De cavernas no pré-sal às térmicas a carvão, as pesquisas da USP para captura de carbono no Brasil

De cavernas no pré-sal às térmicas a carvão, as pesquisas da USP para captura de carbono no Brasil
CORREÇÃO: A injeção da mistura de CO2 e metano na caverna de sal é feita a seis mil metros abaixo do nível do mar. O texto original informava, incorretamente, seis mil km.

Para o professor e um dos diretores do Research Center for Gas Innovation (RCGI), da Universidade de São Paulo (USP), Gustavo Assi, o diagnóstico é claro: “se o mundo não começar a guardar e capturar o C02, não iremos alcançar as metas de redução de carbono”.

As tecnologias de captura, utilização e estocagem de carbono (CCUS, na sigla em inglês) são consideradas indispensáveis para mitigação de emissões de gases causadores do efeito estufa (GEE) pelo Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), das Nações Unidas, e tidas como uma peça fundamental para atingir as metas do Acordo de Paris.

O RCGI conta, atualmente, com 16 projetos que investigam a gestão, transporte, armazenamento e uso de CO2, no programa de abatimento de emissões. Veja a lista no fim da matéria

Em entrevista à epbr, Gustavo Assi destacou que um desses projetos possibilitará estocar CO2 em cavernas de sal e reduzir o impacto ambiental da produção de óleo e gás do pré-sal, que é e continuará sendo a principal fonte de hidrocarbonetos no Brasil.

A demanda partiu da Shell, companhia que opera ativos de exploração no pré-sal brasileiro e é sócia em grandes campos da Petrobras. Globalmente, a Shell assumiu o compromisso de reduzir a intensidade de emissões de GEE em suas operações em cerca de 50% até 2050.

“Tecnologias de CCUS contribuirão fortemente para a Shell atingir esse objetivo ambicioso, visto que mesmo com o alto crescimento esperado de fontes renováveis, a sociedade ainda necessitará de combustíveis fósseis, mas com uma menor pegada de carbono, e essa é a importância das tecnologias CCUS”, afirma Alexandre Breda,  coordenador técnico-científico da Shell no RCGI.

Ao todo, a companhia tem 44 projetos relacionados a gás natural no RCGI. Além de tecnologias associadas à CCUS, há projetos na área de regulação para desenvolver o mercado no Brasil, informou a empresa.

“Todos os projetos envolvidos no RCGI estão em fase pré-competitiva, ou seja, são estudos acadêmicos para comprovação de conceito por meio de modelagem computacional. Alguns deles contam, também, com desenvolvimento de piloto para validar os modelos computacionais desenvolvidos”, explica Breda.

Intensidade de emissões é um indicador que relaciona emissões e resultado econômico das operações. No caso de países, uma métrica é a razão entre tCO2/tep e PIB. Para uma empresa privada, como a Shell, são consideradas emissões diretas e indiretas (cadeia de suprimento e terceiros) e o faturamento. Veja a metodologia completa na página da companhia sobre a Net Carbon Footprint Ambition (em inglês)

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Caverna experimental em dois anos

A pesquisa das cavernas de sal tem um prazo total de quatro anos. Já foi feita a prova de conceito para atestar a viabilidade técnica; nos próximos dois anos, a intenção é construir uma estrutura experimental. Paralelamente, o RGCI pesquisa os processos de separação gravitacional do CO2 e das partes comercializáveis do gás.

“Injetamos a mistura de CO2 e metano na caverna, a seis mil metros abaixo do nível do mar. Por meio de um processo gravitacional, o CO2 – em estado supercrítico, quase líquido – se separa do metano”, explica Assi.

Após o processo, o metano é retirado da caverna e o CO2 fica armazenado. Esse ciclo seria repetido até o total preenchimento da caverna – os pesquisadores estimam que é possível armazenar até 10 milhões de toneladas de CO2 nessas estruturas. Em seguida, atingida a capacidade, a caverna é lacrada.

O projeto prevê a construção de cavernas com dimensões da ordem de 450 metros de altura e 150 metros de diâmetro, controlada por equipamentos conectados às plataformas – tecnologia dominada pelas empresas que operam no offshore, em especial no Brasil, que fez grandes avanços no desenvolvimento de sistemas submarinos para o pré-sal, puxado pela demanda da Petrobras.

Abatimento de emissões na geração termoelétrica

Coordenado pelo professor Colombo Tassinari, também pesquisador do RCGI e docente dos Institutos de Energia e Ambiente (IEE/USP) e de Geociências (IGc/USP), outra pesquisa busca viabilizar a captura e o armazenamento de carbono de uma usina termoelétrica a carvão mineral.

O RGCI está estudando as rochas na região do Complexo Termelétrico Jorge Lacerda, em Santa Catarina, para testar a viabilidade de estocagem. A pesquisa é fruto de uma parceria do IEE/USP com a Associação Brasileira de Carvão Mineral (ABCM).

O complexo possui três usinas, que geram um total de 857 MW. Elas emitem material particulado, óxidos de nitrogênio (NOx) e dióxido de enxofre (SO2). É avaliada a capacidade de injeção e armazenamento em diferentes tipos de rochas – folhelhos, arenitos, basaltos e argilitos –, de formações geológicas vizinhas ao complexo.

Tassinari explica que os folhelhos têm o diferencial de conseguir reter CO2 sem precisar da cobertura de outras rochas. É desse tipo de rocha sedimentar que, quando há concentração de material orgânico, são desenvolvidos os projetos de produção de petróleo e gás natural não-convencional – shale oil e shale gas.

“Nos arenitos, basaltos e argilitos só é possível armazenar o carbono se existirem armadilhas, como a presença de rochas selantes, que impediriam o escape do CO2 estocado. Os folhelhos, por conterem matéria orgânica e argilas que retêm por adsorção o CO2, têm o poder de reter dentro dele o CO2 injetado, sem a necessidade de rochas selantes por longo tempo”, explica Tassinari.

De acordo com dados compilados pelo Ministério de Minas e Energia (MME), a queima de carvão para geração termoelétrica (geração de vapor) emite 3,88 toneladas de CO2 por cada unidade de energia medida em toneladas equivalentes de petróleo (tCO2/tep). A queima do gás natural distribuído no Rio e em São Paulo, por exemplo, emite 2,58 tCO2/tep.

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Pesquisas vão além das exigências ambientais

Além do abatimento de emissões, Gustavo Assi cita que a gestão do CO2 na produção de óleo e gás nos grandes campos do pré-sal abre oportunidades de desenvolvimento de novos negócios e tem efeitos no próprio desenvolvimento dos reservatórios.

“As cavernas passam a ser um reservatório viável para CO2 e será uma decisão comercial se as empresas irão querer operar estas cavernas vendendo créditos de carbono”, cita o pesquisador.

O Brasil bate recordes de produção com o desenvolvimento do pré-sal, operados pela Petrobras. Eles foram responsáveis pela produção de 85 milhões de m³/dia em dezembro, quando o país atingiu o recorde de 138 milhões de m³/dia.

Desse total, 80% são de reservatórios de gás associado, isto é, produzido junto com o petróleo. Para as companhias, a separação, injeção e a transferência desse gás para a costa são elementos-chave para determinar a viabilidade comercial dos ativos. O que passa pelo gerenciamento de contaminantes, como o CO2.

“Temos um gargalo na produção de óleo e gás por conta de um excesso de gás associado extraído dos poços. Na região do pré-sal, onde retira-se o óleo, a relação gás-óleo é muito elevada. E esse gás não pode ser solto na atmosfera, pois ele é rico em CO2 e metano”, explica.

Atualmente, já é feita a injeção de CO2 em reservatórios de campos marítimos, por meio dos mesmos poços que injetam parte ou todo o gás natural produzido. Essa técnica, além de armazenar o gás e o CO2, também funciona para elevar a produção de óleo.

Relação gás-óleo é o indicador usado para expressar o volume de gás natural que é produzido, de forma associada ao petróleo. O gás natural é encontrado tanto associado como não-associada ao óleo, caso dos reservatórios em que é possível produzir exclusivamente gás natural ou pequenas parcelas de líquido (condensado). Características que alteram as exigências técnicas e o modelo de negócios para desenvolver os campos

Investimento é viabilizado por política setorial e ensino público

As pesquisas no RGCI são fruto de uma parceira entre Shell, a USP (universidade pública de São Paulo) e a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp). Os aportes são feitos por meio da chamada Cláusula de P&D, uma política setorial que destina entre 0,5% e 1% do faturamento bruto da produção nacional de petróleo para pesquisa e inovação.

Os aportes são fiscalizados pela Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) e, em 2019, geraram obrigações de investimento de R$ 1,46 bilhão, totalizando 16,9 bilhões em 22 anos.

A Petrobras responde por 90% desses aportes e a Shell, em segundo lugar, por 5,62% – ao todo, 18 empresas geraram, em algum momento, obrigações de investimento, com participação crescente de aportes não-Petrobras.

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Os projetos do programa de abatimento de CO2 do RGCI

  • #30 – Processos inovadores para a conversão de CO2 em produtos químicos de alto valor agregado e combustíveis baseado em catalisadores híbridos
  • #31 – Produção de Moléculas Orgânicas a partir de CO2 e H2O por Fotocatálise em Nano-óxidos
  • #32 – Estudos de modelagem, simulação e otimização de tecnologias inovadoras de conversão de CO2
  • #33 – Sistema de monitoramento acústico passivo para detecção de vazamento de CO2
  • #34 – Desenvolvimento de estudos sobre construção de cavernas de sal para estocagem e separação de CO2 e CH4 na região do pré-sal
  • #35 – Detecção de vazamento dos gases CH4 e CO2 no fundo do mar utilizando imagens de ultrassom com múltiplos elementos
  • #36 – Armazenamento de Carbono em Reservatórios Geológicos no Brasil: Perspectivas para CCS em Reservatórios de Petróleo Não Convencionais “onshore” e de Bacias Sedimentares “offshore” do Sudeste do Brasil
  • #37 – Simulação e Otimização de Compressores de CO2 e Mistura de CO2 e CH4 na Condição Supercrítica
  • #38 – Ejetor de alta eficiência para compressão de gás
  • #39 – Desenvolvimento de Separadores Supersônicos de Gases – Otimização, Simulação Numérica e Ensaios
  • #40 – Estudo do comportamento de corrosão e/ou degradação em solução aquosa saturada com CO2 na ausência e presença de contaminantes (NOx, SOx e H2S) de materiais utilizados no transporte de CO2 Supercrítico (SCCO2)
  • #41 – Simulação de escoamentos internos com dinâmica molecular para reduzir perdas de carga em dutos para transporte de CO2, CH4 e Óleo
  • #42 – Avaliação de Impacto Ambiental de Atividades de CCS no Brasil e Aspectos Legais
  • #43 – Determinação de propriedades fundamentais de misturas gasosas de interesse da indústria de petróleo e gás natural na presença de fluidos complexos (Laboratório de Pesquisa e Desenvolvimento em Fluidos Supercríticos, Petróleo e Gás Natural)
  • #44 – Laboratório para Ensaios de Separadores Supersônicos de Gases – Infraestrutura
  • #45 – Laboratório de caracterização de propriedades físico-químicas de CO2, petróleo e gás natural em condições sub e supercríticas – Infraestrutura

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