A presidente da Câmara dos EUA, Nancy Pelosi, e a deputada Kathy Castor, divulgaram esta semana (30) um ambicioso plano do partido democrata para zerar as emissões líquidas de gases do efeito estufa (GEEs) do país até 2050. O plano tem pouca ou nenhuma chance de ser aprovado durante um governo como o de Donald Trump, mas dá um novo destaque à questão climática na corrida presidencial deste ano.
O pacote batizado de Solving the Climate Crisis inclui exigências para que concessionárias de energia elétrica zerem emissões de GEEs até 2040 e montadoras passem a produzir apenas carros elétricos a partir de 2035. Os democratas colocaram em pauta a prorrogação de créditos tributários sobre energia eólica e solar por mais cinco anos – praticamente uma proposta de plano de governo – e sugerem a ampliação de incentivos tributários para os veículos elétricos.
Para atingir a meta, os EUA precisariam reduzir o saldo de emissões de GEE em 37% até 2030, chegando a 88% até 2050, na comparação com 2010. Após encontrar um equilíbrio entre emissões e abatimentos, a nova meta é ter uma economia com emissões líquidas negativas ao longo da segunda metade do século XXI.
Kathy Castor, representante da Flórida e que preside a comissão criada para tratar de respostas legislativas à crise climática , acredita que o tema representa uma crise tão grave quanto o novo coronavírus, economia em dificuldades ou a injustiça racial, citando os recentes protestos desencadeados após a morte de George Floyd, o ex-segurança negro morto por policiais, em junho.
Pelosi, por sua vez, reconheceu que a proposta é “um passo ousado para a ação climática” e aposta que a aprovação das medidas será uma luta, dada a resistência dos Republicanos. Hoje, democratas mantêm a maioria das cadeiras na Câmara, mas o Senado é controlado pelo partido de Donald Trump.
O governo Trump oscila entre o obscurantismo em assuntos científicos e o reconhecimento que é preciso descarbonizar a economia, mas não é papel do Estado interferir para que as mudanças ocorram – “o mercado sabe [como fazer] melhor”, resumiu o Secretario de Energia dos EUA, Dan Brouillette, em recente transmissão da Agência Internacional de Energia.
Deputados republicanos integrantes da comissão chefiada por Castor já se manifestaram com um comunicado defendendo que o país deve seguir focado na produção de petróleo e gás, além de energias renováveis.
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Maioria defende impostos sobre emissões
Pesquisa do Pew Research Center publicada pelo The Washington Post na semana passada indica que quase dois terços dos americanos defendem que o governo federal deve agir de forma mais agressiva no combate às mudanças climáticas. A maioria da população também apoia a adoção de políticas públicas que imponham exigências mais duras a montadoras, taxações de empresas com base em dados de emissões e restrições mais severas a emissões na produção de energia.
A pesquisa estima que 60% da população do país vê as mudanças climáticas como uma “grande ameaça”. O percentual é bastante superior aos 44% que encaravam o futuro do clima dessa forma há cerca de uma década atrás.
O plano democrata contudo foi considerado conservador pelos setores mais progressistas do próprio partido – e que apoiavam a candidatura do senador Bernie Sanders para a disputa presidencial deste ano. O candidato escolhido nas primárias democratas, Joe Biden, é tido como um político mais moderado.
O plano democrata para zerar emissões está aquém do Green New Deal, defendido por Sanders e plataforma de campanha de Alexandria Ocasio-Cortez, representante democrata de Nova York que venceu as eleições de 2018 com uma campanha em favor de um socialismo democrático, termo que afasta até mesmo candidatos de esquerda no espectro político americano.
O Green News Deal não era um projeto de lei, mas uma proposta de resolução, que tinha entre suas diretrizes limpar completamente a matriz de geração de energia elétrica dos EUA, zerando emissões até 2030. O novo plano democrata para zerar emissões estende a meta para 2050.
Ligada a movimentos trabalhistas, Ocasio-Cortez sempre defende o Green New Deal como alternativa de preservação de empregos ameaçados pela transição energética, antes da pandemia, em oposição direta à política de Trump, que, por exemplo, prometeu (e não cumpriu) incentivar a criação de vagas na indústria americana do carvão.
Com a crise da covid-19, o novo plano democrata é apresentado como uma resposta verde a necessidade de estímulos econômicos para amenizar os impactos da recessão nas famílias, injetando recursos em energia limpa e infraestrutura. Ignorando retóricas ideológicas, críticos a esse tipo de projeto afirmam que ele é ineficiente, criando barreiras ao crescimento econômico.
O governo Trump tem reforçado a defesa da energia nuclear para o combate às mudanças climáticas e o melhor caminho para reduzir emissões na geração de energia, sem comprometer o fornecimento. Está na agenda internacional do secretário Dan Brouillette, que esteve no Brasil em janeiro em busca de parcerias para que empresas dos EUA atuem no fornecimento de equipamentos para Angra 3.
Eleição será crítica para carros elétricos nos EUA
Ainda assim, as propostas do centro do partido Democrata mantêm forte distanciamento das práticas adotadas pelo governo Trump no mandato atual em frentes como o incentivo a eletrificação da frota.
Em junho a consultoria Wood Mackenzie apontou que a eleição presidencial nos EUA será um ponto crítico para o futuro dos carros elétricos no país. Enquanto o governo Trump não se compromete com a expansão da rede de recarga de veículos e atua para relaxar exigências de emissões sobre as montadoras, o candidato democrata, Joe Biden, promete investir US$ 1 bilhão ao ano nos próximos cinco anos para implantar 500 mil pontos de recarga de veículos elétricos até o final de 2030.
As linhas divergentes de atuação seguem bem marcadas entre os dois partidos também no Congresso. Desde que assumiu o comando da Câmara, em 2018, Pelosi convocou novamente o painel sobre mudança climática, que fora dissolvido quase uma década antes durante o período de maioria republicana.
A versão anterior do comitê havia preparado a base para uma importante lei climática logo no primeiro ano de Barack Obama, em 2009. O plano passou na Câmara, mas nunca foi aprovada no Senado.
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