Transição exigirá convivência com gasolina na próxima década, afirma Evandro Gussi

Transição exigirá convivência com gasolina na próxima década, afirma Evandro Gussi

A transição energética no setor automotivo vai demandar a convivência com a gasolina e o diesel no Brasil, pelo menos pelos próximos 10 anos. Avaliação do presidente da União da Indústria de Cana-de-Açúcar (Unica), Evandro Gussi.

De acordo com Gussi, o debate recente acerca da proibição de venda de veículos a combustíveis fósseis que envolveu a aprovação do projeto de lei 304/2017, na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado, pegou de surpresa a associação, mas serve de alerta ao setor de combustíveis sobre a urgência de envolver o tema das emissões nas projeções futuras da indústria.

“Existe uma preocupação global com a necessidade de redução de emissões, mas o que há de defensável na gasolina brasileira é sua composição com o etanol. A gasolina brasileira só para de pé porque ela tem 27% de etanol, que a faz mais limpa em relação a outras gasolinas mundo afora”, afirma.

Atualmente, o etanol não é capaz de suprir toda a demanda nacional, substituindo a gasolina. O setor sucroenergético produziu 32 bilhões de litros de etanol em 2019. E a Unica prevê que a aplicação do RenovaBio vá garantir uma produção anual do setor de 50 bilhões de litros em 2030, o que ainda não será suficiente para deslocar por completo a demanda por gasolina.

Todas as usinas associadas à Unica aderiram ao RenovaBio e estão certificadas ou em processo de certificação, o que deve ser concluído ainda em 2020, nas estimativas da associação. São mais de 230 usinas de etanol e biodiesel com processo aberto junto à ANP.

De acordo com dados divulgados pela ANP nesta semana, o consumo de gasolina tipo C no país, em 2019, foi de 38,2 bilhões de litros, uma queda de 0,56% sobre os 38,3 bilhões de litros consumidos no ano anterior. Já o consumo de etanol foi de 22,5 bilhões de litros, alta de 16,2% sobre os 19,3 bilhões de litros do ano passado.

Evandro Gussi, presidente da UNICA
No debate da venda direta do etanol, Evandro Gussi defende que, se a mudança é inevitável, os poderes precisam se alinhar para impedir a desorganização tributária do mercado de combustíveis

MP do Agro é fundamental para alinhar agroindústria ao mercado

Evandro Gussi, que foi deputado federal na última legislativa pelo PV de São Paulo, também declara apoio da à aprovação da MP 897/2019, a chamada MP do Agro. A medida, que flexibiliza as exigências de financiamento ao produtor rural, também trata da tributação dos créditos de descarbonização (CBIOs).

“É fundamental para colocar a agroindústria numa posição ainda mais alinhada com o mercado”, afirma.

A MP foi aprovada na Câmara nesta semana com a previsão de que produtores e importadores de biocombustíveis paguem alíquota de 15% sobre o valor da emissão inicial dos CBIOs. Gussi não crê que o Senado possa alterar a matéria.

“Há a adesão maciça [do setor] e a regulamentação está toda concluída. Agora os players de mercado estão trabalhando em ritmo total para por a regulação no ar o quanto antes”.

Esse apoio é refletido no governo, ao menos no Ministério de Minas e Energia (MME), e também entre os parlamentares de frentes ligadas aos produtores de biocombustíveis.

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Unica muda postura sobre venda direta

Outra tema muito debatido há anos no setor de combustíveis é a venda direta do etanol. Para a Unica, trata-se de uma demanda localizada de produtores do Nordeste e que não deve provocar uma redução significativa do valor final do combustível.

O tema é debatido no Congresso Nacional desde a greve dos caminhoneiros, que encurralou o governo Temer na segunda metade de 2018 e, recentemente, entrou na agenda do atual presidente.

Em janeiro, Bolsonaro se engajou pela venda direta e afirmou que a permissão deve reduzir em R$ 0,20 o preço do litro de etanol nas bombas, sem citar a fonte dessa informação.

Desde 2018 para cá, a Unica mudou sua postura sobre o tema. Antes era oposição e agora adota um discurso focado em evitar danos – o principal deles, segundo Gussi, seria a desorganização da estrutura de tributação sobre a cadeia do etanol.

Para isso, defende a rejeição do projeto de decreto legislativo (PDC 978/2018), aprovado na Comissão de Minas e Energia (CME), em novembro do ano passado. A questão da venda direta é como aplicar impostos federais cobrados exclusivamente na fase de distribuição ao usineiros, que passariam a vender diretamente.

Eles já pagam impostos, mas o entendimento da área fiscal do governo é que mudança no desenho do setor implicaria em concentrar toda a carga no produtor, penalizando o produtor que continuar vendendo para as distribuidoras. É o impasse que se instalou no governo ano passado.

“Já que se quer fazer venda direta, a gente entende que é melhor construir esse prédio e cabe a nós contribuir, mas essa proposta não me parece o melhor caminho porque criaria uma série de vácuos jurídicos sobre tributação e outros processo regulatórios”, diz Gussi.

Uma das contribuições da Unica é a proposta para que seja permitido aos produtores criar seus próprios agentes comercializadores, uma estrutura semelhante às distribuidoras. É o que está em estudo na Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural, e Biocombustíveis (ANP).

Para se abrir uma distribuidora, há exigência de capital de R$ 4,5 milhões e estoques mínimos. A agência trabalha na criação de um agente comercializados, um novo tipo de empresa que poderia ser aberta pelos usineiros com exigências reduzidas e sujeitas à tributação da distribuição.

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Visitas à Ásia para aumentar presença global do etanol

O fortalecimento da presença do etanol no mercado automotivo inclui o desenvolvimento do mercado internacional da commoditie. E a Unica enxerga potencial em países emergentes do Sudeste Asiático.

“Entendemos que para o etanol se viabilizar globalmente precisa se produzido em outros lugares para fazer jus à [demanda por] segurança energética”, explica Gussi.

Este mês, está planejada uma viagem para promover o etanol brasileiro, com foco em processos regulatórios, qualidade do ar e saúde pública. As apresentações vão ocorrer na Índia – onde a associação acompanhou a recente visita do presidente Bolsonaro –, Paquistão e Tailândia.

“Temos feito um trabalho estimulando o consumo e a produção indianas, para aumentar a participação do etanol de 6% para 10%, em 2022, e para 20%, em 2030”, diz Gussi. A Índia prevê o aumento de sua frota automotiva em mais de 100 milhões de carros nos próximos 10 anos.

Para o executivo, a disputa tarifária sobre o mercado de açúcar entre Brasil e Índia na Organização Mundial do Comércio (OMC) não atrapalha essa aproximação. Entende que o presidente Bolsonaro se manifestou com “responsabilidade” acerca do pedido do governo indiano para retirar a ação, demonstrando que esse é um tema sensível ao mercado brasileiro.

Na visita ao país asiático em janeiro, Bolsonaro chegou a dizer a jornalistas que o Brasil poderia rever a reclamação feita contra a Índia na OMC.

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