Por Juliana Rodrigues de Melo Silva – Especialista de Energia da Abrace
Dentre os diversos desafios para os consumidores de gás natural, a falta de transparência se impõe como um dos mais prejudiciais. O gás no Brasil se desenvolveu a partir de uma estrutura de monopólio, assim como o de combustíveis líquidos. A abertura destes mercados é recente, aconteceu em 1997, momento que marca o período de transição para a liberalização dos preços no mercado nacional.
Porém, no decorrer desses 20 anos, a estrutura do mercado não se desenvolveu o suficiente para promover a competição necessária. Sua natureza complexa, pela estrutura de rede e a presença de um duplo monopólio na comercialização do gás trazem consequências nocivas para a atividade produtiva do país.
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De um lado as distribuidoras, que não têm alternativa de suprimento e se deparam com uma lógica monopolista e impositiva de preços, e de outro os consumidores que encontram restrições em negociar diretamente seu próprio fornecimento. Na prática, o mercado livre que deve ser legalmente regulado pelos estados, ainda não existe efetivamente e não há oferta alternativa, devido às inúmeras barreiras que limitam a outros supridores terem acesso ao mercado.
Assim, os contratos negociados pelas distribuidoras, amparados por cláusulas pass-through, previstas nos contratos de concessão, são repassados em condições semelhantes aos consumidores. E os consumidores, além de não conseguirem negociar condições de suprimento que melhor adequem ao seu perfil de consumo, também não conseguem ter acesso aos termos destes contratos de suprimento das distribuidoras.
Sem previsibilidade sobre os preços do gás e reajustes, consumidores tornam-se refém de uma única informação: a tarifa final que inclui o combo: molécula-transporte-margem de distribuição. A ausência de sinalização adequada em relação ao comportamento dos preços do gás natural impacta diretamente o orçamento e o planejamento estratégico destes grandes consumidores, e por consequência impactam decisões de investimentos e expansão da atividade produtiva.
Como resultado, o Brasil possui um dos maiores preços de gás natural do mundo, sem mencionar os custos que são ainda maiores pelas penalidades e inflexibilidades impostas aos consumidores.
A falta de transparência penaliza ainda mais os consumidores em um mercado que não tem competitividade. O melhor exemplo disto foi a renegociação dos contratos entre a Petrobras e as distribuidoras a partir de dezembro de 2016. Segundo dados do MME, estas alterações elevaram o preço do gás em cerca de 10%. Este aumento foi repassado aos consumidores, que não conseguiram antecipá-lo e tiveram que absorver este aumento sem estarem preparados.
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Para corrigir este problema, a ANP precisou atuar em prol da transparência. Em 2018, discutiu com o mercado uma solução para garantir que o mercado pudesse ter maior previsibilidade. O resultado foi traduzido pela Resolução nº 794/2019, que estabelece regras para dar publicidade a informações relativas à comercialização de gás natural, como preços e volumes médios, inclusive prevendo a publicação na íntegra dos contratos de suprimento ao mercado cativo, firmados entre as distribuidoras e supridores.
Esta resolução foi um avanço para o setor e foi muito bem recebida pelos consumidores, em linha com as diretrizes estabelecidas pelo governo e pelo Conselho Nacional de Política Energética, que visam à abertura do mercado de gás, e também por alguns estados, como o Espírito Santo, que publicou norma semelhante para garantir a transparência dos contratos, inclusive para aqueles “amparados” por cláusulas de confidencialidade. Materializou-se o entendimento de que o consumidor final, quem absorve os custos do fornecimento do gás, não poderia mais pagar por algo sem conhecer as regras de formação de seu preço.
Mas esta intenção ainda não foi concluída. Com resultados esperados para o início de setembro, o prazo foi estendido por mais 60 dias. Consumidores aguardam ansiosos pela publicação destas informações.
Para realizar todo o seu potencial de produção de petróleo e gás, o Brasil precisa criar um ambiente transparente, que dê segurança e previsibilidade aos investidores. Só assim conseguiremos desenvolver a indústria nacional e colher os benefícios esperados com a concretização dos planos de governo e com os avanços do Projeto de Lei do Gás, cujo relatório – de autoria do Deputado Silas Câmara – deverá ser deliberado ainda está semana na Câmara dos Deputados.
A Associação dos Grandes Consumidores Industriais de Energia e de Consumidores Livres (ABRACE) representa grandes grupos que demandam 20% da energia elétrica produzida no país, o que corresponde a 45% do consumo industrial de energia. Demandam, também, mais de 40% do gás e do óleo combustível comercializados.
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