O kickoff do novo mercado de gás

A semissubmersível P-40 é a décima platarforma no raking de produção, com 77 mil barris por dia de petróleo e 1,6 milhão de m3/dia de gás natural produzidos no campo de Marlim, na Bacia de Campos - Foto: Agência Petrobras
A semissubmersível P-40 é a décima platarforma no raking de produção, com 77 mil barris por dia de petróleo e 1,6 milhão de m3/dia de gás natural produzidos no campo de Marlim, na Bacia de Campos - Foto: Agência Petrobras

Em 24/6/2019 o Conselho Nacional de Política Energética – CNPE publicou no Diário Oficial a Resolução CNPE nº 16 por meio da qual estabeleceu diretrizes e aperfeiçoamentos de políticas energéticas voltadas à promoção da livre concorrência no mercado de gás natural.

Na referida Norma, foram elencados os princípios da transição, ou seja:

Art. 1º São princípios da transição para um mercado concorrencial de gás natural:

I – a preservação da segurança no abastecimento nacional e da qualidade do produto;

II – a ampliação da concorrência em todo o mercado, evitando-se inclusive a formação de monopólios regionais;

III – o estabelecimento de prazos céleres e prudentes para adequação dos agentes da indústria do gás natural ao novo desenho de mercado;

IV – a mitigação de condições que favoreçam discrepâncias acentuadas de preços entre as Regiões do País durante período de transição, com gradativa implantação do sinal locacional;

V – a coordenação da operação do sistema de transporte pelos transportadores independentes por meio dos códigos comuns de rede;

VI – a formação de áreas de mercado que considere processo de fusão entre elas, com o objetivo de progressiva diminuição do número de áreas e aumento da liquidez do ponto virtual de negociação;

VII – o respeito aos contratos e à governança das empresas;

VIII – o respeito à autonomia e o fortalecimento das agências reguladoras e da autoridade de defesa da concorrência; e

IX – a integração do setor de gás natural com os setores elétrico e industrial.
Os princípios acima têm claramente o viés político, é uma mensagem ao mercado informando o que se pretende fazer.

Um dos incisos supra trata da segurança no abastecimento nacional, este tema é de suma importância para o êxodo da transição. Somente com a participação da Petrobras no processo de transição poderá ser garantida a segurança necessária.

O Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE) terá um papel de coibir a formação de monopólios e a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) terá a competência para promover a regulamentação e a fiscalização das atividades conforme estabelece a Lei 11.909/2009, tais como: transporte, tratamento, processamento, estocagem, liquefação, regaseificação e comercialização de gás natural. Caberá ao CNPE (Lei nº 9.478/1997) desenvolver o novo desenho de mercado e a formulação das políticas e diretrizes energéticas.

A mitigação de condições que favoreçam discrepâncias acentuadas de preços entre as Regiões do País durante período de transição, com gradativa implantação do sinal locacional – A participação da Petrobras será fundamental importância durante o período de transição.

A coordenação da operação do sistema de transporte pelos transportadores independentes por meio dos códigos comuns de rede deverá ser criado o operador nacional do sistema de gás natural, e o operador nacional do sistema de gás natural, nos moldes do Operador Nacional do Sistema Elétrico – ONS e da Câmara de Comercialização de Energia Elétrica – CCEE, respectivamente.

A transição para o mercado concorrencial de gás natural deverá ocorrer de “forma coordenada”.

Art. 2º A transição para o mercado concorrencial de gás natural deverá ocorrer de forma coordenada, de modo a:

I – criar condições para a ampliação do acesso e do aumento da eficiência na operação e na utilização das infraestruturas de transporte de gás natural;

II – promover a independência dos transportadores, eliminando potenciais conflitos de interesse e garantindo que os serviços de transporte sejam ofertados de forma ampla e não discriminatória;

III – restringir situações de transações entre comercializadores e concessionárias de distribuição de gás canalizado que sejam partes relacionadas;

IV – promover a transparência e o estabelecimento de regras claras para o acesso negociado e não discriminatório às infraestruturas de escoamento e processamento de gás natural e aos Terminais de Gás Natural Liquefeito – GNL;

V – promover a transparência do teor dos contratos de compra e venda de gás natural para o atendimento ao mercado cativo;

VI – implantar programas para a liberação progressiva de gás natural por parte de agente da indústria que detiver participação relevante que possa resultar na dominação de mercado, bem como incentivar os demais produtores a comercializarem o gás no mercado; e

VII – incentivar a adoção voluntária, pelos Estados e o Distrito Federal, de boas práticas regulatórias relacionadas à prestação dos serviços locais de gás canalizado, que contribuam para a efetiva liberalização do mercado, o aumento da transparência e da eficiência, e a precificação adequada no fornecimento de gás natural por segmento de usuários.

Os incisos III em que: “restringir situações de transações entre comercializadores e concessionárias de distribuição de gás canalizado que sejam partes relacionadas”, compete o equívoco ao usar a expressão inadequada: “concessionárias de distribuição de gás canalizado”.

A distribuição de gás canalizado, serviços públicos de gás canalizado, serviços públicos de distribuição de gás canalizado e serviços locais de gás canalizado são sinônimos da atividade de exploração dos serviços de movimentação física do gás do ponto de recepção ao ponto de entrega no usuário, por meio de um sistema (rede) de distribuição (indústria de rede).

O § 2º do Art. 25 da Constituição Federal (CF) estabelece que compete somente aos Estados da Federação regular a prestação do serviço locais de gás canalizado:

Art. 25. Os Estados organizam-se e regem-se pelas Constituições e leis que adotarem, observados os princípios desta Constituição.

§ 2º Cabe aos Estados explorar diretamente, ou mediante concessão, os serviços locais de gás canalizado, na forma da lei, vedada a edição de medida provisória para a sua regulamentação. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 5, de 1995)

Ademais, somente o poder público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão (Lei nº 8.987/1995), sempre por meio de licitação, a prestação de serviços públicos. (Art. 175 da CF)

Desse modo, incumbe aos Estados explorarem tais serviços: Diretamente – exemplo: Bahiagás, Potigás, Sergás, entre outras. Ou Concessão – exemplo: Gás Brasiliano, Comgás, Naturgy, entre outras.

Segundo a definição contida no inciso II do Art. 2 da Lei nº 8.987/1995, entende-se por concessão de serviço público: “a delegação de sua prestação, feita pelo poder concedente, mediante licitação, na modalidade de concorrência, à pessoa jurídica ou consórcio de empresas que demonstre capacidade para seu desempenho, por sua conta e risco e por prazo determinado;”

Assim, o correto seria utilizar “empresa de distribuição de gás canalizado”.

[sc name=”newsform”]

Outro ponto importante é a expressão em si: “restringir situações de transações entre comercializadores e concessionárias de distribuição de gás canalizado que sejam partes relacionadas. No caso, interpreto como: restringir transações de compra e venda de gás natural entre empresas pertencentes ao mesmo grupo econômico.

O inciso V da Resolução menciona a transparência do teor dos contratos de compra e venda de gás natural para o atendimento ao mercado cativo. Nesse caso, há necessidade de um ente federal criar os mercados, ou seja, cativo e livre.

Atualmente, não existe previsão legal que suporte uma distribuidora estadual de gás canalizado a comercializar gás natural, esta somente pode prestar serviços. Por outro lado, o setor elétrico, por meio da Lei Federal nº 9.074/ 1995, permiti que as distribuidoras de energia comercializem energia além do serviço.

A ANP seria o ente federal encarregado da criação e definição de tais mercados. O mercado cativo poderia ser para consumidores cujo consumo de gás natural seja igual ou inferior a 50.000 m³ por mês. E o mercado livre para consumidores cujo consumo de gás natural seja superior a 50.000 m³ por mês.

Haverá necessidade de regulamentação – pela ANP – da atividade de comercialização de gás natural para o mercado cativo, por meio de empresas de serviços locais de distribuição de gás canalizado.

O inciso VII propõe um convênio ou pacto entre os Estados e o Distrito Federal para uniformização das normas estaduais da distribuição de gás canalizado, inclusive a estrutura da taxa de uso do sistema de distribuição. A redação do inciso: “incentivar a adoção voluntária, pelos Estados e o Distrito Federal, de boas práticas regulatórias relacionadas à prestação dos serviços locais de gás canalizado, que contribuam para a efetiva liberalização do mercado, o aumento da transparência e da eficiência, e a precificação adequada no fornecimento de gás natural por segmento de usuários.”.

A Lei Federal nº 11.909/2009 (Lei do Gás Natural) instituiu normas para a exploração das atividades econômicas:

Art. 1o Esta Lei institui normas para a exploração das atividades econômicas de transporte de gás natural por meio de condutos e da importação e exportação de gás natural, de que tratam os incisos III e IV do caput do art. 177 da Constituição Federal, bem como para a exploração das atividades de tratamento, processamento, estocagem, liquefação, regaseificação e comercialização de gás natural.

§1º As atividades econômicas de que trata este artigo serão reguladas e fiscalizadas pela União, na qualidade de poder concedente, e poderão ser exercidas por empresa ou consórcio de empresas constituídos sob as leis brasileiras, com sede e administração no País.

§2º A exploração das atividades decorrentes das autorizações e concessões de que trata esta Lei correrá por conta e risco do empreendedor, não se constituindo, em qualquer hipótese, prestação de serviço público.

§3º Incumbe aos agentes da indústria do gás natural:

I – explorar as atividades relacionadas à indústria do gás natural, na forma prevista nesta Lei, nas normas técnicas e ambientais aplicáveis e nos respectivos contratos de concessão ou autorizações, respeitada a legislação específica local sobre os serviços de gás canalizado;

II – permitir ao órgão fiscalizador competente o livre acesso, em qualquer época, às obras, aos equipamentos e às instalações vinculadas à exploração de sua atividade, bem como a seus registros contábeis.

A comercialização de gás natural como sendo a atividade econômica de compra e venda de gás natural, realizada por meio da celebração de contrato, negociado entre as partes e registrado na ANP.

Nos termos da Lei nº 9.478/1997 (Lei do Petróleo), a ANP é responsável pela regulamentação e fiscalização da atividade de comercialização de gás natural. Para o exercício da atividade de comercialização de gás natural, há necessidade de obtenção de registro de agente vendedor à ANP perante os requisitos estabelecidos na Resolução ANP nº 52/2011.

O Art. 3º da Resolução: Estabelecer como de interesse da Política Energética Nacional que o agente que ocupe posição dominante no setor de gás natural observe as seguintes medidas estruturais e comportamentais:

I – a alienação total das ações que detém, direta ou indiretamente, nas empresas de transporte e distribuição;

II – a definição das suas demandas nos pontos de entrada e de saída do sistema de transporte, possibilitando a oferta de serviços de transporte adicionais na capacidade remanescente;

III – a oferta de serviços de flexibilidade e balanceamento de rede, devidamente remunerados, garantindo a segurança do abastecimento nacional durante período de transição ou enquanto não houver outros agentes capazes de ofertarem esses serviços;

IV – a cooperação no processo de transição para o regime de entrada e saída no sistema de transporte;

V – a disponibilização de informações ao mercado sobre as condições gerais de acesso a terceiros a suas instalações de escoamento, processamento e terminais de GNL; e

VI – a promoção de programa de venda de gás natural por meio de leilões e a remoção de barreiras para que os próprios agentes produtores comercializem o gás que produzem.

Parágrafo único. Até a conclusão da alienação de que trata o inciso I, assegurar a independência na gestão e administração em empresas de transporte e distribuição nas quais detenha participação direta ou indireta.

No caput do Art. 3º e seus incisos constam as diretrizes para desinvestimento do “agente que ocupe posição dominante no setor de gás natural”.

Segundo a Resolução, a transição para o mercado concorrencial de gás natural (Art. 4º) será implementada por regulação da ANP, em alguns casos, conjunto CADE, observando as seguintes diretrizes:

a) Oferta de capacidade disponível de transporte;

b) Critério de autonomia e independência dos transportadores (com a implementação do modelo de desverticalização do transporte);

c) Organização do sistema de transporte por meio dos códigos comuns de rede;

d) Elaboração de códigos comuns de acesso a dutos de escoamento, unidades de processamento de gás natural e terminais de GNL;

e) Implementação de áreas de mercado e respectivos pontos virtuais de comercialização e publicação de contratos de transporte padronizados; e

f) Implantação de programas de liberação de gás natural para redução de concentração do mercado.

Aproveitando o momento, a ANP deveria definir e padronizar a rede de distribuição e o gasoduto de transporte. Na Europa e nos Estados Unidos, eles são diferenciados pela pressão, seja por:

Gasoduto de transporte: sob a forma gasosa através de gasoduto em alta pressão – na faixa 40-100 bar.

Rede de distribuição: sob a forma gasosa através de tubulações em baixa/ média pressão – na faixa 0,017 – 10 bar.

No Art. 5º, recomenda-se que o “Ministério de Minas e Energia e o Ministério da Economia incentivem os Estados e o Distrito Federal a adotarem as seguintes medidas:”. Por não compreender a legislação que fundamenta e regula a prestação de serviços públicos de distribuição de gás canalizado, recomenda “reformas e medidas estruturantes na prestação de serviço de gás canalizado, incluído eventual aditivo aos contratos de concessão, de forma a refletir boas práticas regulatórias, recomendadas pela ANP”.

Cabe a ANP definir princípios regulatórios para os consumidores livres, autoprodutores e autoimportadores, quando da definição dos mercados cativo e livre.

Como mencionado anteriormente, caberá a ANP a criação do mercado cativo e livre e ao Congresso Nacional que aprove Lei para que a distribuidora de gás canalizado possa praticar a atividade comercial de venda de gás natural para atendimento do mercado cativo.

As Agências Reguladoras Estaduais e ANP deverão ter o cuidado e a atenção na aquisição de gás natural pelas distribuidoras estaduais de forma transparente e que permita ampla participação de todos os ofertantes.
A transparência na metodologia de cálculo tarifário é essencial e esperada pelo mercado, como ocorre no setor elétrico, e a fatura deverá constar os valores abertos de Tarifa de Uso do Sistema de Distribuição (TUSD) e Tarifa de Gás Natural.

Sendo serviços públicos estaduais de distribuição de gás canalizado, caberá às Agências Reguladoras Estaduais a adoção de metodologia tarifária que dê os corretos incentivos econômicos aos investimentos e à operação eficiente das redes.

Já está nas Leis separação entre as atividades de comercialização e de prestação de serviços de rede (gás canalizado).

É de uma importância que as Agências Reguladoras Estaduais adotem estruturas tarifárias proporcionais à utilização dos serviços de distribuição, por segmento de usuários.

A criação ou manutenção de Agências Reguladoras Estaduais com autonomia, requisitos mínimos de governança, transparência e rito decisório.

Conforme acima exposto, não existe “privatização da concessionária estadual de serviço local de gás canalizado”. Bem como o § 1º do Art. 5º: “Na privatização de que trata o inciso III, incentiva-se que os Estados e Distrito Federal avaliem a oportunidade e conveniência de definição de novo contrato de concessão, que considere as diretrizes que trata o inciso I.”.

Os Estados deverão aderir a ajustes tributários necessários à abertura do mercado de gás natural discutidas no âmbito do Conselho Nacional de Política Fazendária – CONFAZ, a exemplo do Ajuste do Sistema Nacional Integrado de Informações Econômico-Fiscais – SINIEF nº 03/18, de 3 de abril de 2018.

No § 2º do Art.5º, recomenda-se ao Ministério de Minas e Energia, ao Ministério da Economia, à ANP e à Empresa de Pesquisa Energética – EPE, que se articulem para promover o apoio de treinamento e capacitação das agências reguladoras estaduais nas matérias de que trata os incisos I e II.

Já no Art. 6º, recomenda-se ao Ministério de Minas e Energia, em articulação com o Ministério da Economia, a ANP e a Empresa de Pesquisa Energética (EPE), a criação das condições para promover a participação de empresas privadas na oferta de gás importado em condições competitivas, em especial, o gás boliviano.

No Art. 7º recomenda-se que o Ministério de Minas e Energia, em articulação com os órgãos responsáveis pela regulação e licenciamento ambiental, elabore subsídios técnicos para fomentar a exploração e produção de gás natural em terra.

E, no Art. 8º, recomenda-se que o Ministério de Minas e Energia, em articulação com o Ministério da Economia, a ANP, a EPE e o CADE, monitore a implementação das ações necessárias à abertura do mercado de gás, devendo propor medidas adicionais e complementares ao CNPE, caso necessário.

E ainda nos parágrafos seguintes, é concedido o prazo de até (60) sessenta dias, em que deverão ser definidas a governança e as informações necessárias ao monitoramento, bem como o formato e periodicidade para seu encaminhamento. Por último, para assegurar a transparência do monitoramento, deverá ser disponibilizado relatório trimestral simplificado com o status de cada uma das medidas definidas pelo CNPE.

A CNPE situa que a transparência da formação de preços é questão fundamental para a transição para um mercado concorrencial. Assim, a ANP informa que novas regras entrarão em vigor em 60 (sessenta) dias. Para tanto, a Agência deverá adequar os contratos em vigor, mas não apenas o gás natural vendido às companhias locais de distribuição de gás canalizado, mas também contempla toda a cadeia do gás natural, desde os volumes comercializados na “boca do poço”.

A ANP esclarece que: “assim que produzido e ainda sem especificação para transporte e consumo até os city gates das companhias distribuidoras de gás natural.”.

Segundo a ANP, os principais pontos para a nova regra são:

Alterar a Resolução ANP nº 52/2011 para permitir a divulgação dos preços médios ponderados por volume e demais informações relevantes (volume, take-or-pay, etc.), baseados nas informações fornecidas pelos agentes vendedores.

A ANP dará publicidade integral aos contratos de compra e venda de gás natural firmados com as distribuidoras locais de gás canalizado para atendimento a mercados cativos (aquele em que os clientes em potencial possuem um limitado número de supridores concorrentes ou apenas um supridor).

Apesar de todas as “falhas” conceituais, a Resolução CNPE nº 16/2019 foi um bom sinal ao mercado e não podemos deixar esta norma ser esquecida, com aconteceu com a Lei do Gás Natural.

[jnews_block_23 number_post=”2″ include_post=”20720,20725″]