Por Larissa Fafá, Felipe Maciel, Gabriel Chiappini, Guilherme Serodio
BRASÍLIA e RIO – O deputado federal Arnado Jardim (Cidadania/SP) afirmou nesta sexta (1º) que o setor de etanol e o governo federal chegaram a um acordo para elevar a tributação sobre a gasolina, um pedido dos produtores do biocombustível para compensar a perda de competitividade do etanol.
Importadores de combustível e a Petrobras são críticos ao aumento desses impostos.
De acordo com o Arnaldo Jardim, a Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (Cide) será elevada em 20 centavos, subindo para 30 centavos por litro de gasolina A. E na importação, a taxa será de 15% sobre o combustível fóssil.
“O Ministério da Economia não comenta medidas em análise ou que ainda não são públicas (…) As novas decisões serão informadas no momento em que forem devidamente finalizadas e tornadas públicas”, informou a pasta, em nota (íntegra no fim do texto).
A elevação da Cide precisará respeitar a noventena – período de 90 dias até entrada em vigor de nova alíquota.
Com a queda nos preços do petróleo, repassada pela Petrobras no mercado interno – companhia já cortou os preços da gasolina em mais de 50% este ano – as margens do etanol ficam mais apertadas, já que o etanol hidratado, que concorre com a gasolina nos postos, precisa custar até 70% do valor do combustível fóssil para ser competitivo.
“Neste período de crise dura, crise sanitária, crise econômica, poucos setores têm sentido mais os efeitos do que o setor sucroenergético, no nosso etanol, particularmente, por isso que nós, da frente parlamentar que eu coordeno, junto com entidades do setor, tivemos muitas e intensas negociações com o governo”, afirmou Arnaldo Jardim.
O deputado coordena a Frente Parlamentar pela Valorização do Setor Sucroenergético, que reúne 212 deputados federais.
Inicialmente, produtores pediam elevação da Cide de 10 centavos para 40 centavos. Eles têm apoio da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA) e de setores do governo. Além do Ministério da Economia, de Paulo Guedes, participam das discussões o Ministério da Agricultura, comandado por Tereza Cristina, e de Minas e Energia (MME), de Bento Albuquerque.
Pressão sobre o setor se intensifica com a aproximação de datas de pagamento e a queda de até 50% no faturamento das usinas do Centro-Sul. Vendas na primeira quinzena de abril registraram recuos de mais de 35%, combinado com queda no preço do biocombustível, de acordo com dado da Unica.
Há semanas, a Unica pede urgência na adoção de medidas capazes de proteger a cadeia do etanol. Em 14 de abril, a Unica, conjuntamente com mais nove entidades do setor, enviou uma carta ao governo federal afirmando que ações precisavam ser tomadas imediatamente para evitar o “colapso do setor nas próximas semanas”, informou a Unica, em nota, enviada na quinta (30), antes do anúncio feito por Arnaldo Jardim.
A ministra da Agricultura, Tereza Cristina, chegou a cobrar publicamente o anúncio de medidas. Ela participou de live do BTG Pactual nesta quinta (30).
“Achei que a gente já teria todas as respostas e o martelo batido porque já tem 40 dias que a gente vem tratando semanalmente desse tema (…) Espero que até segunda-feira [o Ministério da Economia] dê um sinal para o mercado do que vai acontecer”, afirmou a ministra.
O setor também pedia a suspensão temporária do pagamento de PIS/Pasep e Cofins, impostos federais que incidem sobre o etanol. Não foi possível confirmar, até o momento, se o pedido será atendido.
Linha de crédito para estocagem coordenada pelo BB
A epbr apurou que também deve ser anunciada uma linha de crédito para financiar a estocagem da produção do etanol.
A oferta de crédito será coordenada pelo Banco do Brasil, mas deve ser feita por um consórcio de bancos privados. A ideia é usar o próprio etanol como garantia do financiamento, em uma modalidade de crédito conhecida como warrantagem.
Com a queda brutal na demanda por combustíveis, produtores buscam acesso à capital para armazenar um quarto da produção da safra 2020/2021, investimento estimado em R$ 9 bilhões, segundo a Unica.
A Unica afirma que o etanol tem sido vendido abaixo do seu valor de custo e caso o quadro se mantenha, usinas serão obrigadas a interromper a safra iniciada em abril. Há uma preocupação com a qualidade dos canaviais, que em caso de atraso na colheita da cana, perdem produtividade – daí a necessidade urgente por armazenagem.
No mercado, o entendimento é que a medida é importante, mas pode não chegar a todas as empresas.
“Usinas que já estão em recuperação judicial terão menor capacidade de levantamento de recursos para o capital de giro. Dados do Itaú mostram que 30% do setor possui problemas financeiros. Para os que já se encontram nesta situação, até a estratégia de estocagem fica comprometida, pois é necessário seguir gerando receitas”, afirma Erickson Oliveira, Analista de Mercado da Céleres.
Uma saída para preservar, ainda que parcialmente, o fluxo de caixa é a aposta na produção de açúcar, mas nem todas as usinas têm capacidade para altera o mix da produção, afirma Oliveira.
A FCStone calcula no fim da safra anterior (2019/2020), os estoques de etanol hidratado cresceram para 1,05 milhão de m³, aumento de 295,5 mil m³ em relação ao mesmo período da safra 2018/19. Para o anidro, estima armazenamento em 1,03 milhão de m³, alta de 394,1 mil m³.
“Considerando a conjuntura atual, é possível que os estoques tenham continuado a crescer”, afirma Matheus Costa, Full Market Intelligence Analyst, Sugar & Ethanol da FCStone.
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Bolsonaro falava em veto ao aumento da Cide
O presidente da Abicom, Sérgio Araújo, afirmou à epbr que expectativa do setor de combustíveis era de redução da carga tributária e não o oposto. A associação representa importadores.
“O ministro Paulo Guedes e o presidente Bolsonaro precisam ser alertado que o aumento de impostos vai contra aquilo que o governo vem pregando, inclusive pedindo redução de ICMS nos estados”, afirmou
A epbr ouviu de fontes do Ministério da Economia, no início desta semana, que Guedes resistia em elevar taxas de importação sobre a gasolina. Dada a política de paridade de preços entre o valor dos combustíveis importados e os nacionais, a Petrobras seria obrigada a elevar suas margens sobre a gasolina produzida nas suas refinarias, elevando os preços do combustível entregues às distribuidoras.
Está previsto no acordo firmado com o Cade (TCC) que a Petrobras não pode vender combustíveis no mercado interno com deságio em relação ao preço de importação, para não trancar o mercado para outros importadores – praticamente, não há capacidade de refino privada no país.
Em 9 de março, o presidente Jair Bolsonaro, afirmou que “não existe possibilidade do governo aumentar a Cide para manter preços dos combustíveis”, em publicação no Twitter. Antes do agravamento da crise de saúde púbica no Brasil, com número de mortes confirmadas se aproximando de 6 mil, os preços do petróleo já estavam em desvalorização devido ao impacto na economia da China.
Em fevereiro, Bolsonaro chegou a desafiar os estados, afirmando que são eles os responsáveis pelo preço dos combustíveis. “Está feito o desafio aqui e agora. Eu zero os [impostos] federais se os estados zerarem o ICMS”, afirmou o presidente no início de fevereiro.
O ICMS cobrado pelos governos estaduais representam 33% do preço final da gasolina ao consumidor brasileiro varia de R$ 1,677 a R$ 0,944 dependendo do estado. Os impostos federais Cide, PIS/Pasep e Cofins, somam 69 centavos e representam 17% do preço.
A realização da Petrobras é de 18% e a margem bruta dos distribuidores e revendedores, combinados, de 21%. O custo do etanol anidro, misturado pela distribuidoras à gasolina A, representa outros 11% do preço final.
A tributação total por litro de gasolina varia de R$ 1,631 a R$ 2,364 dependendo do ICMS; no caso do etanol, é de R$ 0,609 a R$ 1,589 por litro. Dados compilados pela Petrobras e pela Fecombustíveis, na semana de 19 a 25 de abril.
Composição de preços ao consumidor. Cálculo baseado nos preços médios da Petrobras (gasolina A) e nos preços médios ao consumidor final (gasolina C) em 13 capitais e regiões metropolitanas brasileiras. (Petrobras)
O presidente da Petrobras, Roberto Castello Branco, afirmou há duas semanas que a elevação de impostos sobre a gasolina elevaria o risco de desabastecimento de GLP no Brasil.
A produção de gasolina é, em geral, atrelada à de GLP – produtos são separados na mesma etapa de processamento nas refinarias. Isto é, a Petrobras afirma que se a demanda por gasolina cair ainda mais, para beneficiar o etanol, levaria a restrições para produção de GLP.
“Como existe uma capacidade limitada de internação do GLP importado, há um risco de desabastecimento do mercado brasileiro. Por isso, os proponentes dessa medidas [taxar a gasolina] precisam refletir sobre essa medida e as consequências para os consumidores brasileiros que serão seriamente afetados nesse momento”, disse Castello Branco.
De acordo com o MME, após a corrida por estoques de GLP-13 (botijões de 13 kg para consumo doméstico), a situação do abastecimento está regularizada.
“A comercialização de GLP em botijões aumentou em todo o país, sendo 23% no mês de março e 15% no mês de abril, em relação ao mesmo período de 2019 (…) Com a situação já normalizada do abastecimento, a expectativa é que a competição entre os agentes de mercado viabilize a transmissão dos recentes reajustes de preço promovidos pela Petrobras”, informou o MME.
Procurada nesta sexta (1º), a Petrobras preferiu não emitir comentários sobre a questão.
A íntegra da nota do Ministério da Economia
“O Ministério da Economia não comenta medidas em análise ou que ainda não são públicas. O grupo de monitoramento da crise econômica relacionada ao COVID-19 está analisando diversas alternativas para reduzir os impactos da pandemia para o setor produtivo e para o setor público em suas diversas esferas, com o objetivo de preservar especialmente a população mais vulnerável. As novas decisões serão informadas no momento em que forem devidamente finalizadas e tornadas públicas.”