O mercado brasileiro de títulos verdes movimentou US$ 1,2 bilhão em 2019, quase seis vezes mais que o registrado no ano anterior (US$ 209 milhões), de acordo com monitoramento da Climate Bonds Initiative (CBI). Foi o segundo melhor ano da série histórica, iniciada em 2015, mas há uma demanda reprimida por projetos brasileiros no exterior.
“Estão faltando emissões. Podemos ter muito mais do que temos visto. Há uma demanda gigantesca por produtos rotulados no mercado doméstico, de investidores do mercado internacional, onde já existem fundos dedicados e políticas específicas de investimentos verdes”, explica Thatyanne Gasparotto, diretora da CBI para América Latina.
São investidores que buscam projetos com o carimbo de sustentabilidade e abrem uma porta trilionária para captação por empresas brasileiras. Títulos verdes são emissões de dívida para financiamento de projetos com benefícios ambientais mensuráveis, auditados por organizações ou empresas independentes.
Na mais recente Conferência do Clima da ONU, a COP-25, mais de 600 investidores institucionais, que controlam US$ 37 trilhões em ativos, assinaram um compromisso com as metas do Acordo de Paris para transição para uma economia de baixo carbono. Outras iniciativas, como a da BlackRock, gestora de US$ 6,8 trilhões, vão na mesma linha.
De acordo com Gasparotto, todas as operações brasileiras de green bonds no exterior apresentaram uma demanda de sete vezes a dez vezes maior quando comparada à busca por títulos convencionais.
Das 24 emissões contabilizadas pela CBI, entre 2015 e janeiro deste ano, quinze foram feitas localmente, em reais, oito em dólar e apenas uma em euro. Mas dos US$ 5,7 bilhões captados, quase 75% (US$ 4,4 bilhões) foram emitidos nas moedas estrangeiras. Valores nominais, no momento das emissões.
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Apesar de a barreira para emissão de green bonds ser pequena, já que títulos normalmente emitidos no mercado de capitais podem ser enquadrados como verdes, há uma percepção que ainda falta apelo econômico e um ambiente regulatório que estimule a prática.
“Os títulos verdes são exatamente idênticos a qualquer outro bond. A única diferença é a destinação dos recursos que está vinculada a projetos sustentáveis, como a redução da emissão de gases poluentes”, explica Bruno Tuca, sócio do escritório Mattos Filho.
De acordo com informações do próprio Mattos Filho, os custos para a certificação (o selo verde) são baixos, estimados entre R$ 20 mil a R$ 50 mil, que podem ser diluídos com os ganhos financeiros das operações.
“O mercado de títulos verdes no Brasil ainda está em um estágio inicial e, portanto, é mais difícil encontrar investidores específicos e com regulamentos próprios e dedicados a títulos verdes”, explica o diretor de renda fixa do Santander, Guilherme Silveira.
O Santander estruturou a primeira operação com um emissor brasileiro, em 2015, com captação de EUR 500 milhões para um projeto da BRF e, em 2019, de títulos da Marfrig e da Klabin, em dólar, no valor de US$ 500 milhões, cada. No mercado nacional, participou de dez emissões, no valor total de R$ 4 bilhões.
Por mais que as expectativas de crescimento tenham sido atravessadas pela pandemia do coronavírus, que está forçando governos ao redor do mundo a reduzir as atividades dos países em esforços para preservação de vidas, títulos verdes estão associados ao financiamiento de projetos de longo prazo e são alternativas de renda fixa, de menor risco para os investidores.
“Até onde se tem dados, apenas o Brasil representa 41% das emissões de títulos verdes da América Latina feitas até hoje. O crescimento dos green bonds é esperado no continente como um todo pela necessidade de investimentos em infraestrutura e expectativa de crescimento”, avalia Luciana Nicola, superintendente de sustentabilidade e negócios inclusivos do Itaú-Unibanco.
A executiva cita a estruturação de uma emissão para Klabin, em 2017, também em dólar, no valor de US$ 500 milhões para aportes na melhoria do aproveitamento de biomassa nas operações da empresa, do setor de papel e celulose, que inclui a construção de uma planta de tall oil, subproduto que pode ser utilizado como fonte de energia renovável, reduzindo o consumo de combustível e emissões.
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Cenário de crescimento passa por diversificação de setores
A CBI é uma organização internacional que atua no desenvolvimento do mercado e de políticas para fomentar o uso de títulos verdes. Estima que em 2025 é possível chegar a um volume de emissões de US$ 1 trilhão ao redor do mundo. Para 2020, a estimativa é de US$ 350 bilhões, crescimento anual de 30%.
A organização não possui uma estimativa específica para o mercado brasileiro, mas entende que o crescimento da alternativa de financiamento no país será impulsionado pela diversificação de setores habilitados a emitir títulos verdes.
“O que se espera para 2020 é a consolidação do setor energético na emissão de green bonds e a inauguração da agricultura neste mercado. Recentemente, colocamos em consulta pública nossos critérios para agricultura. A expectativa é que as definições estejam concluídas até o início do segundo semestre”, explicou Thatyanne Gasparotto.
São cadeias produtivas com alta capacidade de emissão de green bonds por conta da grande escala. “O segmento de bioenergia, em especial o etanol, onde possuímos muita expertise, também poderá ter mais destaque no mercado”, defende.
E, atualmente, o governo federal dá continuidade à política de concessões de portos, rodovias e ferrovias iniciada na gestão de Michel Temer, o que também está movimentando o mercado de títulos verdes – o projeto mais avançado em análise na CBI, a partir de um acordo com o Ministério da Infraestrutura, é a ferrovia Ferrogrão.
“A energia solar, no Brasil, tem obtido crescimento exponencial, saltando de apenas uma usina fotovoltaica em 2013 para mais de 50 mil conexões atuais. Já na agricultura, a própria ministra Tereza Cristina assumiu o cargo fomentando a possibilidade de incentivar a emissão de títulos verdes como forma de premiar os bons produtores, que preservam o meio ambiente”, explica a presidente do Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (CEBDS), Marina Grossi.
Grossi cita como exemplo de potencial para desenvolvimento do mercado, a inclusão de green bonds no planejamento do Plano Safra, política anual do governo de financiamento e subvenção de crédito, com um volume estimado em R$ 225 bilhões em 2019/2020.
“Temos uma escassez enorme de projetos. Tivemos várias operações via debênture para o setor de energia solar e eólica. Porém, há vários setores que ainda podemos explorar, como os de bioenergia, água e saneamento, e transportes”, conclui Thatyanne Gasparotto.
Das 24 emissões, entre 2015 e 2020, 40% estão foram para projetos de energia renovável, 30% relacionadas ao uso da terra, seguidos de projetos industriais (7%), resíduos (7%), recursos hídricos (5%), transportes (3%), edificações (2%) e setor de tecnologia (1%).
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Como funciona a emissão de títulos verdes?
O títulos podem ser emitidos tanto pelo setor privado, como por entidades financiada pelos governos, como empresas estatais ou de economia mista ou bancos de desenvolvimento. Os green bonds não ficam limitados a um tipo específico e são aderentes às diversas possibilidades de captação praticadas no mercado:
- Debêntures
- Certificado de Recebíveis Imobiliários (CRI)
- Certificado de Recebíveis do Agronegócio (CRA)
- Instrumentos de mútuo bancário (CCB, NPs, etc.)
- Letra de Crédito Imobiliário (LCI)
- Letra de Crédito do Agronegócio (LCA)
- Títulos emitidos no exterior (bonds ou notes)
Fonte: Mattos Filho
“É como uma promessa entre quem emite o título e quem investe nele. Quando um investidor compra um título verde, ele está emprestando dinheiro por um período de tempo definido. Esse dinheiro é usado no projeto e retorna ao investidor com juros. É uma alternativa de investimento a longo prazo que contribui para o futuro do planeta”, explica a presidente do CEBDS, Marina Grossi.
Para isso, uma peculiaridade que se espera dos títulos verdes é a maior transparência nas operações e na destinação dos recursos.
Além dos participantes usuais do mercado de títulos de dívida, no caso dos green bonds, agentes de avaliação externa atestam os atributos ambientais positivos dos projetos para os quais os recursos captados serão destinados. Em regra, os critérios precisam ser chancelados no lado do comprador.
A Federação Brasileira de Bancos (Febraban) publicou, em 2016, um guia para emissão de títulos verdes no Brasil. As primeiras emissões do tipo foram realizadas pelo Banco Europeu de Investimento e pelo Banco Mundial em 2007 e 2008.
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