Combustíveis e Bioenergia

No cenário de pandemia, GLP é cesta básica, por Lavinia Hollanda e Gabriela Silva

Esferas de armazenamento de GLP da Refinaria Duque de Caxias (Reduc), na baixada fluminense (Foto Agência Petrobras)
Esferas de armazenamento de GLP da Refinaria Duque de Caxias (Reduc), na baixada fluminense (Foto Agência Petrobras)

Diante do impacto da pandemia da covid-19, todos temos que repensar prioridades. A realidade mudou drasticamente e o que era normal em nosso cotidiano agora parece fazer parte de um passado distante. Muitos produtos e serviços perderam relevância nesse período de quarentena, outros passaram a ser mais claramente percebidos como essenciais, como é o caso da energia.

Com as pessoas passando mais tempo em suas casas, o equilíbrio do consumo entre as diversas formas de energia muda expressivamente. Dentre os energéticos que tendem a ter aumento de consumo durante esse período está o gás de botijão – ou GLP.

O GLP (gás liquefeito de petróleo) é um energético derivado do petróleo, produzido, sobretudo nas refinarias, juntamente com a gasolina. No Brasil, quase todo o GLP consumido é produzido pela Petrobras, principalmente na região Sudeste, ou importado pela empresa, dona de toda a infraestrutura capaz de viabilizar sua importação.

Segundo dados da ANP, em 2019, do total de 13 milhões de metros cúbicos de GLP consumidos no Brasil, cerca de 56% foram produzidos no país e outros 27% importados, a maioria dos Estados Unidos e da Argentina. Cerca de 95% das famílias brasileiras utilizam gás de botijão para cozinhar. Ou seja, para a grande maioria da população o GLP é um insumo básico, essencial, sem o qual não é possível preparar a comida da família.

Em situações específicas, na ausência do botijão, é possível utilizar a biomassa (lenha, de menor qualidade energética) ou o gás canalizado, que depende de infraestrutura. No curto prazo, no entanto, não é possível substituir o GLP de forma segura, principalmente para as populações mais vulneráveis de grandes centros urbanos.

Com a diminuição da circulação de veículos leves e ônibus houve queda significativa na demanda por combustíveis líquidos. Segundo o presidente da Petrobras, em março de 2020 houve queda significativa no consumo, comparado ao mesmo período em 2019: 35% para gasolina, 22% no diesel e do 84% para querosene de aviação. Essa diminuição brusca da demanda, aliada ao cenário internacional de preços baixos de petróleo, leva produtores de petróleo a conter seus custos de operação, reduzindo sua produção.

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A Petrobras anunciou corte na produção de petróleo de 200 mil barris/dia e um ajuste no processamento do cru em suas refinarias, para se adequar à demanda por derivados de petróleo. Ao produzir e processar menos petróleo e gás associado para a produção de combustíveis automotivos, reduz-se também a produção de GLP.

Já o aumento no consumo de GLP em março desse ano foi de cerca de 23%, efeito da crescente demanda imposta pela quarentena e mais pessoas utilizando o gás em casa.

Com isso, houve relatos de falta de botijões em algumas regiões, particularmente na cidade de São Paulo. Houve ainda relatos de preços abusivos, com botijões sendo vendidos a valores superiores a 100 reais em alguns casos – o que pode ser explicado por aumentos de custos de logística na cadeia decorrente da dificuldade de suprimento, pela existência de um mercado informal e também pela própria escassez do produto. Mas, primeiramente, é preciso garantir a oferta de GLP.

A alternativa foi importar o GLP: a Petrobras anunciou a importação de 350 mil toneladas de GLP – ou cerca de 27,4 milhões de botijões de uso doméstico de 13 quilos para abril. Esse volume corresponde a aproximadamente 80% do consumo equivalente de botijões de 13 quilos no Brasil em abril do ano passado. Com expectativa de redução da produção interna de GLP, é importante que haja um planejamento coordenado para a importação desse energético, essencial nesse período de isolamento.

A boa notícia é que há estoques do produto disponível nos principais produtores e os preços no mercado internacional caíram cerca de 20% no primeiro trimestre de 2020, reflexo da queda de demanda e dos preços de petróleo.

Atualmente algumas propostas de lei estão em análise com o objetivo de caminhar para a resolução das questões, uma delas é a isenção de PIS e Cofins para facilitar o acesso do consumidor final ao gás. Por sua vez, a Petrobras já diminuiu os preços na refinaria em 10%, para R$21,85, e enfatiza a necessidade de que as distribuidoras repassem esse desconto para o consumidor.

Há diversas iniciativas importantes e urgentes para o setor de energia sendo discutidos no setor, sob a liderança do MME. Dada a importância do GLP para os domicílios brasileiros e a dificuldade de sua substituição, nesse momento de crise é importante garantir o fornecimento do botijão, principalmente em periferias e favelas de grandes centros urbanos.

Na Índia, também grande usuária de GLP, a solução encontrada para proteger a população mais pobre foi oferecer 3 meses de GLP gratuitos. No cenário atual, GLP é quase tão fundamental quanto a cesta básica – a rigor, torna a cesta básica útil em sua plenitude.

Para o futuro, fica a lição de pensarmos em medidas mais estruturais, que possam garantir alternativas ao uso de GLP para cozinhar. Mas isso é outro debate.

Lavinia Hollanda é doutora em Economia pela EPGE-FGV e diretora executiva da Escopo Energia
Gabriela Silva é mestre em Planejamento Energético pelo PPE-COPPE e consultora da Escopo Energia

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