra da Ucrânia, também foram projetados com vistas a um posterior desembarque de hidrogênio.
No entanto, a utilização subsequente dos terminais de GNL para hidrogênio líquido é repleta de incertezas, se essa utilização não tiver sido planejada e tecnicamente preparada desde o início: “Tanto a amônia, quanto o hidrogênio líquido apresentam desafios técnicos para a infraestrutura do terminal. A amônia tem uma temperatura de ebulição mais favorável do que o GNL e, portanto, menos requisitos de isolamento térmico, mas é corrosiva e tóxica. O hidrogênio líquido, por outro lado, tem um ponto de ebulição ainda mais baixo do que o GNL, o que pode causar fragilização do material e está associado a altos requisitos de segurança devido ao risco de explosão.”
Portanto, resta saber se os investimentos feitos sob a impressão da escassez de energia relacionada à guerra e implementados na “nova velocidade alemã” são de fato um investimento no futuro pós-fóssil.
Perspectivas
O hidrogênio verde tem o potencial de mudar fundamentalmente o cenário energético global e contribuir para atingir as metas climáticas. Os desenvolvimentos geopolíticos atuais mostram que muitos países reconheceram a importância dessa tecnologia e estão agindo.
A cooperação internacional, os avanços tecnológicos e os investimentos estratégicos são fundamentais para que, a longo prazo, essa nova fonte de energia possa desempenhar um papel fundamental em uma reorganização internacional sustentável e estável de energia e matérias-primas.
No processo de reorganização, a UE e seus estados-membros devem buscar uma estratégia ativa e cooperativa, que reconheça os interesses de outros participantes/países e implemente de forma pragmática as parcerias resultantes (o que inevitavelmente levanta a questão da importância que uma política baseada em valores pode e deve ter nesse contexto) para atingir as metas climáticas estabelecidas, gerenciar com sucesso a transformação associada do setor e, também, manter a influência global, tendo em vista o aumento da importância da região do Indo-Pacífico.
Marc Bovenschulte é diretor do Instituto de Inovação e Tecnologia da Alemanha.
Este texto foi criado como parte do projeto H2Brasil, da cooperação alemã para o Desenvolvimento Sustentável por meio da GIZ, em colaboração com Integration e Intec.
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