As agências reguladoras, governos e os legislativos terão que buscar ferramentas, estruturas econômicas e tributárias para manter todos os setores funcionando frente à crise no mercado de petróleo, que aprofunda os efeitos da pandemia de covid-19 na economia brasileira.
A avaliação é do ex-diretor da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), Aurélio Amaral, defensor de medidas que amenizem os impactos sociais da crise, ajudando pessoas e empresas a atravessar este momento até a retomada das atividades.
“Talvez não dê para salvar todo mundo (…) Mas temos que salvar a maioria para ter um colchão social, um colchão econômico que permita que a gente tenha uma retomada com o menor dano, com o menor prejuízo. Os colegas que ficam saberão encontrar isso”, afirma.
Aurélio Amaral conversou com epbr no dia 27 de março, após encerrar o mandato de 4 anos anos na diretoria da ANP. Foi substituído por Marcelo Castilho, servidor da agência, escolhido como um dos diretores substitutos. Amaral trabalhou por 10 anos na ANP, em diferentes superintendências e também no comando do escritório de São Paulo.
Foi o diretor responsável pela regulamentação do RenovaBio dentro da ANP, programa que defende como seu principal legado, “uma agenda para o futuro”. Diz que os biocombustíveis vão permitir uma transição lenta e gradual das empresas de petróleo, mas alerta que o cenário de preços baixos tornam ainda mais desafiadores esses investimentos em fontes renováveis.
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A entrevista completa com Aurélio Amaral
O principal legado da sua gestão é a implementação do RenovaBio?
Do ponto de visto de processo, para fora, o RenovaBio é o maior legado. Não porque os outros setores são menos importantes. Não que o setor de petróleo não seja importante, as rodadas de licitações, as diversas resoluções para redução do custo regulatório… Enfim, uma série de ações que a gente tomou para a retomada dos leilões e para a retomada do onshore. Tudo isso é importante.
O RenovaBio é dos mais relevantes porque é uma agenda de futuro. E que esse momento da economia e de saúde pública, da crise social que a gente vive no mundo, o RenovaBio pode ser uma resposta positiva.
Obviamente ainda tem desafios, ainda falta maturidade para alcançar sua plenitude que chegará com a escrituração financeira que está para sair pelo Ministério de Minas e Energia [MME]. É uma agenda de futuro, uma agenda positiva.
Ele não é contrário a agenda do setor de petróleo, é complementar. Tem várias pessoas do setor de biocombustíveis que acham que uma forma de se alongar a vida da indústria do petróleo é ter a parceria com a indústria de biocombustíveis.
De uma maneira contínua e lenta ir fazendo a substituição. E as empresas de petróleo podem ir se transformando em empresas de energia suprindo, por biocombustíveis ou renováveis, a demanda. É um desafio da humanidade. Agora mais do que nunca.
E o que falta para o RenovaBio?
O principal desafio é consolidar e colocar em funcionamento, com a comercialização em bolsa [dos créditos de descarbonização, CBIOs]. Esse desafio se tornou ainda mais complicado, porque tem que implementar o programa em meio a uma crise estrutural, que atingiu o setor de etanol e combustíveis como um todo. Será ainda mais desafiador. Tem que se fazer um esforço grande para não deixar que essa agenda morra, sucumba perante as questões econômicas.
O primeiro desafio seria manter o abastecimento?
É o momento de a gente ter um olhar sistêmico e não olhar para um setor em detrimento do outro. É preciso fazer um exercício muito grande. Primeiro é olhar para as ações da crise. Manter o fluxo de combustíveis, manter o suprimento, manter as coisas funcionando.
O segundo momento é se debruçar sobre os aspectos técnicos e econômicos para a manutenção dessa rede, que, no fim das contas, é emprego e renda.
Mas como manter a atratividade de projetos de etanol, biogás com o petróleo no preço que está?
É desafiador já que você uma super oferta de petróleo barato, o que torna a vida das energias renováveis muito mais desafiadora. Mas a gente, enquanto humanidade, vai ter que olhar para isso. Se é verdade – como a maioria dos cientistas apontam – os efeitos dos gases do efeito estufa, sobretudo por conta dos fósseis, em algum momento a humanidade vai ter que lidar com isso e vamos ter que precificar para que seja feita a mudança.
Não acho que o setor de petróleo vai acabar imediatamente. É um setor importante. Nós temos ainda uma riqueza, que é riqueza do pré-sal, que é uma riqueza importante para a economia do país para alavancar os investimentos e o Brasil dar um passo para a transição energética. Mas nós vamos ter que buscar uma saída.
Esse é o papel do estado, o de olhar mecanismos como o RenovaBio, que estruturas teremos de incentivos estatais, estruturais para que as renováveis não sucumbam com essa crise.
Quais medidas poderiam ser implementas?
É difícil dizer agora. As pessoas estão preocupadas em sobreviver. Precisamos pesar é como vamos manter os setores vivos. E o RenovaBio pode ser uma resposta importante.
Avalia que a tributação do RenovaBio, na MP do Agro, é importante para o programa andar?
É importante sim. O momento é de salvar vidas e salvar pessoas. E salvar pessoas também é salvar empresas e salvar um setor que é fundamental para a economia do país, que é o setor de biocombustíveis. Mas olhando para o setor como um todo: etanol, biodiesel, todos eles.
Acho que ter uma estrutura tributária adequada, fixada por lei e que não inviabilize o RenovaBio é importante e acho que é um preço que a sociedade brasileira tem que estar preparada para pagar. É um setor importante para a retomada das atividades quando toda essa crise de saúde pública acabar.
Eu gostaria de estar encerrando meu mandato em momento mais festivo. E era o que sinalizava. Mas ai veio essa crise toda do petróleo e da covid-19. Temos que lidar com a realidade como ela é – e ela mudou brutalmente. E não é matando aquilo que a gente tem de melhor que vamos resolver nossos problemas.
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Dá para salvar todo mundo?
Talvez não dê para salvar todo mundo. Vamos ter que buscar ferramentas, estruturas econômicas e tributárias para manter todos esses setores funcionando. Mas temos que salvar a maioria, para ter um colchão social, um colchão econômico que permita que a gente tenha uma retomada com o menor dano, com o menor prejuízo. Os colegas que ficam saberão encontrar isso.
A Petrobras anunciou que vai cortar 200 mil barris por dia de produção. A ABIPI, que representa produtores onshore independentes, fez uma série de reivindicações ao governo federal e à ANP. Qual a agilidade que a ANP precisa ter para que a atividade não pare?
O momento agora é de sobrevivência. A Petrobras fez um movimento de baixar operações muito custosas e manter o que dá retorno ao seu capital. Ainda mais em um momento que o mundo está superofertado, não faz muito sentido manter operação que não se pague.
Mas isso precisa ser visto com olhar sistêmico. Até que ponto isso não provoca um efeito colateral? Até que ponto essa operação não é importante agora, mesmo tendo um custo maior que pode ser recuperado no futuro. Ou até mesmo quais impactos disso em outros setores?
Essa é uma discussão que tem que ser feita.
O pleito da ABPIP e dos produtores médios e pequenos é muito importante. Boa parte das medidas deverão acontecer. Não todas. Algumas delas estão para além da competência da ANP, mas deverão ser discutidas no MME e na Economia. Boa parte delas são importantes.
O pleito da Petrobras não pode abrir precedente para outros produtores?
As áreas vão fazer as análises técnicas e regulatórias caso a caso. O setor não terá soluções únicas e padronizadas. É preciso levar em consideração impactos na arrecadação, impactos na produção, emprego, renda.
Mas também você não pode impor que a empresa funcione sem remuneração, o que pode levá-la a uma condição de insolvência.
Tem que olhar no médio e longo prazo quais os instrumentos existem para mitigar os efeitos da crise. Agora, no olho do furacão, é condição de guerra para tentar sobreviver.
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