Eficiência energética, um eixo da transição justa

Aço verde produzido com hidrogênio pode aumentar valor agregado e exportações de eletrodomésticos brasileiros, escrevem Priscila Arruda e Rodolfo Gomes

Edilaine Camillo é Institutional Advisor do Programa da Clasp no Brasil (Foto: Divulgação)
Edilaine Camillo é Institutional Advisor do Programa da Clasp no Brasil | Foto: Divulgação

Você sabia que quase metade do desperdício de alimentos no mundo poderia ser evitado e que 1,7 bilhão de pessoas ainda não possuem uma geladeira? E que somente 10% das residências dos países do Sul Global tem um ar-condicionado?

Essas constatações são ainda preocupantes em meio às mudanças climáticas, tanto por suas implicações em termos de desperdícios como de saúde. Segundo um estudo da Universidade de Michigan, a disponibilidade de cadeias refrigeradas poderia evitar o descarte de 620 milhões de toneladas de alimentos e mitigar a insegurança alimentar.

Ao mesmo tempo, a Organização Mundial da Saúde (OMS) estima que 255 mil pessoas possam morrer anualmente até 2050 devido às ondas recorrentes de calor. Ou seja, o conforto térmico deixou de ser luxo para ser questão de saúde. 

Todavia, a ampla difusão desses equipamentos só deve ser possível com a adoção de modelos supereficientes e economicamente acessíveis. Ao mesmo tempo que a difusão de equipamentos de refrigeração e climatização é uma medida urgente e necessária para mitigar os efeitos das mudanças climáticas e manter a produtividade das economias, esses aparelhos sobrecarregam os sistemas de energia.

O ar-condicionado deve se tornar o principal impulsionador do crescimento da demanda por eletricidade nas próximas três décadas, segundo a Agência Internacional de Energia (IEA, na sigla em inglês). 

E se esse contexto de aceleração da demanda mundial por produtos da cadeia do frio for uma janela de oportunidade para o Brasil?

Há poucos países no mundo que têm capacidade de produzir equipamentos de refrigeração e climatização e uma cadeia produtiva local estruturada.

Mas para fabricá-los para exportação, a indústria brasileira precisa atacar seus principais desafios produtivos e tecnológicos e fazer o catching-up com as melhores práticas internacionais de eficiência energética.

Sem que isto ocorra, as barreiras regulatórias ao comércio exterior devem ficar cada vez maiores: o Brasil já chegou a exportar 25% da sua produção industrial de geladeiras e freezers domésticos, hoje exporta menos de 1%. Parte dessa perda de competividade está relacionada à eficiência.

A África e o Oriente Médio são mercados emergentes, com projeções de crescimento de 5,5% a 6,5% ao ano até 2030, que importam refrigeradores e ar-condicionado. E muitos países dessas regiões estão apertando o cerco com as suas políticas de consumo mais eficiente para contrabalancear a sobrecarga dos sistemas locais de eletricidade.

Nos últimos anos, o Ministério de Minas e Energia (MME) e o Instituto Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Industria (Inmetro) têm feito um esforço considerável para atualizar os índices mínimos de eficiência energética aplicados ao programa de etiquetagem dos aparelhos de ar-condicionado e dos refrigeradores de uso doméstico. 

Esses instrumentos podem funcionar como uma poderosa ferramenta de política industrial, já que retira itens obsoletos do mercado e força os fabricantes a melhorarem seus produtos. Mas, para estabelecer parâmetros mais rigorosos de economia de energia, a indústria tem se capacitar para disponibilizar, em curto e médio prazo, equipamentos melhores no mercado local

“Adensar cadeias industriais para a transição energética, com vistas à autonomia, à eficiência energética e à diversificação da matriz brasileira” é um dos objetivos da Missão 5 da Nova Indústria Brasil.

Para alcançar este objetivo, o Brasil pode, por exemplo, se inspirar no Plano Made in China (2015-2025), que articula os requisitos de eficiência energética com os objetivos de ampliar a inserção de setores estratégicos nas cadeias globais valor. 

O país tem um sistema nacional de inovação estruturado o suficiente para se adaptar aos novos perfis da demanda global.

Também tem uma histórico de construção de competências locais no setor de refrigeração, fruto da cooperação entre a Embraco, fabricante de compressores, e a Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), que começou em 1982.

Desde 2014, o Polo – Laboratórios de Pesquisa em Refrigeração e Termofísica da UFSC – é uma unidade da Empresa Brasileira de Pesquisa e Inovação Industrial (Embrapii).

Sendo assim, o Brasil tem todos os elementos para tirar proveito deste momento em que a eficiência energética se torna um vetor cada vez mais relevante de uma transição energética justa e que o país quer promover a reindustrialização em bases sustentáveis. Afinal, pode catalisar a competividade de setores que têm impactos simultâneos na produtividade e no bem-estar social de parcela significativa da população mundial.


Edilaine Camillo é doutora em Política Científica e Tecnológica pela Unicamp e especialista em políticas industriais para transição e eficiência energética. Desde 2023, é Institutional Advisor do Programa da Clasp no Brasil.

A Clasp, com sede em Washington DC, é uma organização sem fins lucrativos que presta assistência técnica aos países que visam aprimorar suas políticas de eficiência energética e de acesso à energia. Fundada a partir de uma colaboração entre o Lawrence Berkeley National Laboratory, o Alliance to Save Energy e o International Institute for Energy Conservation, já implementou projetos em 90 países desde a sua fundação em 1999 e têm unidades em cinco países, além dos Estados Unidos. Em 2024, o Brasil vai ser o sétimo país a ter um escritório da Clasp.